Teorias Sociológicas

Grandes Escolas 


   



Lição 1. 2017; 2018; 2019

Lição 2. 2017; 2018; 2019

Lição 3. 2017; 2018; 2019

Lição 4. 2017; 2018; 2019

Lição 5. 2017; 2018; 2019

Lição 6. 2017; 2018; 2019

Lição 7. 2017; 2018; 2019

Lição 8. 2017; 2018; 2019

Lição 9. 2017; 2018; 2019

Lição 10. 2017; 2018; 2019

Lição 11. 2017; 2018; 2019

Lição 12. 2017; 2018; 2019

Lição 13. 2017; 2018; 2019

Lição 14. 2017; 2018; 2019

Lição 15. 2017; 2018; 2019

Lição 16. 2017; 2018; 2019

Lição 17. 2017; 2018; 2019

Lição 18. 2017; 2018; 2019

Lição 19. 2017; 2018; 2019

Lição 20. 2017; 2018; 2019

Lição 21. 2017; 2018; 2019

Lição 22. 2017; 2018; 2019

Lição 23. 2017; 2018; 2019

Lição 24. 2017; 2018; 2019

"A invenção do sexo" - exemplo de alegações da distorção ocidental e patriarcal das ciências sociais

Slides:

teorias de médio alcance de Merton - texto 3

sistemas sociais de Parsons  - texto 4

Funções manifestas e latentes - texto 5

Funções dos conflitos de Coser - texto 6

Crítica da utopia de Darhendorf - texto 7

Homenagem a Cooley de George H. Mead - texto 8

A génese do self e do controlo social de George H. Mead - texto 9

George Herbert Mead de Blumer - texto 10

Ordem da Interacção de Erwin Goffman - texto 11

Teoria Tradicional e Teoria Crítica de Horkeimer - texto 12

Algumas Implicações das Técnicas Modernas de Marcuse - texto 13

A Paralesia da Crítica: Sociedade sem Oposição de Marcuse - texto 14

 


Sumários 2019


 

Lição 24 - Direito difunde-se pela sociedade


Habermas é dos autores mais citados da teoria crítica. É sobretudo conhecido pela sua obra “Teoria da acção comunicativa” de que o texto escolhido para o curso é o capítulo final.

 
Marx, no século XIX, entendeu ser a crítica da economia política uma forma eficaz para ajudar a emancipação da vida moderna, a libertação das pessoas dos constrangimentos próprios da vida (alimentação, abrigo, roupa e sapatos, transportes) e da vida social (a opressão e a exploração). Horkheimer e Adorno, os mais influentes autores da escola de Frankfurt antes de Habermas, confrontados com o fenómeno nazi-fascista nas sociedades mais avançadas, procuraram estudar o modo como a cultura influencia as decisões individuais e de classe, alterando as perspectivas de progresso – uma vida cada vez melhor – para as perspectivas de crescente irracionalidade – punitividade contra as minorias estigmatizadas para evitar enfrentar diplomaticamente, racionalmente, os problemas sociais e económicos. Habermas escreve depois da instalação da República Federal Alemã e estuda o espaço público, o modo como a democracia deve abrir espaço de intervenção a todos os cidadãos, empregadores e trabalhadores, em pé de igualdade, de modo a estender a lógica diplomacia à vida interna de cada país, em substituição e como forma de evitar as lutas de classe (no sentido de lutas corpo a corpo). É nessa actualização da crítica – ao tempo da democracia social democrata – que o autor faz uma tipologia das diferentes formas de estado moderno, desde o século XVIII, para chamar a atenção de como o estado está cada vez mais presente na vida das instituições e das pessoas, para o melhor e o pior.


A organização social em subsistemas cada vez mais diferenciados, à medida que o tempo substitui as instituições medievais e as comunidades por sociedades modernas, destaca da “esfera da experiência” (do mundo do quotidiano) a economia/mercados, o estado/poder político e os media, usando meios monetários, meios burocráticos e administrativos e, por último, reprodução simbólica.


A esfera da experiência, tal como os outros subsistemas, à medida que o tempo passa, são penetrados por cada vez mais normas jurídicas que abrangem cada vez mais campos e com maior profundidade. O estado burguês era apenas um modo de coordenar actividades entre a coroa e os maiores empresários que com ela colaboravam. Usavam meios de obter segurança jurídica (formalizavam contratos pessoais para defesa da propriedade de cada um, no reino e além-mar). O estado de direito burguês – o criado pelo absolutismo – é aquele que envolve mais gente a ser regulada pelo direito, pois todos os burgueses, todos os que viviam dos negócios das cidades, passam a estar envolvidos em respeitar e beneficiar da segurança dos instrumentos jurídicos anteriormente desenvolvidos só para os que estavam mais próximos da coroa. O estado de direito democrático emerge com as revoluções americana e francesa. Surgem os ideais de liberdade e igualdade como direitos de todos e cada um e não apenas das elites. A separação de poderes e a maior diferenciação dos subsistemas leva a que os direitos políticos sejam cada vez mais independentes dos direitos de propriedade dos cidadãos. Finalmente, depois da II Grande Guerra, o estado de direito social e democrático encontra modos de apoiar os assalariados, os que não têm propriedade, com recursos políticos iguais aos restantes, admitindo-se o direito de luta por interesses económicos – maiores salários, por exemplo – e culturais – acesso a escolaridade – a todos, sem distinção.
As garantias de liberdade, mostra-o a história, não a asseguravam. É sempre necessário lutar por ela. Assim, o direito de participação nas lutas sociais é crucial para a concretização possível dos valores consagrados e todas e cada uma das situações concretas, com a ajuda de todos e cada um. Apesar do aumento da quantidade e qualidade do direito positivo, as organizações legítimas da esfera da experiência (associações) tomam um lugar cada vez mais importante na animação do espaço público, canalizando para ele problemas e soluções a serem ponderadas por todos com vista à melhoria geral. O direito é um meio de registo dessas lutas e das soluções que elas permitem encontrar. O que não quer dizer que tudo seja positivo na intervenção do direito.


O direito é produzido, reproduzido e usado por burocracias com muito poder, nomeadamente o de interpretar mal o bem comum. A crescente individualização, possibilitada pelos apoios sociais do estado, deixam cada um mais vulnerável perante as falhas da administração e as injustiça burocráticas. Como há bastos exemplos a respeito do uso do direito de família e da jurisdicização da vida escolar. A vida íntima, e o cuidado e educação de crianças, dificilmente se compadece com os formalismos próprios do rigor do uso correcto do direito. Então, há situações em que a intromissão do direito apenas complica em vez de ajudar a resolver os problemas.
 

 

Lição 23 - Tecnologia e política oprimem imaginação de alternativas


Marcuse entendeu o período do pós guerra, nos países mais desenvolvidos da Europa, aquilo que designou como sociedade industrial avançada, e que outros chamaram fordismo, como um modo de comprometer os movimentos de oposição. Tanto o modo como as tecnologias implicam as pessoas no seu quotidiano de trabalhadores e de consumidores, como o modo como as instituições do estado social implicam as organizações dos trabalhadores e dos empregadores em concertações que dirimam os conflitos de um modo a evitar a simples imaginação de modos estruturalmente diferentes de organizar a sociedade.


Embora Marcuse escreve-se em plena Guerra Fria, em meados dos anos sessenta, havendo a contraposição entre as duas superpotências, cada uma integrando os trabalhadores de modo diferente na vida política (New Deal nos EUA e socialismo na URSS), o autor, comparando a oposição política no século XIX e a que era praticada no seu tempo, entendeu que lhe faltava as condições de intensidade e profundidade capazes de entrever alguma alternativa real.


O texto sobre a paralisia do espírito crítico – a sociedade sem oposição, junta um conjunto de argumentos de grande actualidade para notar como as contradições da vida social são simplesmente ignoradas pela crítica e pelos movimentos de oposição.


Um argumento demonstrativo refere-se ao lugar da indústria de guerra, a confusão entre protecção e criação artificial de riscos, sem oposição. A produção pacífica de meios de destruição contrapõe a produção de empregos e a sua finalidade: a ameaça de destruição em massa, eventualmente realizada em caso de guerra, alimenta empregos ao serviço da destruição das sociedades e do próprio planeta. O crescimento económico cria mais perigos e a produtividade serve para satisfazer falsas necessidades (aquilo que se veio a denunciar como sociedade de consumo) tanto comerciais como bélicas. O poder humano está a ser usado contra o bem estar social, satisfazendo desejos imediatos que produzem uma “entusiástica infelicidade”, o consumo imediato que se repete sem consequências a não ser a aceleração, a vertigem, o vício, aquilo que compromete as pessoas com a produção e os seus resultados. É a tecnologia, mais do que o terror, diz Marcuse, que conduz as sociedades e as pessoas ao estado “unidimensional” (falta de imaginação para sair da armadilha tecno-política em que estamos presos – sem oposição).


A tecnologia e democracia, em vez de nos libertar do trabalho e da dominação, implica-nos cada vez mais no trabalho e na dominação, sem termos oportunidade de meditar e escolher como viveríamos melhor, atrás de cumprir papeis política e tecnologicamente pré-definidos. A ideia de haver tecnologia politicamente neutral é um erro.
 

Lição 22 - Algumas implicações sociais das tecnologias
 

Marcuse procura mostrar como o controlo social exercido através das tecnologias é particularmente efectivo e transforma as condições de emancipação das sociedades.
As tecnologias modificam a maneira de pensar e agir das pessoas, incluindo as relações que estabelecem umas com as outras. Nesse tempo ainda não havia computadores nem telemóveis. Mas mesmo assim Marcuse já atendia a estes problemas.


A tecnologia em si é neutra. O modo como é disponibilizada às sociedades e os fins para que é utilizada não é neutra. A nova racionalidade tecnológica foi usada pelo III Reich para fins políticos imorais, o que mostra os riscos da existência das tecnologias.


As máquina industriais produzem as massas no seu das quais existem indivíduos isolados. As liberdades do Renascimento desapareceram. O individuo a lutar pelo seu interesse específico desapareceu com as tecnologias, e com isso desapareceu a oposição. O competidor mais fraco simplesmente sucumbe face ao mais forte. A racionalidade individualista transformou-se em racionalidade tecnológica. As pessoas são objectos das organizações e cumprem finalidades de que desconhecem os fundamentos. Trabalham para acompanhar as máquinas. Racional significa despojamento da humanidade dos trabalhadores, comparados desfavoravelmente a máquinas.


Obedecer às instruções é a forma de racionalidade moderna. A máquina torna-se alvo de adoração. A submissão é o estado de espírito mais adequado. Os trabalhadores renunciam à liberdade a fim de obter resultados mercantis mais elevados. A burocracia também sofre da mesma normalização da indústria. A autonomia é um obstáculo ao funcionamento das empresas e das sociedades. A sociedade tornou-se indiferente e insensível ao pensamento crítico.
 

Lição 21 - Teoria crítica


A escola estrutural-funcionalista, da teoria de sistema conjugada com a teoria da acção, de origem norte-americana, é contestada interna e externamente por ser pouco sensível à mudança, ao conflito, à transformação sociais. É também contestável por não tratar das pessoas na sua integridade, separando as suas partes psicológicas e sociológicas, a vida e a ordem social, como o fazem os teóricos do interaccionismo simbólico.


A esta escola, a que podemos chamar tradicional ou académica, opõe-se a escola de Frankfurt, de origem alemã e de inspiração marxista, à semelhança que em Portugal também há escolas de sociologia que se contrastam um pouco nos mesmos termos, em Lisboa e Coimbra.


O texto de Horkheimer, que é o primeiro dos quatro que nos servirão de introdução à escola de Frankfurt, trata de marcar as diferenças entre as duas escolas.


O autor começa por definir teoria com uma ambição científica, tal como o estrutural funcionalismo. Como um quadro de onde se podem deduzir corolários e testá-los na prática. A experiência mostra que há contradições entre as observações e as teorias. Estas são, portanto, sobretudo hipotécticas e sempre susceptíveis ao testes empíricos para validação das suas vantagens e limitações.

 
Uma primeira diferença entre escolas de sociologia é que umas procuram sobretudo estabelecer factos através da recolha de grandes quantidades de dados (anglófonas) e as escolas alemãs sobretudo dedicadas a produzir conceitos em gabinetes. Não quer dizer que isso aperte uns e outros do diálogo e de métodos convergentes. Quer dizer que as condições sociais de produção das ciências sociais são importantes e interferem no modo como estas são produzidas. A produção científica não é apenas um processo intracientífico: é também social.


Pode dizer-se que a forma e a qualidade teoria depende da relação entre os produtores de teoria e os principais produtores da sociedade, nomeadamente os trabalhadores. A ideia de haver liberdade de pensamento é uma ilusão. A produção de conhecimentos está vinculada à sociedade em que vive quem os produz.


A teoria tradicional abstrai das condições sociais da produção científica. O objecto de estudo, por seu lado, é histórico, está em permanente mudança. A discrepância teoria factos é praticamente inevitável. A praxis conservadora ou emancipadora, de direita ou de esquerda, implicam diferentes interpretações dessas discrepâncias.

