The Historia da Ethiopia

São conhecidos dois manuscritos da Historia da Ethiopia do jesuíta espanhol Pedro Páez (que assinava como Pero Pais). O primeiro encontra-se nos arquivos da Companhia de Jesus em Roma (ARSI, Goa 42.) e o segundo no Arquivo Distrital de Braga (ADB, Ms 778). Ambos manuscritos foram já publicados em edição paleográfica, o de Roma, autógrafo, no início do séc. XX, pelo jesuíta C. Beccari, na colecção Rerum Æthiopicarum Scriptores Occidentales Inediti (vols. 2 e 3, em 1904-1905), e o segundo no Porto, na Série Ultramarina (nº 5) da Livraria Civilização, com introdução de E. Sanceau e A. Feio, e edição de Lopes Teixeira. O manuscrito do Arquivo Distrital de Braga é uma cópia daquele depositado em Roma. Encontra-se em geral bastante danificado, já que a tinta utilizada queimou o papel tornando quase ilegível a maioria dos fólios. Em 1613-14, Pero Pais, que vivia então há já 10 anos na Etiópia, começou a reunir documentação para redigir a sua obra. A Historia da Ethiopia foi um dos primeiros textos europeus a utilizar directa e sistematicamente fontes orais e escritas etíopes (crónicas e genealogias reais, vidas de santos etíopes, obras teológicas, informações etnográficas de vário tipo), traduzindo-as para a língua portuguesa. Esta particularidade é devida ao carácter incomum do livro. Páez obedecia, com efeito, a uma encomenda feita pelos seus superiores, que lhe requeriam que produzisse uma resposta detalhada a duas obras publicadas em 1610 e 1611 por um frade valenciano da Ordem dos Predicadores, Luis de Urreta, que questionava a legitimidade da missão jesuíta na Etiópia. O facto de a Historia de Ethiopia ser, pelo menos de início, uma refutação é um dado importante que permite compreender o aspecto polémico do livro. Páez, animado do desejo de informar o leitor da “verdade” acerca da Etiópia e assim demonstrar que as afirmações do autor dominicano eram falsas, apoia-se em fontes locais, no seu próprio testemunho, em inquéritos orais levados a cabo junto de eruditos etíopes e nas obras portuguesas a que tinha acesso. O seu livro é, por isso, um testemunho de grande valor para o conhecimento da história da civilização etíope no primeiro terço do séc. XVII, oferecendo ao leitor informações preciosas não apenas sobre a cultura, e particularmente sobre a vida religiosa e política dos cristãos etíopes, mas também sobre a geografia, a botânica, e a zoologia daquele território. Se Páez tinha começado por ser seleccionado por ser de origem espanhola e assim a sua refutação não ser considerada uma reacção nacionalista por parte dos jesuítas portugueses, o manuscrito não foi, todavia, publicado, a pretexto de que o seu autor não dominava suficientemente a língua portuguesa. Mais provavelmente, não interessava já, nos anos 1620-30, o carácter polémico da obra. O Padre Manuel de Almeida foi então incumbido de produzir uma nova versão da História (c. 1640), a qual também não chegou a ser publicada, sugerindo-se que o seu autor tinha incorporado muitos dos “erros” da versão original. Finalmente, em 1660, noutro ambiente político, o Padre Baltazar Teles, um teólogo de Coimbra, publicou uma versão muito resumida e retrabalhada da obra.