Aristocracia: estudos e tabus sociais  

 

 




Definição de aristocracia


 

O método

O problema não é de encontrar uma equação que permita descobrir quem é aristocrata ou não. Todos conhecemos aristocratas, porque têm heranças típicas dessas classes, como heráldicas e brasões, propriedades e títulos, rendimentos fundiários e relações de reconhecimento e prestígio em redes de pessoas ligadas entre si por laços familiares. O problema que quero perseguir é sociológico: hoje em dia não é reconhecida a existência de uma classe aristocrática, talvez porque não lhes são reconhecidos legalmente os privilégios. Mas que há privilégios, lá isso há. Se se organizam em torno de classes de gente, há a tendência para responder que não. Afinal somos parte de sociedades modernas. Em que todos tendemos para ser iguais entre nós. E a igualdade de oportunidade é geralmente reconhecida politicamente como desejável.

Aqui é que bate a contradição: somos uma sociedade moderna, em que todos somos iguais perante a lei (embora alguns sejam mais iguais que outros). Os aristocratas reconhecidos ou são desqualificados – porque isso nos parece acessório relativamente à sua relação com a divisão de trabalho capitalista – ou são mantidos para efeitos políticos – como as realezas tomadas para chefes de Estado, na verdade mais baratas do que a Presidência da República portuguesa. A minha pergunta é esta: não existirá, clandestina, uma aristocracia moderna (porque funciona através do exercício de privilégios especiais que podem transmitir de algum modo – por exemplo através de sociedades secretas e partidos, profissões misteriosas como a dos gestores e advogados, CEO´s e banqueiros) que vale a pena descobrir, isto é nomear?

Não é tarefa fácil nomeá-la, porque é poderosa e porque fazê-lo é um acto criativo. Mas a ciência social pode beneficiar da sua autoridade e métodos para prosseguir esse desiderato, caso existam cientistas disponíveis e público capaz de aplaudir essa acção. Pois à ciência cabe descobrir. E revelar o que está encoberto.

Para isso é preciso dar tempo ao tempo. Primeiro a) há que afirmar a legitimidade da pergunta: porque é que muitas das sociedades ocidentais conheceram aristocracias dos mais variados tipos e a sociedade actual não dispõe de nenhuma aristocracia para mostrar? Depois b) há que com base na definição de aristocracia usada para equiparar as diferentes aristocracias reconhecidas (não aristocratas singulares (esses há-os por aí); mas grupos sociais) verificar se essa definição se adapta ou não a certos perfis sociográficos de grupos sociais conhecidos. Finalmente c) apurar os dados, avaliá-los e tirar conclusões provisórias com vista a prosseguir a pesquisa numa fase posterior, em função da facilidade com que as evidências recolhidas convenceram ou não os investigadores e o público.


Definição de aristocracia

e de classe aristocrática

A aristocracia pode ser definida através dos “factores como a autonomia, as qualificações e a autoridade [que] no emprego assumem grande importância” para a análise das classes, segundo Olin Wright citado por Estanque (2012:67). O autor norte-americano, cruzou a dualidade de classes marxista (opondo proprietários dos bens de produção e os vendedores de força de trabalho) com os factores que na vida das organizações – fabris e burocráticas, privadas e estatais – distinguem o estatuto social de cada um, organizando uma ordem representada formalmente em organigramas e informalmente através de relações pessoais e de fidelidade. Desse modo podemos também distinguir o trabalho, funcional ou técnico, do emprego, caracterizado por relações políticas, eventualmente inscritas numa carreira.

A aristocracia actual vive misturada e confundida na grande amálgama indefinida a que se chama classe média, ou também nova pequena burguesia (Poulantzas 1978) ou analistas simbólicos (Reich 1991) ou classe política (Oborne 2008). Mas também nos movimentos sociais, onde a liderança e a sua organização correspondem frequentemente a uma versão actualizada do aristocrata dominante e o respectivo séquito, organizados para produzirem efeitos de fechamento social, cf. Parkin (1979).

“Categorias profissionais em crescimento, tais como professores, técnicos, funcionários, gestores de topo, quadros e profissionais de saúde ou da administração pública, funcionam como uma imensa plataforma de amortecimento da luta de classes ou, dito de outro modo, constituem o principal meio de cooptação ou de emburguesamento da classe operária e dos seus descendentes, afastando-os assim dos caminhos da actividade sindical e política”, escreve Estanque (2012:25). Mas também são estas classes sociais as que maior participação cívica e política declaram, cf. Carvalho (sd).

Para abrir a possibilidade de estudos sobre o que seja hoje a aristocracia, após todas as transformações operadas desde há mais de duzentos anos, quando deixámos de a ter sob observação, será de pressupor poder encontrá-la entre os grupos intermédios da sociedade, a diferentes níveis de importância para a ordem social vigente e, também, como sempre, como risco potencial para a subversão da situação, como o gráfico poderá ajudar a sugerir.

                                                                     SOCIAL

 

Burguesia

 

Aristocracia

(nova pequena burguesia)

Mão-de-obra

(manual)

Burguesia

 

Finanças, transpor-tes, produção

Economia e afiliação

Desenvolvimento  e individuação

Aristocracia (analistas simbólicos)

 

Política e cognição

Individuação e planeamento

 

Social e ideologia

Mão-de-obra (escritórios)

Individuação e desenvolvimento

 

Cultura e distinção

Direitos humanos

                                                             PSICOLÓGICO

Bibliografia:

Carvalho, T. (sd), “Obstáculos de classe à cidadania em Portugal”, Lisboa, Observatório das Desigualdades, http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=projects&id=122.

Estanque, Elísio (2012) A Classe Média: ascensão e declínio, Lisboa, FFMS

Oborne, Peter (2008) The Triumph of the Political Class, Pocket Books.

Parkin, Frank (1979) Marxism and Class Theorie; a Bourgeois Critique, London, Tavistock.

Poulantzas, Nicos (1978) State, Power, Socialism, London: New Left Books, 1978.

Reich, Robert B. (1991) O Trabalho das Nações, Lisboa, Quetzal.


   
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