 

Interpretações essas julgadas pelos financiadores e pelo público, sem que isso escape ao próprio processo individual de produção de conhecimentos.

 
A teoria crítica não deve conformar-se com a separação entre individuo e sociedade. Idealmente, a acção social deveria ser planificada racionalmente para sua optimização. Na prática, vivemos no mundo do capital, que individualiza. A crítica não pode escapar-lhe mas pode apontar-lhe os defeitos e aspirar por dias de transformação social, quando o proletariado poder ser útil por igual a toda a sociedade.

 
Nesse tempo de espera há muitos intelectuais a quem falta a disposição e persistência de manterem a firmeza, deixando-se arrastar pela força da situação para o uso das teorias tradicionais, de inspiração burguesa. Para evitar isso há que aprender a seguir as movimentos dos trabalhadores a favor da sua emancipação, acompanhando-as. Isso ajuda a confirmar o valor das posições críticas isoladas.


A teoria crítica aparece como subjectiva e especulativa, inútil e parcial. Porém o seu valor deve medir-se na sua relação mais ou menos positiva com as lutas sociais em curso. O teórico crítico pode ser considerado inimigo ou criminoso. O que requer movimentos sociais que o defendam. Não há neutralidade da ciência: ou se está com ou contra o status quo. E a definição das metas e finalidades da produção científica são definidas pelos movimentos de emancipação, de forma colectiva, e não pelas pessoas dos investigadores. As versões suprapartidárias da ciência servem para ocultar as principais questões. O espírito está sempre intimamente ligado com a praxis. Só se difunde ligado às lutas sociais.


Os conceitos universais das teorias tradicionais são substituídos por conceitos úteis aos movimentos sociais do momento, na teoria crítica. Há forças e anti-forças em copresença. A teoria tradicional confirma a positividade e a submissão. A teoria crítica pensa na passagem à sociedade futura e contribui para a existência de pessoas conscientes das dinâmicas sociais.
 

 

Lição 20 - A ordem das interacções


Em Goffman não há a ambição que há em Mead de produzir uma teoria coerente capaz de explicar a diferença entre as pessoas e os outros animais, a diferença entre copresença e sociedade. Esta autor apenas reclama a consideração e reconhecimento da existência de uma ordem interaccional, a acrescentar à ordens económica, cultural, política, com uma relevância à partida semelhante na composição da acção social.


A interacção em copresença, faca-a-face, tem características que não podem ser escamoteadas, sem se perder parte importante do processo de organização da acção pessoal e social. O autor procura dar exemplos de modos de análise relevantes para o mapeamento geral do que é a sociedade. Mas para o fazer é preciso estabelecer alguns princípios teóricos básicos: entre a interacção social e a ordem social há a mediação de unidades básicas substantivas de acção social. É bom compreender-se bem o que é a interacção social.
Há diferenças evidentes entre os encontros face-a-face nas cidades e nas aldeias, na família e em público, nas relações íntimas e nas relações impessoais. Estudar essas diferenças requer uma observação micro social que custa a ser feita, pois requer trabalho e atenção. Não é muito popular. Mas a ordem das interacções é, evidentemente, diferente de país para país e conforme os tempos históricos transformam as gerações umas nas outras – no vestir, no cumprimentar, na etiqueta alimentar, na música, etc.


Acções realizadas em espaços muito curtos e discretamente, afinal, podem ser muito difundidas e repetidas dentro das fronteiras espácio-temporais determinadas. Como é que acções quase imperceptíveis são usadas milhões de vezes por milhões de pessoas?
Primeiro há que ter em conta o tempo e esforço envolvidos nas actividades face-a-face. Um bom exemplo demonstrativo é a relação praticamente permanente entre a mãe e o seu bebé. Todos começamos por viver intensamente uma relação faca-a-face e, através dela, aprendemos o que fica estabelecido para cada um como a base dos conhecimentos que servem para nos orientarmos no mundo através das interacções.


Apresentando-nos em sociedade, damos conta uns aos outros dos respectivos status sociais, exigindo dos outros que correspondam às nossas solicitações e confrontando-os se o não fizerem, ou recuando para outras posições, ou saindo da situação face-a-face. Há rituais usados para normalizar as relações face-a-face e poupar energia de se estar sempre em processos de mutua apresentação eventualmente tensa. Por exemplo, nas cidades ninguém se cumprimenta.


Por outro lado, os corpos, ao andar na rua, por exemplo, mesmo sem olhar para o interlocutor que não queremos que seja interlocutor, aponta-lhe o sentido da nossa acção, do nosso caminho, de modo a que seja possível a circulação urbana. Esses sinais são automáticos, mas podem ser analisados e compreendidos. São sobretudo evidentes quando falham, e obrigam as pessoas que falharam a encontrar-se face-a-face e decidir de outra forma o curso da acção caminhante. Provavelmente recorre-se ao uso da linguagem. A linguagem aumenta muito a capacidade de coordenação social das acções. Portanto, não é de admirar que perante o falhanço de modos de coordenação mudos se recorra às palavras para ultrapassar o impasse.


Há duas maneiras de nos identificarmos pessoalmente: uma forma é segundo critérios (para pessoas que não conhecemos e julgamos pelas aparências) e a outra forma é individual (quando conhecemos a pessoa e dispomos de uma ideia mais rica do que as aparências).
As interacções podem ser violentas ou de cooperação, dependem do género, da idade, da existência ou não de sinais de agressividade. O território próprio (o espaço reservado em torno dos corpos) também depende das características culturais e de género. As mulheres, no ocidente, por exemplo, estão autorizadas a aproximar-se mais entre si do que com homens, a menos que sejam íntimos. As distâncias autorizadas dependem também do grau de familiaridade e das circunstâncias, públicas ou privadas. A violação das regras de proximidade é interpretada como sinal de procura de intimidade ou de recuo no tipo de relação anteriormente convencionada entre os interlocutores.


Como estas ordens de interacção se tornam praticadas e características de certos tempos e culturas?


Há duas razões de base: há pequenos preços a pagar para obter resultados práticos amplos, como respeitar as regras para economizar energias e evitar conflitos. Há regras normativas que por se aplicarem a todos e todas são moralmente aceitáveis e respeitosas de toda a gente.


Claro que há quem se sinta prejudicado e ressentido e organize resistências. Mas quem organiza a sua de modo a violar sistematicamente as regras e as normas despende tanta energia ao fazê-lo que a maior parte do tempo não lhe resta outra solução do que acatar as regras ao maior parte do tempo, de modo a poder contestar pequenos aspectos delas.
Na prática, embora as regras estejam a ser permanentemente violadas, aqui e ali, ao mesmo tempo há um esforço geral para minimizar essas violações e conformar-se com a ordem interaccional vigente, que vai sendo paulatinamente alterada.


O estado pode pagar a agentes seus para repor a ordem. Mas não é o estado que cria a ordem.


Há unidades substantivas básicas de interacção. São exemplos: a) as unidades ambulatórias – pessoas a passear sós ou acompanhadas, fluxos de pessoas, procissões, filas, etc. b) as unidades de contacto: duos em copresença, por telefone ou outros meios como os electrónicos; c) círculos mais ou menos numeroso de participantes ligados por algum pretexto que os une: família, amizade, diversão, clubismo, género, etc. d) plataforma: apresentação de alguém e um público receptor, num espectáculo, na igreja, num partido, numa assembleia; e) celebração de um Deus, um herói, um defunto, uma pessoa notável, etc.


A ordem interaccional tem características como a dependência das organizações de chefes centralizadores, a importância da organização informal (contactos face-a-face para resolver insuficiências ou limitações ou contradições das organizações). Outro aspecto da ordem é o uso da distinção no quotidiano (Bourdieu) para reforçar diferenciações de classe. O macro social pode, em alguns aspectos, ser uma extrapolação da lógica das interacções.
Na parte VI e seguintes Goffman continua a dar exemplos de como tipos diversos de interacção interferem na vida social aos mais altos níveis.
 

 

Lição 19 -  Self, biologia e ordem social


O interaccionismo simbólico não é propriamente uma escola, na medida em que tem pouca divulgação, de que se queixam Blumer e Goffman nos textos tratados, e na medida em que são muito diferentes entre si as teorias assim classificadas. Mead, por exemplo, centra a sua teorização no self (palavra sem tradução para português) e Goffman centra a sua análise nas interacções face-a-face.


Todavia, as súmulas das teorias sociais dificilmente podem deixar de referir a existência de perpectivas de uso da sociologia de modo vinculado aos corpos humanos, com ou sem a sua vertente interior, tratados mais comummente como estandardizados (sob a forma de indivíduos iguais entre, classificados em função de respostas que dão em questionários ou entrevistas).


As críticas mais comuns com a finalidade de justificar a desconsideração destas teorias nas práticas profissionais dominantes como que expulsam estas teorias do campo da sociologia, dizendo que são fenomenologia ou filosofia, são psicologia ou psicologia social, que não explicam a existência de estruturas sociais e regularidades dos comportamentos humanos, etc.
É sobretudo a respeito deste último tipo de críticas que os dois textos tratados de seguida tentam responder.


O self, explica Blumer expondo a teoria de George H. Mead, é uma característica específica dos seres humanos, ao contrário das abelhas ou formigas que também vivem em sociedade. É a características que nos permite e obriga a entendermo-nos a nós mesmos como objectos da nossa própria atenção (outros podem chamar recursividade ou reflexividade).


Mead coloca o problema de saber como o self acontece. E responde que é de origem biológica e social, ao mesmo tempo. Há uma potencialidade biológica que depois se concretiza na presença de sociabilidades e na acção social. A empatia é o sentimento/emoção que permite desenvolver o self, na medida em que suscita a atenção e energia suficientes para que uma pessoa adopte o papel de outrem, como forma de comportamento social sincronizada, sintonizado, de mútuo reconhecimento e reforço.


As crianças começam por brincar umas com as outras. Mais tarde, quando aprendem a reconhecer-se de maneira autónoma, a trabalhar com o self, estão prontas para jogar, isto é, atribuir a cada parceiro um papel específico e intermutável que, no seu conjunto, permitem começar e acabar um jogo, segundo regras mais ou menos formalizadas.


Mead menciona o “outro generalizado” para se referir à ideia interior que cada pessoa produz para representar cada jogo em que está envolvida, de que toma parte, em que tem um papel. Nesse jogo, teoricamente, cada um tem papeis intermutáveis. Na prática, há especializações e alguns parceiros ficam sempre com os papeis piores. Mas o conjunto do jogo, a nação, a classe, a cidade, o clube, a profissão, etc., é representado por cada um de uma forma particular, que não é muito diferente (mas também nunca é precisamente igual) das representações que outras pessoas fazem dos mesmos jogos.


O self muda em função das mudanças do meio ambiente (natural ou/e social) e dos diálogos internos entre eu e mim próprio (ou ele/a e si próprio/a). A configuração do self tem efeitos práticos nas acções desenvolvidas pelas pessoas em sociedade.


Quando de aponta um objecto (dando-lhe nome e atenção) esse objecto deixa de ser anónimo, incógnito, e passa a ter uma imagem própria associada na mente da pessoa e de todas as pessoas com quem partilha o nome, atenção e imagem. O significado do objecto transcende o objecto em si, já que também as imagens produzidas pelos nomes e pelas atenções sociais em cada pessoa se associam ao objecto. Os objectos adquirem significados. Significados que se autonomizam dos próprios objectos, sendo usados para outros fins, como símbolos.


Os significados são manipulados individual e socialmente (conversas interiores e conversas com outras pessoas) por elementos de organização (atitudes, motivos, sentimentos, ideias) e processos, rituais ou extraordinários, que mobilizam esses elementos.


Os significados partilhados de forma mais ou menos contraditória entre as pessoas permitem-lhes harmonizar ou não as respectivas acções, colaborar ou conflituar: actos sociais.


A sociedade não é a mera justaposição de indivíduos em processos de integração (como no estrutural-funcionalismo); a sociedade é a acção necessariamente conjugada das pessoas. Essa conjugação depende fortemente da troca de sinais e símbolos socialmente produzidos, fixados, divulgados, contestados. Cada acção social é limitada no tempo e, portanto, integra-se em sequências de acções sociais com sentido organizado e sinalizado por significados. A sociedade não é (como no estrutural-funcionalismo) a obrigação de as pessoas se comportarem da mesma maneira, mas antes a organização concertada de formas diferenciadas de comportamento reconhecível e transmissível que é adoptado por quem pretenda participar nos jogos sociais.


As sociedades dos insectos funcionam através de gestos não significantes: a cada situação os animais estão geneticamente preparados para responder de certa maneira. As sociedades humanas, além disso, fazem gestos significantes, criativos, que foram produzidos, reproduzidos, modificados, abolidos, pelas acções sociais concertadas.


A maioria dos esquemas sociológicos não considera a existência de processos interpretativos dos significados e substitui isso por processos transcendentes de alto nível.


