Sociologia no quadro das Ciências de Emergência


António Pedro Dores - sociologia, ISCTE - universidade de Lisboa

A teoria social é multiparadigmática, as contradições internas entre as várias sensibilidades e correntes teóricas e práticas são inconciliáveis mas coexistentes. Ainda assim há espaços teóricos referidos pelos clássicos abandonados pelos desenvolvimentos das sociologias do século XX.

As sociologias concentraram-se sobretudo em explicar a importância da sociedade nos comportamentos humanos (as teorias de reprodução social estrutural funcionalistas ou das estruturas resultantes de dinâmicas macro e micro sociais, como em Bourdieu ou Giddens, por exemplo) e transferiram para outras disciplinas (como as ciência políticas, as relações internacionais, a psicologia e a gestão da liderança) as responsabilidades de compreender os mecanismos de transformação social. Quando tratam as mudanças sociais, fazem-nos de forma socialmente reificada, dando protagonismo a movimentos sociais ou agências sociais identificadas pelos seus efeitos.

Podem-se compilar várias explicações para a selecção de temas sociológicos concretizada nas últimas décadas. Para servir o Estado Social, a solidariedade típica  dessa forma de organização do Estado Nação era compatível com a ideologia de dispersão das responsabilidades das lutas contra as tradições (a violência, a pobreza, o crime, a doença, a falta de educação). Os serviços sociais públicos e universais eram tomados como panaceia para, uma vez completamente instalados, modernizar definitivamente os instintos ancestrais a ultrapassar socialmente. Os processos de individuação era concebidos como o esforço de subordinação às necessidades da produção, de que foram símbolos a linha de montagem  e a cultura fusionista da classe operária. Os estudos da privacidade ou do lazer era marginais e centrados na subjectividade: uma contaminação dos estudos culturais e humanistas.

Desde os anos sessenta até ao início do século XXI, as correntes pós-modernas reclamaram contra os preconceitos sociológicos estabelecidos, em consonância com o espírito do tempo: respeito pelas diferenças, liberdade ideológica, utilização dispersiva das tecnologias analíticas e de difusão de informação e de ideários, contestação dos valores tomados por adquiridos.

A sociologia da instabilidade é uma proposta crítica e alternativa relativamente à sociologia dominante e, também, à dispersão dos que se lhe opõem. Trata-se de assumir como bons, ainda que incompletos e parciais, os contributos das teorias estruturalistas em sociologia. Propõe uma linha de investigação fundamental para completar - de forma provisória - as teorias dominantes, cujo objectivo é a construção de uma tabela periódica de "estados de espírito", na sequência abandonada de intuições clássicas como "consciência de classe", "espírito do capitalismo", "formas elementares de vida religiosa", e à semelhança da tabela periódica adoptada pela Química a partir de proposta de Mendliev.

Cada ser humano caracteriza-se, por diferença com os outros animais, pela instabilidade do seu estado - capacidade de multiplicar e regular comportamentos básicos e de criar novas formas de agir. A actividade de agenciamento social depende não apenas de mecanismos sociais mas também das intenções de seres humanos particulares em função de posições institucionais susceptíveis de alavancarem vontades individuais para os níveis de energia próprios das disposições sociais (muito mais raras na natureza).

De cada ser humano, como de cada instituição e, mais raramente, de cada sociedade, emergem formas de vida novas em corpos semelhantes aos corpos tradicionais, subtilmente transformados pelas emoções e sentimentos, cf. explicaram António Damásio, Michel Foucault, Norbert Elias. As dores de parto de novas formas humanas, as famélicas ao lado das cibernéticas, são o alvo a privilegiar para mobilizar as teorias sociais no quadro das ciências da emergência.

 

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