LICÍNIO LIMA Nos Açores O bispo dos Açores, D. António de Sousa Braga, desafiou
os católicos do arquipélago a denunciarem todos os crimes de abuso
sexual de menores. O apelo foi lançado através de uma mensagem de
Natal para os fiéis - cujo texto, como o DN pôde constatar, está a
ser espalhado pelas paróquias das nove ilhas.
A mensagem
surge numa altura em que os habitantes da ilha de S. Miguel aguardam
com expectativa a chegada, hoje, de Dulce Rocha, presidente da
Comissão Nacional para a Protecção de Crianças e Menores. A
magistrada, que não quer ser vista como «salvadora da pátria», vai
reunir-se com as autoridades regionais para discutir o
acompanhamento de apoio às alegadas vítimas de pedofilia.
D.
António de Sousa Braga, na sua mensagem natalícia aos católicos dos
Açores, foi taxativo: «Repudiamos tão abominável crime que deve ser
denunciado e punido, venha de onde vier.» E, consciente das
limitações insulares que retraem a coragem da denúncia, avança com
um apelo frontal: «Não há que ter medo da verdade.» Para o prelado,
o escândalo que agora assola os Açores tem uma virtude - a de
«acabar com a presunção da impunidade» -, mas adverte que «a
abertura dos telejornais nacionais» arrasta também consigo o perigo
de «as vítimas serem esquecidas». E são estas que, em primeiro
lugar, «têm de ser protegidas».
O bispo das nove ilhas
lamenta, no entanto, que os Açores apenas mereçam destaque «na
comunicação social do continente» em situações de calamidade. Ou
«naturais» ou, no caso presente, de «calamidade moral de abuso
sexual de menores». Mais: têm surgido «afirmações precipitadas e
gratuitas» sobre a realidade do arquipélago. Neste sentido, D.
António adverte que «se impõe muita serenidade» da parte de todos os
açorianos, apelando ao espírito cristão no sentido de «não serem
condenadas pessoas antes de apurados os factos».
«Não
generalizemos, pondo em causa a sociedade no seu todo e as
instituições», diz, trazendo à memória dos leitores da sua mensagem
natalícia o facto de, no meio de todo este escândalo, estarem pelo
menos duas instituições em causa: a Igreja e o Tribunal, uma vez que
um padre e um magistrado são apontados pela população como
alegadamente envolvidos no abuso sexual de menores. «Confiemos na
justiça, que está actuando, e colaboremos com ela, apresentando
factos e não difundido boato que possam lesar a honra de pessoas
inocentes», pede D. António de Sousa Braga. Enquanto líder
espiritual, salienta que «viver o espírito de Natal é acreditar que
é possível a regeneração da humanidade».
ESPERANÇA
Hoje chega à ilha de S. Miguel Dulce Rocha. Ao DN, a magistrada
advertiu: « A justiça já nada pode fazer relativamente à vítimas de
abusos sexuais que hoje são maiores de idade»: afinal, e segundo a
lei, o prazo de prescrição dos crimes termina seis meses após a
vítima ter completado 16 anos. Assim, «talvez se esteja a empolar o
que se está a passar na Ilha de S. Miguel», uma vez que os alegados
abusadores poderão não sofrer qualquer castigo devido à distância
temporal em relação aos crimes.
A magistrada defende também
que, tal como os abusos sexuais perpetrados no seio da família,
também os outros deveriam ser considerados crimes públicos, de forma
a que o Ministério Público possa investigar sem estar dependente de
apresentação de queixa.
Sobre a sua vinda aos Açores, Dulce
Rocha disse que vai, juntamente com as Comissões de Protecção de
Crianças e de Menores locais e com autoridades regionais, analisar
os casos de abusos sexuais para se ponderar que tipo de apoios
poderá ser disponibilizados às alegadas
vítimas.