Actos sociais são formados por a) papel do outro generalizado; b) papeis particulares no jogo em causa; c) construção de linhas de acção particulares em função da interpretação de cada um do papel que lhe foi distribuído; d) resposta de todos (outro generalizado, geralmente papel mais estável, e participantes individuais), às configurações co criadas no momento.


Diferentes tipos de actos sociais são: negociação, coerção, entusiasmo, carisma, persuasão, etc. Todos contribuem para a construção de uma ordem social, conforme a intensidade e extensão dos seus usos.

 

A partir da página 154 do texto em apreço o autor, Blumer, dedica-se a confrontar o modo como as teorias de Mead tratam dos temas mais importantes das teoria sociais, a saber: cultura, estrutura, sistema, mudança, conflito, poder, classe, psicologia individual. Recomenda-se a sua leitura atenta.
 

Lição 18 - sem alunos

 

Lição 17 - sem alunos

 

Lição 16 - Self e controlo social
 

Mead explica como as características pessoais e sociais do self explicam como as sociedades comportam a coordenação entre as diferentes acções livres de todas as pessoas a actuarem ao mesmo tempo.
 

A separação entre ciências naturais e as ciências sociais, entre a física e a consciência, não explica como as duas se relacionam entre si. Os estudos sobre os animais sociais permitem verificar os efeitos práticos da existência de consciência que só existe nos humanos. Bergson é chamado para ajudar a compreender como se cria o mundo virtual do nosso imaginário: a partir das percepções selecionadas pela atenção de cada um, o mundo é reduzido aos objectos a que damos atenção, ficando os restantes na sombra da nossa ignorância. A representação do mundo é apenas do mundo a que damos atenção e apenas na medida em que conhecemos os objectos a que damos atenção.
 

Há que distinguir dois modos de consciência: ter dado pela presença (awareness), por um lado, e conhecer algumas das características de um certo objecto ou conjunto de objectos, por outro lado (consciousness of). Essa consciência distingue prazer e dor e orienta-se para a acção perante o objecto, consoante a memória que tenha de acções passadas na presença do mesmo tipo de objectos.
 

A experiência permite construir imagens abstractas sobre formas associadas a conteúdos que suscitam acções, conforme as circunstâncias de espaço e tempo e conforme a formação de grupo em presença. O acto social decorre de um impulso mas concretiza-se num ambiente específico, material e social. Não há só arbítrio pessoal: há ao mesmo tempo estímulos sociais que animam ou inibem as acções. O que permite desenvolver princípios de coordenação e de organização. Foi isso que foi possível e condicionado pela evolução do córtex no cérebro humano. Consciência pessoal e social que pode tomar a própria pessoa como objecto da sua observação (auto-consciência). Quando estamos em condições de desenvolver uma imaginação sobre o modo como a sociedade nos observa e avalia, sociedade como a conjugação imaginária de todas as outras pessoas, de forma não específica, estaremos em condições de nos tornarmos observadores de nós próprios, em nome da sociedade.

 

Aprendemos a definir papeis sociais a nosso modo e podemos integrar organizações sociais com outras pessoas que fazem o mesmo que nós: observam-se a si mesmas a partir de um ponto de vista abstracto construído por elas mesmas: o “outro generalizado”, a sociedade, aquilo que nos pede para participarmos da melhor maneira na organização social e sobre o que reflectimos longa e profundamente nas nossas conversas interiores.
 

O controlo social depende da capacidade das pessoas de se colocarem no lugar dos outros e reconhecerem os papeis sociais que cabem aos outros, conclui Mead.

 

Lição 15- O contributo de Cooley


George H. Mead é um autor singular, como a generalidade dos autores classificados como “interaccionistas simbólicos”, dos quais trataremos Goffman em aulas posteriores. Caracterizam-se todos por não aceitarem a separação radical própria do estrutural funcionalismo entre psicologia e sociologia. Discordam entre si do modo como entendem o modo de estudar as interacções entre as pessoas e o modo como os símbolos materializam o social num mundo abstracto.
 

Mead procura em Charles Cooley, um autor do século XIX, a inspiração para a sua teoria do self, expressão intraduzível para português que representa a vertente social da mente.
A sociedade para Cooley era vida, e não um sistema vazio de vida como no estrutural funcionalismo. A sociedade era uma dimensão da consciência humana, que por sua vez era necessariamente social.
 

Tal como as crianças começam por não entender a distinção entre si e o meio ambiente, também a humanidade terá vivido num estádio animalesco, antes de se organizar socialmente desenvolvendo mentes ao mesmo tempo sociais e individuais. As mentes são ao mesmo tempo virtuais e reais, manipuladas pelas pessoas e dependentes das práticas sociais em que tais pessoas foram criadas e estão envolvidas. É essa consciência que permite a organização de actividades sociais que tornam a espécie muito mais adaptativa que outros animais, incluindo outros animais sociais.
 

A consciência têm 3 aspectos: a consciência de si, a consciência social e a consciência pública. Esta última refere-se à relação das pessoas com o todo social, sem distinguir os interlocutores, como quando se faz um discurso em público. A consciência não é uma coisa ou substância: é uma organização (de si para si, de si com os que o rodeiam e de si para com todos os outros, como se fossem desconhecidos).
 

O self resulta do instinto social das pessoas, que se aproximam umas das outras espontaneamente. Ele produz uma representação daquilo que cada um imagina como os seus interlocutores – imediatos ou em geral – sentem e pensam sobre si. É composto de 3 elementos: a imagem que cada um tem da própria aparência, a imaginação do juízo que os outros fazem da sua aparência, o sentimento de prazer ou vergonha, orgulho ou mortificação, que sentimos em situação.
 

O self surge na comunicação. Nas crianças e nas sociedades sem comunicação (como poderão ter sido as primeira comunidades humanas) os selves não existiam. Só a interacção social através de símbolos, a comunicação que permite a organização, a cooperação eficaz entre pessoas, desenvolve, cada vez mais, os selves. Condições sociais pouco saudáveis produzem selves degenerados e selves degenerados tornam as relações sociais doentias. Há um lado interno dessa experiência e um lado externo, de comportamento.

 

A liberdade é a capacidade de cada self influenciar através da acção os outros selves e a sociedade. Através da comunicação, as pessoas podem partilhar experiências e predisposições das suas mentes e, desse modo, fornecer-se mutuamente material para crítica da situação em que cada uma viva.

Lição 14 - Correcção do teste

 

Lição 13 - Prática de responder a um teste

 

Notas e sugestões sobre como responder a um teste:

primeiro é conveniente ler todo o teste. Depois volta-se à primeira pergunta e le-se toda (incluindo as alineas: frequentemente as perguntas contém elementos de resposta). De seguida lê-se cuidadosamente o texto que serve de motivo para as perguntas. Descubra sujeito(s) e seus diversos complementos. Descubra associações e contraposições. Só depois de estar seguro de ter compreendido o texto citado passe à primeira pergunta. Se compreendeu bem o texto, a pergunta deve ser de resposta simples. Caso não o seja recorde-se dos nomes das escolas (estrutural-funcionalismo, teorias do conflito) e dos significados. Leia também os títulos dos textos que são para estudar. Veja se encontra neles algum elemento de resposta. Não procure respostas rebuscadas: não costuma ser correctas. Dê respostas simples e compreensíveis. Caso bloqueie, passe à pergunta seguinte e volte atrás maios tarde. (O prof encontrará a resposta pela indicação que der - número e aliena da pergunta - e não pela sequência das respostas). Em último caso, escreva aquilo que de mais fundamental sabe sobre o assunto de que fala a pergunta, mesmo que isso não seja a resposta à pergunta.

 

Lição 12 - Sociedade estrutural funcionalista é totalitária


Dharendorf apresenta a sociedade descrita pelo estrutural funcionalismo como inexistente, na prática: trata-se de uma expressão da tradição utópica de inventar realidades sem sustentação empírica, para contrastar com a experiência das pessoas comuns.
 

A utopia sociológica caracteriza-se por ser ahistórica, sem passado nem futuro, sem memória de si mesma, sede de um consenso universal, sem conflitos que não sejam importados ou doentios, todos vivem em harmonia, por norma. O status quo é o melhor dos mundos possíveis e, por isso, reproduz-se indefinidamente. Na sociedade utópica não se viaja e todos estão isolados do exterior, como na antiga União Soviética.
 

Não há sociedades como estas. Nem os sociólogos poderão negá-lo.
 

Os sociólogos habituaram-se a pegar num assunto, discutirem-no até deixar de haver controvérsia e depois abandoná-lo por outro assunto novo, sem aprofundamentos. Procuram descrever o equilíbrio social que não existe. E não se deram ainda por derrotados.
 

A figura do desviante é ridícula: é quem não está à altura de desempenhar o papel que lhe foi destinado, tratado como um micróbio que ataca um ser humano. A teoria social parece uma teoria conspirativa. Em vez de trabalhar para explicar o que existe, concentra-se em explicar o modelo teórico de uma sociedade inexistente.
 

As soluções são frágeis: Merton separa teoria de investigação, o que impede o acesso à raiz dos problemas específicos e concretos. A curiosidade fica enredada num labirinto de auto-justificações, como os dados, os factos, as evidências empíricas. O compromisso necessário para o empenho na descoberta da realidade social é substituído por tomadas de posição tautológicas em favor do status quo, que é o melhor porque é o que há.
 

O modelo de sociedade conflitual presume a mudança como um fenómeno permanente e normal. O conflito social é a força criadora de transformações estruturais. Há muito variedade de conflitos que podem ser tipificados. A coação também deve ser tratada, eventualmente causa de conflitos. É um modelo da sociedade aberta. O estrutural funcionalista é um modelo de sociedade fechada.

 

Lição 11 - Continuação da leitura de Coser
 

Observámos como argumentou a favor da integração do conflito como modo de produção e delimitação de grupos sociais, oferecendo-lhes coesão interna e distinção externa.
O capítulo 2 trata da construção de fronteiras dos grupos sociais e o capítulo 3 trata dos sentimentos de hostilidade nas relações sociais.
 

Os conflitos juntam os próximos e afastam-nos, todos juntos, dos que nos opõem. Nas sociedade com forte mobilidade ascendente criam-se modelos culturais amplos, independentemente do lugar das pessoas nas hierarquias sociais. Caso contrário, geram-se sentimentos de hostilidade entre os grupos que estão sempre em diferentes lugares da hierarquia social. Mas a hostilidade não leva necessariamente ao conflito. O ressentimento não significa rejeição dos valores dominantes. A legitimidade destes últimos é que abre espaço ao conflito. Se os grupos não privilegiados tomam consciência dessa ilegitimidade, o conflito está estruturado. As estruturas sociais são mais ou menos resilientes aos conflitos.
Isso depende dos mecanismos de alívio das tensões, como objectos substitutivos em torno dos quais organizar os conflitos (duelos, bruxarias, teatro, desportos, etc.) usando sentimentos de vingança. Há instituições válvulas de escape cuja existência tende a rigidificar as estruturas sociais, desobrigadas a enfrentar os conflitos estruturais dispersados e mais susceptíveis aos conflitos.
 

Há conflitos realistas, capazes de exprimir os seus desejos de transformação social, e os irrealistas, que não são capazes disso. As relações sociais próximas e intimas mostram como respeito e amor vivem em coabitação com desrespeito e ódio. A ambivalência é própria do ser humano e faz parte da personalidade de cada um, transmitida também aos grupos e às sociedades. A hostilidade é um sub-produto da cooperação.
 

Em conclusão, Coser escreve os conflitos dentro de um grupo podem contribuir para reforçar a sua unidade, coesão e delimitar as suas fronteiras. Nem todos os conflitos afectam as estruturas sociais. Mas mesmo os conflitos que atingem valores, finalidades e interesses dominantes podem ser funcionais para reforço das estruturas, caso estas se adaptem às circunstâncias. A multiplicidade de conflitos é um teste à consistência das estruturas, que se fortalecem quando lhes respondem. Os conflitos no seio de outros grupos pode servir de lição dentro de grupos que querem evitar conflitos semelhantes. Sociedade mais flexíveis asseguram as oportunidades para mudanças estruturais e evitam a escalada dos conflitos. Os conflitos irrealistas servem para libertar tensões sociais acumuladas, aliviando a pressão sobre as pessoas e as sociedades.
 

O que afecta a estabilidade de uma sociedade, não é um conflito, enquanto tal, mas a rigidez social face a ele.

