Carta de intenções da
Associação Contra a Exclusão pelo
Desenvolvimento (ACED)
Há
que procurar novas soluções. Há que procurar novas formulações para os
problemas. Há que puxar pela nossa capacidade de adaptação colectiva, o que só
poderá ser feito enfrentando os problemas lá onde eles existem, com as pessoas
que não os podem ignorar, com os autores do desenvolvimento e as vítimas da
exclusão.
Não temos
soluções, mas apenas pistas:
a) os excluídos de hoje podem ajudar-nos a construir formas
alternativas de encarar os problemas. Alguns deles serão os autores do
desenvolvimento futuro. Por força da sua própria condição, os melhores de
entre eles saberão dar a volta por cima. Se não desvalorizarmos
sistematicamente as expressões dos sentimentos e verdades dos excluídos, só
porque são dessa condição, talvez algumas dessas lições possam ser melhor
captadas. Se é certo que as culturas de exclusão contém fortes aspectos
negativos, não é mais certo que podem conter aspectos inovadores e positivos
susceptíveis de serem potencializados e usufruídos pelo conjunto da
sociedade (por ex: a música Jazz ou o fado).
b) a exploração das potencialidades práticas das vivências de
exclusão com vista ao desenvolvimento podem e devem ser organizadas e
profissionalizadas.
c) todos conhecemos um largo conjunto de actividades que se
podem enquadrar neste espírito, desde associativismos e intervenções urbanas
e rurais, culturais e desportivas, na área da prevenção da saúde e
acompanhamento de vítimas. É nossa intenção, partindo da nossa própria
experiência - na ex-Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso -, procurar
conhecer e aprender com essas iniciativas para encontrar formas de
colaboração entre pessoas, grupos e instituições
Assim a nossa
associação prefigura-se, aos olhos dos seus fundadores, como um espaço de
reunião de grupos diversos nos interesses e actividades. Queremos ser
capazes de compreender e divulgar as vantagens da ruptura com preconceitos
de improvável normalidade.
O crescente
desejo de exclusão (dos excluídos) e de alter-exclusão (dos que se julgam
imunes a situações de exclusão) encobre as dificuldades de encontrar
soluções para as aspirações e para os problemas individuais, de grupo e das
sociedades em processo de globalização.
A nossa resposta
não será apenas retórica. Por isso temos que reunir esforços de todos os que
se possam rever nestas preocupações, disponibilizando e potenciando
competências próprias de cada grupo de activistas, em função do conjunto de
grupos associados. Se uns são bons a organizar espectáculos públicos, outros
sabem fazer campanhas de promoção na Comunicação Social, outros têm boas
relações em certo tipo de instituições com que lidam quotidianamente, ou
sabem como gerir recursos económicos. Postas em conjunto, tais competências,
podem alargar a capacidade de cada um dos grupos intervenientes, que se
podem dedicar a assuntos tão diversos como a desprotecção da infância, da
velhice, da condição feminina e da pobreza, prevenção das doenças, da
xenofobia ou da tóxico-dependência, qualidade de vida rural ou urbana, do
consumo ou da justiça, Direitos Humanos, formação cívica, animação cultural
e social ou ecologia.
Propomo-nos
construir um cadinho de inconformismos:
a) queremos denunciar aquilo que todos sabendo calamos, para
nos defendermos com a ideia de que tudo caminha no mais normal dos mundos,
b) queremos ajudar a construir laboratórios de inovação e
transformação económica, social e cultural.
Para nós os
problemas da exclusão social são também, em toda a sua dimensão, problemas e
oportunidades de desenvolvimento. Ninguém deve viver o lado negativo do
desenvolvimento ou a cair nele, sem contar com a ajuda interessada de
organizações e profissionais competentes, capazes de desenvolverem as
potencialidades inovadoras e transformadoras das situações e das pessoas
envolvidas.
Queremos provar
que os investimentos neste tipo de actividade podem ser economicamente
produtivos e socialmente úteis.
Numa sociedade em
que o fosso das desigualdades vai adquirindo proporções assustadoras e onde
parece terem-se esgotado os métodos tradicionais (e institucionais) de
intervenção, justifica-se plenamente a construção de um espaço cívico que
procure aglutinar uma corrente solidária com os excluídos.
A rica
experiência que vivemos na defunta APAR, o conhecimento adquirido pela
constatação directa dos fenómenos de exclusão e das práticas autoritária de
um poder com trinta anos de atraso histórico, dão-nos legitimidade para
dizer que sabemos do que falamos.
Pensamos que a
problemática da integração social dos reclusos pode não ser substancialmente
diferente da integração de outras populações excluídas e a melhor maneira de
produzir trabalho preventivo é acudir a todas elas de um só impulso.
Todos, nós e os
nossos amigos, os nossos adversários e inimigos, os que têm modos de vida
incompreensíveis e repugnantes para nós e os desconhecidos, todos fazemos
legitimamente parte integrante da mesma sociedade, seja ela a sociedade
portuguesa, o nosso bairro ou região ou, ainda, a sociedade humana tomada
globalmente.
Pesquisar modelos
de modos de vida alternativos e sustentáveis é uma das nossas mais prementes
obrigações, enquanto seres humanos responsáveis, dada a corrida suicidária
para o abismo ecológico, económico e social a que se assiste. Nunca a
política foi tão necessária. Nunca a humildade foi tão precisa. Nunca a
mudança e a transformação da humanidade foi tão premente. Todos não somos de
mais!
Lisboa, Maio de
1997
A Comissão
Instaladora da ACED
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