Lição 10. Dahrendorf e a sociedade utópica da teoria estrutural-funcionalista

 

Dahrendorf é o segundo autor que usa a ausência do conflito nas teorizações estrutural funcionalistas para denunciar o fechamento das teorias, incompatível com a filosofia de sociedades abertas democráticas.
O argumento recorre à tradição utópica ocidental, a começar em Platão, para descrever a sociedade da teoria estrutural-funcionalista como uma utopia, desligada da prática e do empírico, defendida destes por formas intelectuais de reforço da teoria em vez de uso da teoria para explicar os fenómenos sociais.
Essa sociedade utópica é sistematicamente comparada à sociedade comunista, fechada e normativa, denunciada pelos romances de Orwell, embora o estrutural-funcionalismo seja aplicado sobretudo à análise da sociedade norte-americana.
O autor é muito duro nas suas críticas, que lhe merecem desaprovação e rejeição, por promoveram ideais de fechamento e por não corresponderem a critérios de cientificidade. A sua dureza não se dirige apenas ao estrutural-funcionalismo mas à sociologia como um todo, pois refere que tais práticas intelectuais são profusamente imitadas e repetidas pela generalidade dos sociólogos.
A sociedade está permanentemente em mudança e, frequentemente, ocorrem conflitos. Os valores consensualizados que fariam a estrutura imutável ou pelo menos estável durante longos períodos de tempo, para o estrutural-funcionalismo, estão permanentemente em causa e em debate, mudando sem aviso em detalhes ou naquilo que é fundamental. A estabilidade social prevista ou prescrita pelo estrutural funcionalismo não corresponde a nada que não seja a vontade de olhar a sociedade como um cemitério, vazia de vida e de seres humanos tal e qual eles são.

Lição 9. Revisão da matéria

 

A propósito da greve estudantil pelo clima, o docente levantou a questão de como aplicar as teorias sociais, em particular o estrutural-funcionalismo, à questão ambiental. O mote serviu de pretexto para responder à manifestação de desagrado dos estudantes quanto ao modo de ensino, pouco dialogado e muito lido. Ficou decidido passar a adoptar um modelo de aula em que os estudantes, tendo lido em casa os textos respectivos, traziam as suas perguntas para serem respondidas em aula. Serviu igualmente para fazer a revisão das teorias estrutural-funcionalistas.


Teoria de sistemas pode ser representada por uma matemática de conjuntos e subconjuntos, cuja característica principal é ter fronteiras entre o fora e dentro dos sistemas. Essa matemática serviria tanto para analisar a anatomia como as sociedades, em que os órgãos corresponderiam a subsistemas, a começar pela economia e a política, além da própria sociedade e a cultura, por sua vez, cada um destes subsistemas ainda divididos em subsistemas mais específicos.


Estes sistemas não teriam ninguém dentro (por isso as teorias construtivistas, que não estudaremos na cadeira, irão desenvolver uma ideia de serem as pessoas a construir as instituições-subsistemas, em alternativa ao estrutural-funcionalismo). A teoria da acção seria aquela que daria conta da existências de pessoas, tomadas individualmente, que irão integrar os sistemas ordeiramente, cumprindo os papeis pré- estabelecidos (por quem?).
Há, de facto, ainda hoje, um acordo teórico entre os sociólogos sobre a oposição sociedade-individuo, tomado como agente com características sociográficas que o predispõem a cumprir (ou não) papeis sociais específicos, por exemplo como os trabalhadores sociais precisam de ter certificados escolares das universidades de ciências sociais.

 
Um individuo não é sociedade? O mínimo para ser sociedade são dois indivíduos? Admitir respostas afirmativas, de facto consensuais nas ciências sociais, significa contrapor individuo e sociedade como se fossem entidades diferentes, o que apenas teoricamente é o caso. Isto é, a teoria social, a começar no estrutural funcionalismo, é irrealista (utópica, como escreveu Darhendorf) na sua separação entre sistema (extraterrestre?) e individuo (nascido de onde? Fora da sociedade?).


As estruturas e as funções que descrevem os sistemas sociais e a acção social, sob o estrutural funcionalismo, concentram a atenção de quem use a teoria nos processos de integração e nos modos de as sociedades conseguirem a colaboração de todos os indivíduos (excepto os raros e teoricamente sempre isolados desviantes) através de um sistema de satisfação de necessidades culturais (respeito identitário pelos padrões dominantes, os consensos; a economia encontraria outros meios de estimular a colaboração, como o rendimento) e de um sistema de retaliação contra os comportamentos desviantes (controlo social).


A diferença entre a teoria social e as teorias sociológicas é que a primeira estaria em condições de explicar “tudo”, pois incluiria subsistemas políticos, económicos, culturais e sociais. Porém, como existem disciplinas sociais que reclamam para si estudos especializados, a sociologia (e os estruturais-funcionalistas) também reclamam a sua especificidade: o estudo do subsistema social dentro do sistema social. Ora, esse subsistema social exclui (para a parte de fora da sua fronteira) economia e política e, também, antropologia, o estudo de sociedades não modernas. Assim, o estudo do subsistema sociedade usa a cultura como estímulo (para o que a economia é mais forte) e identidade social (para o que a política é mais forte).
Para a sociedade subsistema, são padrões culturais que servem de estrutura e as finalidades que orientam as funções (papeis que cada um é chamado a cumprir). A relação entre as estruturas fixas e abstractas e as funções-acções práticas é proporcionada pelos fenómenos de adaptação-integração (facilitados pelos sistemas) e as motivações pessoais (sobretudo profissionais) dirigidas e finalidades.

 

A teoria de sistema, portanto, caracteriza-se por se auto-limitar, em termos do que seja o social e do que seja o sociológico, separado o primeiro daquilo que não é social - o meio ambiente, as tecnologias, a violência, e, portanto, também os conflitos de que as teorias do conflito se vão queixar. Eis porque as ciências sociais não foram nem estão em condições de denunciar os riscos ecológicos que hoje são evidentes para o vulgo.

Lição 8 - Introdução às teorias sociais do conflito – Coser
 

Deve registar-se uma falta de continuidade e de capacidade de acumulação de conhecimentos entre a primeira geração de sociólogos norte-americanos, até ao período entre guerras, o as novas gerações de sociólogos, entre os quais Parsons e Merton.
Por exemplo, perdeu-se a noção de o conflito ter uma função primordial no desenho de identidade de grupos e na sua manutenção. Desde a escola de Chicago, que usou o conceito de conflito, pouco uso dele se tem feito.
 

Para os sociólogos anteriores, o conflito não era necessariamente negativo: era fonte de transformações sociais e progresso. Havia público ansioso por discutir e conhecer propostas de revolução social, que os sociólogos satisfaziam. Procuravam saber como seria possível em que direcção transformar as sociedades no seu tempo em sociedades melhores. Como disse Colley, um desses sociólogos, o conflito e a cooperação são dois aspectos da mesma coisa. Ross dizia que a oposição ao status quo era uma importante contribuição para a manutenção da situação, através de ajustamentos que tais críticas suscitavam e pelo facto de haver liberdade de expressão. A própria estrutura social se baseava em conflitos, como os de interesse, e dificilmente estes últimos poderiam ser eliminados.
 

Entre guerras o estado de espírito do público mudou: os sociólogos depois da guerra relacionam-se entre académicos ou com profissionais do mesmo ramo. Tratam de saber como fazer ajustamentos e evitar conflitos. Ninguém pensa em mudar estruturas sociais. Prefere-se cuidar psicologicamente das pessoas desadaptadas. O problema de Parsons é explicar como é que a ordem é possível de ser mantida. O conflito passa a ser entendido como uma doença a requerer cuidados terapêuticos. A própria palavra desaparece de uso, substituída por tensões e stress. O conflito decorreria de problemas mentais ou desvio, de dificuldades de comunicação, de falta de equilíbrio e colaboração, de ideologias estrangeiras.
 

Os sociólogos passaram a ser contratados fundamentalmente por gestores, universitários ou de organismos públicos ou privados. A investigação pura foi substituída por investigação aplicada: a escolha dos objectos de estudo deixou de ser livre e passou a estar condicionada pelas encomendas dos financiadores. Estes não estavam, logicamente, interessados em admitir financiar dúvidas sobre as estruturas sociais de que eram beneficiários.
 

De promotores de revoluções sociais, os sociólogos norte-americanos passaram a ser profissionais de resolução de problemas e especialistas em recursos humanos.
 

 

Lição 7 - Funções manifestas e funções latentes – R. Merton


A questão de o estrutural funcionalismo estar tão fixado nas capacidades de conservação dos sistemas sociais que não dá a devida importância às mudanças e transformações sociais foi reconhecida e tratada por Merton, que procurou desenvolver o estrutural-funcionalismo no sentido de dar resposta cabal a essas preocupações, criticando Parsons e a sua grande teoria precisamente pela sua falta de agilidade para ter atenção aos sinais de mudança, como, por exemplo, as que podem ser estudadas através da identificação de funções latentes, funções que não são reconhecidas pelos actores sociais mas, ainda assim, se identificadas pelos sociólogos, podem explicar a emergência de mudanças.
 

Este texto deve ser lido tendo em mente a prioridade que Merton atribui às teorias de médio alcance, mais próximas dos dados do que as grandes teorias mas mais exigentes nos detalhes teóricos do que estas são.
 

O texto começa precisamente por chamar a atenção de como as grandes teorias tendem a menorizar as questões de método, as relações não directas entre as teorias e os dados, que passam por escolhas de investigação frequentemente feitas sem registo ou até inconscientemente pelos sociólogos. Métodos não é mera lógica: é enfrentar e ultrapassar de certa maneira “problemas práticos de nivelar os dados com os requisitos da teoria.” (p. 86).

Nem dados nem teorias são puros: aparecem misturados com os constrangimentos práticos.
 

Um dos constrangimentos prático-teóricos é o facto de a mesma palavra (como a “função”) ser usada tanto na sociologia como pelo senso comum para designar muitas coisas diferentes (cerimónias com funções culturais, ocupação como função social, actividade do funcionário, relação matemática entre variáveis, processo vital para manutenção de um organismo, etc.). Outro é a mesma noção-ideia ser designada por diferentes palavras com conotações diferentes: função pode frequentemente ser uma palavra que pode ser substituída, sem perda de sentido, por outras palavras como uso, utilidade, finalidade, motivo, intenção, etc.
 

Cabe ao sociólogo fazer atenção aos sentidos precisos que quer dar às palavras e não se deixar conduzir, distraidamente, pelas diferentes conotações que as palavras têm, desfocando aquilo que realmente quer estudar por outra coisa.
 

Cabe ainda ao sociólogo reconhecer que o mesmo problema ocorre com as outras pessoas: as disposições originais, os planos com que se começa uma acção, vão-se alterando à medida que a acção decorre para melhor de adaptar a ela. Insensivelmente, os próprios actores sociais estão convencidos que as suas disposições originais eram as mesmas no fim da acção, quando isso pode não corresponder à verdade. As intenções não correspondem, raramente correspondem com precisão, às consequências dos actos que procuram realizar essas intenções.
 

Para ter atenção a esta descoincidência entre os aspectos objectivos e subjectivos da acção social, entre as funções manifestas que são conhecidas dos actores e as funções latentes que não lhes aparecem na mente, há que reformular os postulados vulgarmente utilizados pela análise funcional.
 

A unidade funcional dos sistemas sociais, o funcionalismo universal e a indispensabilidade de todas as acções sociais para a manutenção do sistema devem ser flexibilizadas, pois não correspondem aos resultados das observações do social. O grau de integração da sociedade é um problema de observação empírica, pois há sociedades mais integradas que outras: não se pode presumir que todas são igualmente integradas. Do mesmo modo, há acções sociais que não interferem na manutenção das estruturas sociais, nem para as reforçar ou enfraquecer. A observação mostra haver redundância de funcionalidades sociais, isto é, várias acções que servem a mesma funcionalidade, tornando cada uma delas não indispensável para que a função se cumpra: há alternativas funcionais, equivalentes funcionais, substitutos funcionais.
 

Deve-se pois ter em conta, quando se seleccionam certos aspectos da realidade para os estudar, ignorando outros aspectos, que aquilo que se decide dar atenção pode não ser a única função disponível para suportar determinada estrutura social. Por exemplo, quando se decide estudar aquilo que é praticado pela maioria das pessoas, pode muito bem estar a escapar alternativas funcionais praticadas por pequenos grupos mais ou menos discretamente ou até inconscientemente. Há, portanto, que estar atento aos significados atribuídos pelas pessoas e pelas culturas a certas práticas que são acompanhadas por formas de referência mais ou menos explicitas e as práticas que não são acompanhadas por significados, seja por desconhecimento, seja por pudor ou outra forma de repressão.
 

O método sociológico deve percorrer cinco passos e preocupações de recolha de dados: a) estatuto social das práticas mais vulgares; b) práticas alternativas; c) diversos significados explícitos ou implícitos dessas práticas; d) atitude de conformidade ou dissidência eventualmente envolvida nas práticas e nas significações; e) identificar práticas regulares mas não identificadas explicitamente pelos actores sociais – as funções latentes – que podem disputar um dia o campo das representações e exigir uma generalização que podem transformar as estruturas sociais.
 

Lição 6 - Da teoria do sistema social


A teoria de sistemas serve para comparar o funcionamento lógico e universal de sistemas com os sistemas sociais efectivamente observáveis: os sistemas empíricos (p. 32). Neste sentido, a teoria de sistemas é também uma teoria de médio alcance, na medida em que não estuda os fenómenos sociais que não são empiricamente sistemas, que não conhecem fronteiras nem estão estruturados de modo funcional.


Por outro lado, a teoria de sistemas distingue os sistemas sociais de outro tipo de sistemas não sociais, como os organismos ou as comunidades (p.: 32), e dos subsistemas sociais, como o político e o económico (p.: 34).


Um sistema é fechado relativamente ao meio ambiente, embora seja mais ou menos aberto em relação a ele (as fronteiras são mais ou menos impermeáveis (p.:36)). O mesmo se diga dos subsistemas, cujo meio ambiente é interior ao sistema mais geral em que os subsistemas existem.


Cada sistema, pelo facto de existir, quer dizer que está a funcionar, consegue ligar as suas diferentes partes diferenciadas (como uma sociedade moderna faz, mas uma comunidade não faz). Essas ligações são feitas através de estruturas (regularidades de práticas que estabilizam e satisfazem espectativas sociais) e por funções (mobilização e motivação da acção das pessoas para cumprirem os respectivos quotidianos por modo a manter o sistema a funcionar).
São requisitos funcionais, são necessidades práticas de manutenção das estruturas a cumprir pelos agentes sociais, a) a manutenção de padrões culturais (pattern-maintenance), como o respeito pela constituição e pelas leis (p.:36); b) a integração (integration), vontade e disponibilidade para juntar esforços a favor do sistema; c) as finalidades (goal-attainment), que servem de orientação a organizações; d) a adaptação (adaptation), capacidade de coordenação entre as necessidades e possibilidades.


Estes requisitos funcionais nomeados por expressões pouco vulgares e enigmáticas podem ser substituídos por expressões mais vulgares na teoria social, respectivamente, cultura, acção social dos indivíduos, economia e política, como diria Max Weber ao nomear as principais dimensões de poder nas sociedades modernas – classes, status e partidos.


A nível estrutural, há que distinguir diferentes níveis de realidade social, a saber: valores (como a consciência colectiva de Durkheim), normas institucionalizadas (leis ou estatutos de organizações formalizadas), colectivos (grupos com maior ou menos associação a normas e valores) e papeis (colaborações dos indivíduos em diferentes organizações e grupos sociais).
As dinâmicas entre diferentes funções e diferentes níveis estruturais são facilitadas por processos de trocas, por sua vez operacionalizados por dinheiro (em termos económicos) ideologias (em termo políticos) por afectos (em termos familiares e de redes sociais, incluindo escolas).


As análises sociais podem centrar-se em estudos morfológicos (como anatomia) ou estudos de dinâmicas (como a fisiologia); podem centrar-se em estudar os equilíbrios ou as mudanças estruturais.


Indivíduos isolados são tratados pela psicologia: a sociologia só considera mais de dois indivíduos. O meios ambiente também não é tratado (está fora do sistema social). A institucionalização é o nome do processo de aquisição de conhecimento da valores e normas em uso e conformidade com eles, para fins de funcionalidade, primeiro pessoal e depois, organizacional e social, em função dos diferentes níveis sociais acima referidos.


Os sistemas incluem um trabalho permanente e persistente de auto-controlo para que a manutenção do sistema seja realizada a todos os níveis e em todos os seus aspectos, sob pena de deixar de ter as características estruturais e funcionais que fazem do sistema um sistema empírico comparável à teoria de sistemas. Há uma hierarquia de controlos, para o caso dos sistemas sociais (p.:38). Essa hierarquia é diferente daquela que geralmente se imagina, quando se dá uma importância maior à política e à economia do que à sociedade. Parsons explica que, para efeito do estudo dos sistemas sociais, o mais importante na sua manutenção são os valores partilhados (constituição e leis) e a capacidade de integração social (adesão das pessoas, dos agentes sociais, aos papeis disponibilizados pelas organizações integradoras, empregos). A política e a economia são subsistemas sociais cujos sistemas de controlo são importantes mais apenas no quadro de cada subsistema, cada um deles dependente da estrutura e do funcionamento da sociedade mais geral (p.35).

 

Lição 5 - Das teorias de médio alcance


Os dois textos tratados nesta aula e na próxima explicam o que consta o trabalho teórico, ainda hoje praticado na subdisciplina de teorias sociológicas: trata-se de definir um corpo de leitura entre os melhores sociólogos (Merton:58-59 onde cita autores criadores de sistemas sociológicos; 68-71 e 72 onde cita autores que usam teorias de médio alcance; Parsons:31 cita autores estudados por ele para elaborar a sua teoria de sistemas), fazer uma síntese dos instrumentos intelectuais usados por todos e imaginar que esses instrumentos são, por um lado, representativos e, por outro lado, generalizáveis.


Há um desacordo entre Parsons e Merton sobre quais devem ser os alvos dessa recolha: o primeiro entende dever procurar usar os instrumentos intelectuais usados pelos autores para construir uma teoria de sistemas capaz de satisfazer as necessidades teóricas de todos ao mesmo tempo; o segundo acha essa ambição exagerada e prefere identificar teorias de médio alcance já completas para criar uma lista de teorias disponíveis sem competição entre si.


Curiosamente, nos textos dos mesmos autores lidos nas aulas anteriores ambos concordavam ter deixado de haver escolas, por um lado, e divisão entre empiristas e teoricistas, entre sociólogos que se limitavam a fazer descrições e sociólogos que só faziam teoria, e delas terem impacto negativo na produção teórica. Nestes dois artigos, porém, ambos reconhecem persistirem efeitos negativos de escola e de divisão entre subdisciplinas e práticas dos sociólogos (Merton: 58; Parsons: 31-32).


Merton seleccionou 4 teorias de médio alcance para exemplificar as suas utilizações: as teorias dos grupos de referência, da mobilidade social, dos conflitos de desempenho e de formação de normas sociais. Cada uma deles são ideias soltas (não são deduzidas de grandes teorias e, ao invés, cabem em qualquer grande teoria, p.55; por outro lado, reconciliam divisões artificiais, como as que separam historicistas e teorias sociológicas generalizadoras, p.56). As teorias servem para produzir inferências, isto é, hipóteses de existências de acções e estruturas sociais que podem ser testadas por estudos empíricos localizados. O valor de cada teoria de médio alcance produz-se pelo uso (p.53) e capacidade de identificação de “mecanismos sociais” (p.57) e não pelo seu valor ideológico (de coerência perante o grande sistema ou as ideias de um autor carismático, p. 63). Se se usam são boas, se não se usam são más. Este critério choca com a nota que o mesmo autor no mesmo texto faz sobre o efeito negativo da popularidade no afunilamento dos tópicos de estudo social (p. 67).


Merton notou o condicionamento do trabalho da sociologia dada a sua dependência do trabalho de investigação-ensino nas escolas de sociologia, na sessão “pressões utilitárias para sistemas de sociologia”. Políticos, empresários, altos quadros do estado, reitores, estudantes e o público reclamam respostas dos sábios professores formados e ensinantes da sociologia (p.61). Para justificar a sua existência, a sociologia tem de ultrapassar estas avaliações. Ter uma referência ideológica de onde se pode deduzir mesmo aquilo que se desconhece (em vez de responder: “não estudei o assunto”) pode ser uma solução para este problema, mas não é científica.


A ciência também se vê prejudicada pela polarização de argumentos entre sociólogos, acusando-se mutuamente de incompetência ou incapacidade, mais em torno da defesa dos respectivos estatutos sociais do que de empenhados na procura da verdade, sempre prontos para se dividirem e irresponsabilizarem pelos trabalhos alheios (p.65-66), surdos a argumentos de terceiros e fora da zona de conflito (p.67).

 

Lição 4. Teorias em Merton


Merton faz uma discussão da proposta de Parsons, hesitante em discordar frontalmente e argumentar que as circunstâncias históricas não são propícias nem recomendam dar prioridade à produção de uma Grande Teoria.


Grande Teoria é o que Merton chama ao instrumento intelectual proposto por Parsons – ao programa de convergência e diálogo entre teorias sociais de diferentes disciplinas e teorias de ciências naturais.


Concorda com Parsons em afirmar que as escolas separadas e contraditórias entre si seria um tempo acabado.
 

Nota a distinção (pedagógica) entre ensinar a história das ideias e ensinar o melhor dos conceitos que esteja estabelecidos como utilizáveis, no momento.
 

Repara que as disciplinas científicas não detém teorias compreensivas (teoria física, teoria química, não existem: existem teorias da termodinâmica ou dos átomos). E não parece viável, ainda por cima numa disciplina das mais jovens, esperar um receituário unificado sobre que conceitos se devem usar.
 

Sem desmentir que a mutua e profícua colaboração entre as teorias seja um bom objectivo, em abstracto, nas actuais circunstâncias (1947) de desenvolvimento das ciências sociais será mais recomendável começar por usar teorias especiais, mais próximas dos seus objectos empíricos, e deixá-las vingar mesmo que não correspondam a boas soluções para outros objectos de estudo. Depois de consolidação de tais teorias especiais, então haverá melhores condições para abrir um diálogo entre elas, com vista a fundi-las em teorias capazes de explicar mais do que um objecto de cada vez, paulatinamente.
 

Merton explicita críticas directas à teoria de Parsons, que merecem correcção: a) a ideia de que a acção de cada pessoa é apenas orientada por efeitos cognitivos, práticos e afectivos, deveria incluir também a possibilidade de interpretação subjectiva do sentido da acção por parte do sociólogo, sem que ela tenha que ser validade pelo próprio actor, que disso pode e está frequentemente inconsciente; b) a ideia de necessidades funcionais é tautológica, e ainda que seja apropriada para a biologia não pode corresponder à muito maior plasticidade do social; c) os trabalhos dos sociólogos funcionalistas não têm dado atenção suficiente às alternativas sociais que coexistem com a ordem e que a podem substituir em qualquer momento; d) aquilo que Parsons trata como comportamento desviante mistura nessa não conformidade o precário e a emergência de novos padrões de sociabilidade.

 

 

Lição 3. Estratégia de desenvolvimento teórico em Parsons


Nesta aula e na seguinte iremos tratar de dois textos de estratégia sobre a melhor forma de desenvolver a sociologia norte-americana no pós-guerra. O êxito do New Deal norte-americano (políticas keynesianas de investimento, usando a propensão para o consumo como forma de animar (alavancar) a economia, em vez de apenas contra com o investimento empresarial) abriu, nos anos 30 e 40, novos horizontes para a profissionalização das ciências sociais, a começar pela instalação e crescimento de cursos de formação inicial para trabalhadores sociais capacitados para ajudar à integração dos desempregados de longa duração, dos militares retornados da guerra, dos imigrantes chegados à procura de empregos.
 

Parsons era professor desde os anos 30 e já tinha formado alguns sociólogos, entre os quais Merton, seu discípulo que lhe seguiu as pisadas como professor na universidade. O primeiro apresenta-se a pensar sobretudo em incentivar a mútua colaboração entre colegas sociólogos e o segundo, que trataremos na aula seguinte, preocupa-se mais em pensar a autonomização dos profissionais formados nas suas funções fora da universidade, nos empregos que possam conseguir.
 

Parsons pretende reduzir o espaço de divisão entre escolas e egos de autores, criando um espaço virtual onde todos pudessem colaborar e beneficiar do trabalho de cada um. Isso seria possível caso se encontrasse forma de convergir num grande e espaçoso “esquema conceptual”, que permitisse a colaboração não apenas entre sociólogos, mas também todos os outros cientistas sociais e também os cientistas naturais.
 

Trata-se de encontrar algo correspondente a uma matemática, um programa de convergência e diálogo científico, utilizável como quadro de integração de teorias de diferentes disciplinas e de diferentes autores. Parsons propôs a teoria de sistemas estrutural funcionalistas, imaginando que toda as teorias e todos os autores poderiam encontrar formas de mútua colaboração dentro desse mundo virtual, capaz de fixar teorias e articulá-las mutuamente, criando ciências sociais “maduras”, isto é, capazes de fazerem previsões e dialogar entre si e com as ciências naturais.
 

A teoria de sistemas prevê a categoria de actores, mais ou menos motivados (de dentro para fora) e socialmente controlados (de fora para dentro), e estruturas de situações geralmente institucionalizadas (objecto de estudo particular da sociologia) mas também não institucionalizadas ou em processo de institucionalização (objecto de estudo especial da antropologia). A contradição central entre indivíduos e sociedades é resolvida pela sua mútua integração, articulação, de uma qualquer forma que satisfaça as necessidades funcionais básicas: as biológicas, as de ordem (previsibilidade de comportamentos) e as de motivação (que dê sentido às vidas individuais). De outro modo, a sociedade (as instituições) não resistiriam ao tempo e quedar-se-iam, desapareceriam. Se existem é porque cumprem um mínimo de funções.
 

A teoria de sistemas prevê a existências de diferentes níveis de realidade resultantes de processos concretos de diferenciação institucional, os identificados por subsistemas. Há 4 níveis de configuração dos sistemas sociais, a saber as motivações pessoais, as instituições em que elas se exprimem, as tradições culturais a que se juntam, a estrutura geral da situação, incluindo variáveis não sociais. Cada um dos níveis é mais susceptível de ser mais profundamente estudado pela psicologia, pela sociologia, pela antropologia e pela relação das ciências sociais com as ciências naturais. Em cada um destes níveis há padrões de comportamento que são transmitidos de geração em geração, independentemente da transmissão genética.
 

A teoria dinâmica da mudança institucional é um território de investigação aberto da sociologia para as outras ciências sociais – que tratam de objectos de estudo menos estruturados, como a psicologia e a antropologia. Por sua vez, a sociologia deveria ser capaz de se realizar como ciência social total, isto é, integrando o estudo de todas as instituições, incluindo as económicas, políticas e culturais.
 

Lição 2. Apresentação da organização do curso

O curso funcionará em torno dos cadernos de textos que serão usados para a cadeira para ler, comentar, entender e fazer testes.

Fez-se a apresentação do site do curso, do programa, da avaliação e do tipo de trabalho durante a semana e nas aulas. Os sumários alargados estarão disponíveis no site e as aulas serão a preparação dos testes.

Cada estudante fica especialmente encarregado de ler um texto antes da aula em que ele vai ser estudado, incluindo uma caracterização do percurso intelectual do autor que encontra aqui.

Nas próximas aulas estudaremos textos de Talcott Parsons, o teórico do estrutural-funcionalismo e da teoria de sistemas, e o seu discipulo Robert Merton. Informado pela situação no campo da Física, Parsons procurou fixar uman teoria única para a sociologia, abrindo campo para o trabalho técnico dos sociólogos comuns, que deixariam, segundo este autor, de ter de se preocupar com a teoria. Deveriam concentrar-se na produção de dados e nos métodos para os produzir e analisar. Para isso usando a ideia abstracta da análise de sistemas, tipicamente, a política, a economia, a sociedade e a cultura, de onde efectivamente sairam as mais importantes disciplinas das ciências sociais, bastante diferenciadas entre si.

Merton notou que a aplicação do estrutural-funcionalismo propriamente dito às realidades sociais tinha problemas. A lógica de comparar uma sociedade a um organismo vivo, com esqueleto e órgãos ocupados com diferentes funções, era desasaido rígido para dar conta das dinâmicas que ligavam (ou não) estruturas e funções, sistemas entre si. Para resolver esse problema, o autor apontou a necessidade de se qualificarem essas ligações: as que eram funcionais, e trabalhavam bem, e as que eram disfuncionais, e trabalhavam mal.

Lição 1. A emergência e evolução da sociedade

Tem-se comparado a crise de 2008 com a crise de 1929: foram ambas crises financeiras que resultaram em empobrecimento das populações e no favorecimento político, poucos anos depois, de políticas e partidos de extrema-direita.

Da crise de 1929 também resultou o New Deal, nos EUA, que produziu o estilo de vida americano, isto é, substiruição do comboio por automóveis, grandes consumos de energia fóssil para pavimentar estradas e para combustível, de carros e electrodomésticos, de todo o tipo de consumismo, construção de arredores das cidades para onde as pessoas dormem e de onde vêm, de carro, para estudar e para trabalhar, com altos consumos diários. Animada assim a economia norte-americana falida em 1929, construiu também o complexo industrial-militar para entrar e vencer a segunda Grande Guerra.

Ganha a Guerra, a reconversão da indústria militar e a ocupação dos trabalhadores foi garantida pela ajuda à reconstrução da Europa Ocidental e do Japão. Onde o estilo de vida norte-americano foi adaptado.

Foi nos anos 30, nos EUA, que surgiu a sociologia profissionalizante de que vamos falar neste curso. Era preciso acompanhar os trabalhadores desempregados e os pobres que ficaram nos centros das cidades, por não terem dinheiro para comprar automíveis. Os investigadores e trabalhadores sociais foram chamados a identificar problemas sociais e modos de os ultrapassar, para evitar conflitualidades e fazer a integração social. Na Europa, depois de 1945, fim da Grande Guerra, isso foi feito através do Estado Social, para resolver os problemas sociais e empregar um sector social, ocupado sobretudo por profissionais formados em ciências sociais e também sociologia.

Com a Guerra Fria assistimos à polarização entre superpotencias, que se reflectiu também nas ideologias dominantes na Europa Ocidental e na sociologia: de um lado o estrutural-funcionalismo, inspirado em Durkheim e Weber; do outro lado a escola de Frankfurt, com forte influência de Marx.

No rescaldo da crise de 2008, que continuamos a viver, é natural que venhamos a viver fortes transformções dos quadros políticos, ideológicos, universitários e científicos, como se viveram a partir de 1929. Estejamos atentos.

*         *             *            *         *

O que foi o 25 de Abril, além de uma alegria para muitos e uma perda de tudo para alguns?

Como todas as revoluções, foi um misto de continuidades e de rupturas que podem ser identificadas teoricamente. Eis uma das funções da teoria.

Uma continuidade foi a ideia (no tempo do fascismo unia a oposição proibida) de que não há (mais) desenvolvimento porque não há democracia; a democracia favorece o desenvolvimento. As oposições, todavia, divergiam (e divergem) em saber qual das democracias que defendem (a de tipo soviético ou a de tipo ocidental) que favorece o desenvolvimento.

Nas ruas, durante a revolução, gritou-se "Nem fascismo, nem social-fascismo, independencia nacional!", o que queria dizer que os manifestantes não queriam alinhar nem no império norte-americano-Europa Ocidental: queriam decidir entre os portugueses qual fosse a melhor maneira de fazer democracia. Acabou por vingar a integração europeia, a que chamamos democracia (porque as outras estratégias políticas deixaram de ter voz). O desenvovimento, todavia, continua um foco de insatisfação.

Aqui entra a teoria da modernização. Modernas são as partes boas das nossas vidas. Tradicionais são as partes que herdámos e temos tido dificuldade em fazer desaparecer. Esta interpretação da teoria da modernização é racista, na medida em que justificou, por exemplo, que a União Europeia, para explicar a crise financeira de 2008, aceitasse e divulgasse a ideia de que os portugueses, como os povos do sul da Europa, são perguiçosos, passam a vida em festas e são corruptos.

Como democracia é desenvolvimento (como ideologia/teoria oficial) e como o desenvolvimento estava a andar para trás, a explicação para manter a teoria errada foi usar o racismo da teoria da modernização: cada pais seria composto por uma raça ou cultura tradicionais. Os países mais modernos levariam às costas as tradições dos outros que nos arrastam todos para o fundo. Logo, seria justo fazer pagar aos países mais pobres (da zona euro) os custos do resgate dos bancos, para aliviar as responsabilidades do sistema democrático que gerou um anti-desenvolvimento.

Em resumo: o estudo das teorias permite perceber com critério o modo como a exploração de uns pelos outros está relacionada com a exploração do planeta (que está a reagir contra tais abusos) e dos seus "recursos humanos", os trabalhadores, os consumidores, os cidadãos.   


Sumários 2018


 

SIMPÓSIO

O ensino das teorias sociológicas

ESPP e Dep. Sociologia

Aud JJ Langinha, ISCTE-IUL, 28 Maio

Testes dia

28 de Abril

6 de Junho

os estudantes podem ler os sumários do ano anterior, referentes às mesmas matérias, mas com desenvolvimentos diferentes dos sumários deste ano

 

 

No texto 13, deverá dar-se particular atenção às seguintes três partes:
p. 131 (par. que começa por "A representação tradicional da teoria ..."
-139 (termina com: "um trabalho profissional socialmente útil."
sobre as características essenciais do pensamento crítico;
p. 141 (par. que começa por "Mas como se dá ..."
-145 (termina com: "o repertórion da história recente."
sobre as relações entre pensamento e a experiência;
em particular a experiência do movimento operário,
p. 154 (par. que começa por "A hostilidade que reina hoje ...") até ao fim do texto,
sobre a actuação dos estados autoritários face ao pensamento crítico.

Lição 24 -

Novas formas de controlo social (Marcuse)

Em 1964, Marcuse retoma a sua tese de uma sociedade sem oposição, produzida entre guerras, mas agora sob o regime da democracia pluralista e o estado social do pós-guerra.

Na introdução do Homem Unidimensional, o autor começa por notar o aperfeiçoamento da irracionalidade tecnocrática, a perfeição do desperdício representado pela corrida aos armamentos que não podem funcionar sem destruir a Terra: a produção pacífica de meios de destruição. A sociedade aumenta e fica melhor ao produzir perigos. A produtividade é do livre desenvolvimento humano. A tecnologia, em vez do terror, dominam os indivíduos através de capacidades intelectuais e materiais jamais vistas. Há um processo histórico que se levanta para destruir qualquer alternativa do seu rumo. O progresso tecnológico inibe qualquer protesto em nome das perspetivas históricas de liberdade através do trabalho e da dominação. Esta contenção da mudança social é resultado da sociedade industrial avançada. Houve uma alteração do funcionamento contraditório das duas classes capitalistas. As alternativas tornaram-se especulações irrealistas.

A ideia de sociedade, porém, inscreve-se em oposição à política. Embora tende a perder o seu carácter crítico e use apenas o seu aspecto descritivo. O homem unidimensional vive a tensão entre a) as mudanças obtidas pelo progresso industrial b) a explosão da sociedade que não aguentam mais a sua própria contenção.

A sociedade tornou-se totalitária na medida em que não apenas define as ocupações de todas e cada uma das pessoas mas também as suas necessidades, acabando com a separação entre o público e o privado. A noção de neutralidade tecnológica é insustentável na actual situação.

Novas formas de controlo

Erosão dos direitos e liberdades tradicionais. Embora a liberdade face às necessidades esteja a ser possível, a autonomia de pensamento e acções é tolhida. A não conformidade revela-se inútil. A liberdade de empresa é a liberdade de trabalhar para não morrer de fome, o que impede a possibilidade de organizar a produção para a satisfação das necessidades. Revela-se assim uma tendência totalitária: manipulação de necessidades através de uma coordenação tecno-político-económica. É a produtividade que mobiliza toda a sociedade.

A liberdade passa a ser definida como liberdade da luta diária pela sobrevivência, libertação da política e dos media (propaganda). A verdade liberta, o falso perpetua o trabalho, a agressividade, a miséria, a injustiça. O predomínio das necessidades repressivas deve ser desfeito. Acabar com as mercadorias que transforma o desperdício em necessidade.

O sistema de controlo prevalecente é a tecnologia, que faz parecer qualquer oposição irracional, ilógica e impossível. O controlo social é incorporado. O espaço privado invadido pelas tecnologias. Como se a lógica da fábrica se tivesse tornado omnipresente, em resultado de uma gestão científica e sofisticada das organizações e das vidas pessoais. A realidade é um estádio muito avançado de alienação: só admite uma dimensão: a da falsa consciência que perpetua o trabalho e a injustiça. A ideologia de hoje é o processo produtivo em si. A publicidade torna-se estilo de vida. A transcendência histórica aparece como metafísica, irrelevante e antagónica às certezas universais da ciência unidimensional.

A contradição da actual civilização é a irracionalidade da sua racionalidade produtivista. A realização da liberdade depende de novos usos das tecnologias.

Tendências da Jurisdicização (Habermas, 1981)

Há os componentes da esfera da experiência (cultura, sociedade e personalidade) e a esfera jurídica (princípios de organização do estado racionalizados) que tem invadido paulatinamente a esfera da experiência através da mobilização de uma estrutura comunicativa.

Na fase actual, emerge o estado providência, em que novos direitos sociais e culturais são reconhecidos formalmente.

O direito escrito tem tendência para aumentar, expandindo-o e densificando-o. Podem identificar-se 4 fases de juridicização: estado burguês, estado de direito, estado de direito democrático e estado de direito social e democrático.

  1. Estado burguês, sec. XVII: diferenciação da economia e da sociedade; contratos positivos, gerais e formais em torno da propriedade plena. Pressupondo a liberdade e a igualdade com segurança jurídica oferecida pelo soberano – fonte única de autoridade (estado). Modos de vida tradicional vão sendo diluídos. A esfera da experiência é posta ao serviço dos mercados e dos estados.
  2. Estado de direito burguês, sec XIX: os cidadãos recebem direitos públicos individuais invioláveis contra o soberano e participam na formação da vontade do soberano. Criação do princípio da legalidade, isto é autoridade da lei. As constituições reconhecem garantias de vida, liberdade e propriedade. Protege a esfera da experiência.
  3. Estado de direito democrático, conforme sugerido pela revolução francesa. Com base nos direitos naturais, os cidadãos são dotados de direitos de participação política: formação parlamentar de vontade e debate público, liberdade de organização, associação e criação de partidos. Agudiza-se o problema da separação de poderes legislativo, executivo e jurídico.

    Os trabalhadores estavam excluídos destes direitos de cidadania. O estado social veio prolongar esses direitos a todos.

  4. Estado de direito social e democrático: constitucionalização da relação própria da estrutura de classes (limitação do tempo de trabalho, liberdade sindical, protecção em dificuldade) jogando na ambiguidade da garantia e confiscação de liberdades. Intromissão cada vez mais profunda na esfera da experiência, incluindo ao nível da (obrigação de) individualização no quadro de uma estrutura de direito condicional (ao respeito desse individualização). Em particular na procura de determinar as necessidades dos necessitados para os ajudar-controlar. Isso tem por consequências a burocratização e monetarização da esfera da experiência, mesmo e sobretudo a dos desvalidos.

O poder vai tomando o lugar de médium de regulação, segundo o direito protector e confiscador. Donde se distingue a força constitutiva do soberano e a força reguladora do direito submetido ao soberano. Regulação cada vez mais intrusiva na esfera da experiência, como nos lazeres, na cultura, no repouso, no turismo, etc.

A jurisdicização pode ter efeitos negativos: exposição das famílias e das escolas a intervenções burocráticas e judiciárias. A adaptação da esfera da experiência à jurisdicização cria disfuncionalidades.

Lição 23 - Teoria tradicional e teoria crítica

Horkheimer, entre guerras, assistiu à reacção das sociedades europeias face ao descalabro do capitalismo, representado pela implosão do sistema financeiro norte-americano. Em vez de ser o proletariado a criar novas oportunidades de convivência comunitária, comunista, como teria desejado Marx, o que estava a acontecer era a ascensão da extrema-direita e da violência, que haveria de resultar na segunda grande guerra.

Deduziu se no século XIX, o estudo da economia fora uma estratégia intelectual para apoiar os movimentos emancipatórios, como Marx fez, na primeira metade do século XX, dadas as circunstâncias adversas, o que haveria de ser melhor para atingir o mesmo fim era estudar a cultura e como ela poderia ser usada como instrumento de emancipação. Nomeadamente, como a teoria social poderá servir esse fim. Concluiu que há características do trabalho teórico que são favoráveis a essa emancipação que se deveria ter presente. É disso que fala o texto 13.

O modo de produção capitalista enquadra toda a actividade social, incluindo a actividade teórica. Ainda que quem faça teoria não se dê conta nem tenha consciência disso (p.10), por exemplo, o valor que é dado à produção industrial de dados científicos decorre precisamente do valor próprio do capitalismo de valorizar a produção, em abstracto, independentemente dos usos daquilo que é produzido. O trabalho teórico não é apenas um trabalho intracientífico, é também um trabalho social (p.9).

A ideia mais comum que se faz de ciência presume que a ciência se faz numa bolha, fora ou isolada da sociedade. Ignora-se, ilude-se, abstrai-se da função social da ciência para o capitalismo. Vive-se uma ilusão de liberdade criativa e de pensamento (p.11). Produz-se uma "utopia travestida" e uma falsa noção de conhecimento eterno (p.12): o mundo capitalista, porque existe, passa a ser considerado eterno (p.14). A praxis determina não apenas a subjectividade individual como a própria objectividade produzida pelas pessoas assim condicionadas a sentir apenas aquilo que querem e lhes é permitido sentir (p.15), através da forças que produzem os tranquilizadores consensos sociais (p.16-17). Nomeadamente a ideia de separação entre as pessoas (auto-determinadas, imprevisíveis) e a sociedade (submissa, planificada, racional), como coisas opostas (p.20). O mundo cindido, em que economia e cultura são autónomos entre si, é o mundo do capital; mundo cuja representação cultural e profissional deve ser ultrapassada para abrir oportunidades de transformação geral (p.21; p. 25). Os factos devem deixar de ser olhados na sua factualidade e passar a ser vistos como produtos (p.22). O pensamento crítico implica uma pessoa que se opõe a si mesma, à sua praxis, à sua profissão; trabalho que está integrado na história presente e nas oportunidades que abre à crítica (p.23). As dificuldades do trabalho intelectual crítico, contra o pensamento dominante que o inibe e contraria a partir da sua posição, leva a desistências e desesperos no campo crítico, enfraquecendo-o (p.27). Há que criar uma unidade dinâmica entre o trabalho intelectual crítico verdadeiro (não útopico, conformista ou desviacionista) e as dinâmicas de lutas de classe, para mutuo e indispensável apoio (p.28). Há, em contrapartida, uma aliança entre a metafísica e a opressão, a positividade e a submissão com que é preciso aprender a romper (p.43). É preciso criar uma forte ligação entre a teoria e o processo histórico, o que não quer dizer que a teoria esteja a começar sempre de novo; o que há é que construir uma teoria resistente às transformações históricas, como a teoria da determinação económica da história (p.44). A mudança jurídica que cria a propriedade e empresário tem consequências económicas e ideológicas, ao mesmo tempo (p.45; p.48). Sob o capitalismo monopolista a independência individual deixou de existir e o valor da liberdade foi substituído por autoritarismo (p.46). O determinismo económico voltou a funcionar (p.47), também no campo cultural (p.48).

Implicações sociais da tecnologia (Marcuse)

Uma das dimensões da cultura moderna com mais influência directa na economia é a tecnologia. E sobre ela que Marcuse se debruça, em 1941, como influência negativa para a emancipação das pessoas e sociedades.

Tecnologia é entendida como modo de produção (parte de relação com a natureza, parte de relação social, parte de dominação intelectual e política) (p.1). A técnica é politicamente neutra mas o III Reich é baseado em usos autoritários das tecnologias (p.2). A produção em massa e as máquinas que a permitem dissolvem a tradicional individualidade (p.3; p.6). A antiga racionalidade individualista transformou-se em racionalidade tecnológica, servir a máquina, modo de pensamento usado para manter a situação e para protesto e rebelião também (p.8). A liberdade está confinada àqueles que definem os meios de acção (p.10). Os operários simplesmente adaptam-se (p.11). A procura e o valor da racionalidade e eficiência como obediência e adaptação à máquina não colhe apenas na produção: estende-se a todas as actividades sociais (p.12). Fazê-lo tornou-se razoável (p.14). O povo foi educado para se ajustar às máquinas. A máquina antropomorfiza-se e torna-se dominante inclusivamente no laser (p.16). As pessoas renunciam à liberdade de bom grado, em nome da razão e da paz (p.17). A lógica da luta de classes é iludida (p.18). A racionalidade crítica decorre do princípio da autonomia. Mas é reinterpretada modernamente como necessidade de submissão à máquina para atingir a autonomia (p.21); por exemplo, os fascistas condenam o capitalismo e a sociedade tornou-se insensível ao pensamento crítico (p.22). A oposição perdeu a sua funcionalidade, nomeadamente quando os trabalhadores se focaram apenas nos seus interesses imediatos (p.24), na esperança da tecnologia e do crescimento os beneficiar também, sob a pressão dos partidos de massas (p.26). Sob o autoritarismo, as massas – antítese de comunidade – servem para isolar os indivíduos (p.27). A formação especializada converge no mesmo resultado, organizando a competição sem nenhuma ideia de poder haver uma nova ordem não competitiva (p.28). O individuo tornou-se antagónico ao seu próprio interesse de emancipação (p.29). A mesma tecnocracia pode ser fonte de emancipação assim haja um processo de democratização do seu controlo e do seu uso, a favor das necessidades humanas (p.43). O progresso tecnologia poderia reduzir os tempos de trabalho, a miséria, a competição, a propriedade (p.44).

Lição 22 - A ordem da interacção

Goffman é um famoso sociólogo que, todavia, se queixa dos seus colegas não o levarem a sério. Como presidente da associação norte-americana de sociologia, aproveitou a oportunidade para fazer um argumento para contestar as críticas mais comuns contra o interaccionismo simbólico, a saber a sua incapacidade para tratar fenómenos macro sociais.

No texto, o autor mostra como existe uma ordem outra, para além da ordem estrutural, criada de baixo para cima de forma independente.

Depois de notar falhas graves na teoria social comum, enumera uma série de tipos de situações de interacção social, de interacção face a face, que a sociologia não devia deixar de considerar de forma comparativa e histórica. As assembleias (que engrossam de membros e se distinguem por diferentes intensidades de participação); os cuidados prestados a crianças, para que eles possam crescer saudáveis; as maneiras como prevemos as intenções daqueles a quem observamos; os modos como conseguimos coordenar as acções de várias pessoas num gesto colectivo; as respostas íntimas à acção dos outros; o modo como categorizamos as pessoas com quem nos damos e as outras; o estabelecimento de relações de abusador-vítima; a existência de espaço para além do corpo que apenas é acessível aos mais íntimos e que os outros têm de respeitar; o modo como se divulgam e aprendem regras de comportamento próprios dos aeroportos, hospitais, escolas, fábricas, etc.

Precisamos de definir ordem (papel das regras e das normas no comportamento social) para compreender com ela emerge tacitamente da experiência que se acumula e transmite de geração em geração. Tais regras e normas persistem quando o seu cumprimento promete beneficiar quem o respeita, de forma evidente e consensualizada (contrato social + consenso social). A sua existência cria resistências e ressentimentos. Cria, pois, a possibilidade de alteração, correcção das regras e normas. O que é fundamental para a ordem é que mesmo os que tiram menos ou não tiram vantagem da participação no jogo se mantenham envolvidos, mesmo que seja resistindo. O estado pode perseguir pessoas que não obedecem à ordem. Mas a ordem, em si, não decorre nem depende a repressão do estado.

Para o estudo da ordem interaccional podem considerar-se várias unidade de análise: unidades ambulatórias (individuo, grupos, filas, procissões, etc.), contactos (conversa, troca comercial ou de olhares, etc.), círculos (rituais, familiares, comensais, etc.), plataformas (que distinguem actores e audiências), celebrações (acesso reservado a quem honre o celebrado, respeito por ordem de participação e agenda pré-definidas pelos organizadores).

Podem considerar-se os impactos da ordem intereactiva nas estruturas sociais, como os grupos organizadores de quem dependem as organizações que envolvem muita gente não organizadora, o modo como as impressões subjectivas determinam facilidades ou limitações de acesso a serviços e lugares nas organizações. Estas diferentes ordens de interacção podem consolidar as estruturas ou torná-las menos influentes. As relações face-a-face são igualmente importantes para a produção de decisões no topo das organizações que determinam como funcionam as estruturas sociais em cada momento.

Os estatutos sociais têm, por seu lado, influência na ordem das interacções, conforma o nível etário, o sexo, a etnia, a classe, assim as regras de interacção mudam e se tornam socialmente adequadas ao perfil dos interlocutores.

Lição 21 - Lugar de George Mead na sociologia norte-americana, segundo Blumer (2)

Para mostrar como a teoria de Mead é distinta das outras teorias sociais, Blumer traça essas diferenças no tratamento da cultura, da estrutura, do sistema, da mudança, do conflito, do poder, das classes, dos indivíduos. Em geral, pode dizer-se que as abordagens comuns nas ciências sociais ignoram a profundidade a que a teoria do self face ao outro generalizado, a construção social realizada em cada pessoa como base da sua mente e da sua acção, obriga. Em Mead, não há uma separação entre indivíduos e sociedade. Há um diálogo, ao mesmo tempo interno e externo, pessoal e social, que faz e de que resultam, à uma, as pessoas e as sociedades.

Confundir a teoria de Mead com psicologia é errado, pois esta não reconhece a existência de actos sociais, actos mutuamente interdependentes em cadeias alargadas, eventualmente envolvendo multidões. A psicologia também não reconhece o envolvimento social das pessoas consigo mesmas, através do diálogo que estabelecem com o outro generalizado que suporta a sua identificação pessoal em diversas circunstâncias.

Blumer regista três críticas às teorias de Mead, que lhe parecem resultar de mal entendidos: a) a centralidade da livre vontade inibe qualquer possibilidade de avaliação científica da actividade social, pois ela é arbitrária; b) a sociedade de Mead é meramente imaginada, não é real; c) essa teoria só se aplica a análise microssocial.

As virtudes das teorias de Mead são importantes: explicar a possibilidade de trocas entre desconhecidos que conhecem as regras dos jogos (em economia, por exemplo), o reconhecimento da existência de um impulso religioso que aspira à universalização das relações sociais, o tratamento do conflito também no seu aspecto positivo, construtivo.

A maior das virtudes, que também é a maior das diferenças e a maior das dificuldades relativamente às outras teorias sociais, é o entendimento de Mead quanto às relações entre indivíduos e sociedade: através da atenção dada ao outro generalizado, à partilha socialmente construída de ideias sobre o que seja a sociedade, Mead concebe as instituições como formas de resposta comuns a todos os membros de uma comunidade a uma certa situação. Através do estabelecimento de regras de jogo, os membros de uma comunidade incorporam uma lógica da instituição que os guia a todos de maneira semelhante.

Nas sociedades modernas, há muitos jogos-instituições que é preciso dominar para sobreviver e viver. O controlo destas sociedades é sobretudo inteligente, através da inteligência de todos e cada um, susceptível a processos de interpretação que dão margem de manobra e produzem evoluções nas representações e nas práticas.

A teoria tem dificuldades de aplicação metodológica: como estudar processos em sociedades alargadas? Como estudar o outro generalizado? Como se estudo uma situação social? Como é que as acções sociais e as situações sociais interagem mutuamente; como se constituem rituais?

Lição 20 – Lugar de George Mead na sociologia norte-americana, segundo Blumer (1)

Várias condenações sumárias têm afastado as teorias de Mead do estudo dos sociólogos: dizem que trata do microssocial, que é psicologia-social, filosofia, que nega a existência de estruturas sociais. Trazê-lo ao convívio dos maiores entre os sociólogos justifica-se pelo modo especial como entende de modo indiscernível a acção individual e de grupo, o que resiste muito bem aos testes empíricos.

Com o self, Mead representa as pessoas que se tornam objectos para si mesmas em interacção com o meio e entre si. O que é muito diferente da psicologia e sociologia tradicionais. Self não é uma coisa ou um facto: é um processo evolutivo ao mesmo tempo da espécie, dos grupos, das sociedades e dos indivíduos, que formam experiências existências em que tudo converge, preparando um futuro previsível e falível, alvo de muita comunicação que, eventualmente, tem consequências práticas imediatas ou mediatas na acção organizada.

As mudanças sociais ocorrem por mudança das relações dos organismos vivos entre si e com o meio, da imaginação gerada pelas conversas interiores entre o outro generalizado e o self em acção. As mudanças ocorrem também pela alteração dos significados das coisas atribuídos pelas sociedades, dando atenção aquilo anteriormente irrelevante ou esquecendo aquilo que já foi importante. A importância de uma situação ou objecto não é intrínseca, é relacional, depende das classificações e das conotações socialmente atribuídas e da sensibilidade de cada um no seu uso.

Cada um, através das conversas interiores, trata de imaginar mudanças eventualmente radicais, para além das possibilidades e desejos realmente implicados na acção prática. A acção pode resultar da transposição dessa imaginação para o campo da acção, sem estimulo exterior. Os actos sociais são coordenados entre várias pessoas. A sociedade é essa acção, e não a mera justaposição passiva de indivíduos.

Mead distinguiu os gestos de conversação (interacção não simbólica, que os animais produzem) e os gestos significantes (interacção simbólica que apenas os seres humanos produzem, além dos gestos de conversação).

Os gestos significante têm o mesmo significado para quem gesticula e a quem os gestos se dirigem. O que permite um rigor de comunicação desconhecido nos outros animais. Refere-se a um significado comum, próprio do outro generalizado: há comunicação verdadeira porque há a construção de selves. E com isso é possível construir estruturas complexas e em rápida transformação, ao contrário do que acontece com as sociedades de insectos.

A maior parte das teorias sociais não reconhecem a existência de processos de interpretação das situações, das sociedades e dos próprios actores, por parte das mentes apoiadas nos selves. O que significa grandes dificuldades para compreender e explicar seja as rotinas seja as transformações dessas rotinas, por vezes drásticas, outras vezes espetaculares mas não conflituais, outras vezes pequenas mas altamente tensionais.

Os actos sociais, a coordenação de acções entre pessoas, ocorrem dependentes das diferentes interpretações que as pessoas fazem das circunstâncias, das regras sociais e das respectivas posições no quadro das sociedades e das regras em vigor. Identificar e compreender o processo de interpretação é fundamental para as ciências sociais, segundo Mead.

Mead identificou diferentes formas de coordenar os actos sociais: negociação, coerção, entusiasmo, carisma, persuasão, e todos acabam num processo de ordem social incorporada, de um modo ignorado ou rejeitado pelas generalidades das outras teorias sociais.

Por fim Blummer compara Mead e as outras teorias sociais em função da organização da cultura, da estrutura social, do sistema social, das trocas, dos conflitos, do poder, dos conflitos de classe, dos indivíduos diferentes da concepção psicológica (parágrafo 44).

Lição 19 -Génese do self e do controlo social (2)

O self é uma característica natural da espécie humana que permite cada ser humano trata-se a si próprio como um objecto, isto é, compreender o papel de cada um dos outros membros da sociedade como se fosse o seu e vivê-lo, potencialmente, à distância ou efectivamente. Ao contrário dos insectos sociais, as pessoas constroem socialmente os papeis sociais e distribuem-nos em função dos seus selves, isto é, dos resultados das sequências encadeadas de interacções que fazem a vida de cada, desde criança.

Um acto social decorre de uma ocasião ou um estimulo que liberta um impulso que faz parte integrante do meio vivo em que o impulso surge, envolvendo a cooperação de mais de um individuo. No córtex acumula-se informação sobre milhões de experiências desse tipo e sobre os prazeres e dores associados, incluindo as atitudes (experimentadas ou sugeridas) mais acertadas que estejam ligadas a tais memórias pro-activas. Cada individuo descobre-se frequentemente a tomar atitudes alheias, que parecem mais adequadas no momento. Cada um tem uma noção do outro generalizado, do modo como as pessoas actuam em certas circunstâncias, independentemente de já terem sido experimentadas pessoalmente ou não.

Em criança, primeiro brinca-se e depois entra-se em jogos. Reconhece-se e faz-se reconhecer as regras e os diferentes papeis que se deduzem dessas regras, de forma criativa. É este último tipo de experiência que fornece a cada um dos seres humanos um self, um conhecimento do outro generalizado orientador da prática. Outro generalizado com que se estabelecem também conversas interiores.

A percepção que temos das coisas é, pois, naturalmente selectiva (limitações da nossa capacidade de atenção) em função das nossas necessidades de acção (para satisfazer instintos básicos, incluindo os de sociabilidade, para além dos fisiológicos). Por isso o self de cada um é também a base da mente que acaba por escolher, entre os diferentes papeis sociais apropriados para cada ocasião aquele que se vai concretizar naquele momento. O controlo social é, pois, um jogo de socialização entre pessoas com longas experiências de os jogar. As pessoas são familiares com a generalidade dos jogos em que se envolvem ou são envolvidas por muitos anos prévios de treinos. Sem que isso evite – ao contrário – a possibilidade de criativamente alterar o seu papel ou o seu lugar do papel do quadro da interacção. É a rotinização de certos modos de interacção que liberta as pessoas para a criação de inovações de comportamento que podem ou não ser depois reproduzidas.

Um vendedor precisa de encontrar um comprador para desempenhar o seu papel. A relação de mercado é sempre a mesma mas é sempre, ao mesmo tempo, singular. Dentro da rotina, as várias interpretações dão o sal e a inovação constante da vida.

Lição 18 -Génese do self e do controlo social (1)

A psicologia do comportamento (behaviorista) tem origem no estudo dos animais e troca o interesse pelos aspectos físicos das espécies pelo estudo dos seus comportamentos. Essa doutrina faz recair sobre os objectos toda a responsabilidade pelo desempenho dos sentidos, ignorando a existência de estados de consciência que influem na percepção das realidades, podendo anular, mas sobretudo distorcer através da leitura mental aquilo que seja o seu exterior (cuja consciência não existiria sem a presença activa do organismo que sente a presença do objecto).

Há uma ambiguidade entre os usos da expressão consciência: estar desperto e estar atento numa certa direcção. Há, neste segundo caso, uma relação activa da consciência que conhece para conhecer, com vista à acção futura a constituir no presente.

Na natureza, o movimento só é perceptível pelo destaque que se realize por contraste com o fundo (que se imagina parado). O ambiente relaciona-se, portanto, com a vida deste modo contrastante. A vida é um processo, de comportamentos, e não uma serie de situações psico-químicas (estados de consciência).

As coisas são trazidas à presença da nossa consciência através de contacto e experiência. E só os selfs têm mentes (só os humanos usam o contacto e a experiência de modo cognitivo). Pois só os humanos constroem e partilham conhecimentos socialmente. As sociedades dificilmente existiram antes da aparição da espécie humana. Pois a sociedade inclui e pressupõe a construção de conhecimentos.

Um acto social será definido como a ocasião ou estímulo que liberta um impulso que se transforma em caracter ou conduta de uma forma que faz parte do meio envolvente da forma de vida que a impulsiona. O acto é um processo vivo de grupo. Como forma e conteúdo, não há distinção entre as partes analíticas. Os selves existem apenas em ambientes de relações entre diversos selves.

Lição 17 - Mead e a crítica da herança de Colley

George H. Mead apresenta o conceito de self, expressão intraduzível para português, que significa aquilo que se desenvolve socialmente nos indivíduos e os liga à vida da espécie (passado, herança, linguagem, valores simbólicos), à sua actualidade (sociedade com os outros seres humanos) e à sua continuidade (sobrevivência, cooperação, criatividade, adaptabilidade).

A estrutura social é construída pela conjugação das actividades humanas de base e só se impõe às pessoas na medida em que elas próprias são a sociedade que se lhes impõe. Sociedade não é uma coisa. É antes uma construção em permanente actualização, criação e degradação.

No texto 9, Mead recorda a contribuição de Colley para a construção do seu próprio pensamento. Modalidade do interaccionismo simbólico. Corrente sociológica que toma atenção às interacções humanas, à natureza humana que as condiciona e impõe, às linguagens, verbais e não verbais, que constituem a herança colectiva e prática – ainda que imaterial – que todas as pessoas comungam e usam para actualizar a vida em sociedade, que é o único modo de vida que a espécie humana conhece.

O self é o resultado da existência de uma mente que representa a pessoa em função da imagem que tem das imagens que os outros fazem de si, incluindo nisso a imagem que a pessoa se faz de si própria e o sentimento que as imagens imaginadas dos outros sobre si provoca: orgulho ou vergonha.  

Colley fez o seu estudo através do método da introspecção objectiva enquanto criava os seus filhos (e se revia neles, como os pais se reveem nos filhos). Mead critica-o por não se interessar por dar um cunho científico ao seu método. A evolução era uma inspiração, mas não acompanhava o debate científico que ela inaugurou na biologia moderna. Esta postura de Colley não lhe permitiu reconhecer o fenómeno corrente de a imaginação (o mundo virtual criado por símbolos e pelas palavras, orais e escritas) ser autónomo e frequentemente contraditório com as práticas de comportamento. A mente e os hábitos são justapostos num mesmo momento mas podem apontar, como o fazem regularmente, em direcções opostas.

Lição 16 - Teoria do conflito criativo e complementar

Darhendorf faz uma crítica a Parsons, em quatro pontos. Para concluir que é necessário ter em conta, também, as teorias do conflito para melhor se realizar a análise social.

O autor diz que há uma influência da tradição utopistas (Platão, Orwell, Hegel, Marx) na teoria social de Parsons que deve ser estripada a favor de um pluralismo mais consentâneo com uma sociedade aberta (por oposição a sociedade autoritária).

Nas utopias nada muda, tudo permanece. Não há história, passado, futuro. Tudo é presente e não há recordações. O consenso é totalitário e os conflitos são abolidos. As sociedades assim inventam raros indivíduos que não se conformam como forma de dar conta da existência de vida. As utopias vivem isolados no espaço e no tempo, como as nações míticas. O mundo exterior representa ameaças e os incómodos são representados como externos. Tais sociedades não existem na prática.

Como é, então possível, a existência, persistência e prestígio de tal teorização? Como será possível substitui-la?

Segundo argumento: o centro de preocupação da teoria social (o equilíbrio, a homeostasia) é fonte de tautologias, em que o individuo é explicado pelo seu papel, as organizações pela sua finalidade, as sociedades pela sua evidência, sem que tal teoria tenha qualquer possibilidade de tratar os problemas reais. A ideia de valores partilhados é contradita pela mera observação de qualquer sociedade. Mas isso não tem obstado ao uso da mesma como estrutura social. O desviante é imaginado como um micróbio: um corpo estranho quando de facto as bactérias são parte integrante dos corpos humanos.

O estudo da família, da escola, do trabalho, torna-se assim o estudo do modo como estas actividades controlam cada ser humano, como explicação para a imobilidade e o conformismo. Um poder manifestamente exagerado para atribuir às estruturas sociais. Estas teorizações esforçam-se por explicar sociedades que nunca existiram.

Terceiro argumento: as críticas de Merton ao Parsons não são suficientes. Ao aceitar a separação entre teorização e investigação, torna a teoria uma filosofia e a investigação ums sociografia. É a curiosidade do investigador, manobrando ao mesmo tempo teoria e investigação, que pode fazer avançar o conhecimento sobre os problemas sociais. Problemas que envolvem conflitos, sistematicamente evitados pelos trabalhos dos sociólogos.

Os problemas sociais são deixados aos políticos e gestores para serem eles a tratar deles, reconhecendo-lhes, implicitamente, poder para tal, quando isso não é certo. Muitas vezes os problemas são criados por quem tem poder.

Quarto argumento: a solução não é criar um modelo teórico utópico alternativo e totalitário. A solução é admitir o estudo e as teorias do conflito como dinâmicas criativas, como parte integrante dos estudos sociais. Teorias do conflito complementares às teorias do equilíbrio.

Lição 15 - Conflito é funcional para a estrutura social

Coser critica o divórcio da teoria dominante (estrutural-funcionalista) dos "factos", dos "dados", do trabalho de investigação de campo. Culpa esse divórcio de impedir a acumulação de conhecimentos e a continuidade das discussões sobre o que se sabe e o que não se sabe. Tudo porque se quer evitar, contra o bom senso, reconhecer a existência de conflitos por toda a parte, como forma comum de sociabilidade.

Na Introdução, o autor argumenta em quatro pontos: a) os primeiros sociólogos norte-americanos eram reformadores e escreviam para um público reformista, que procurava novas formas de organização social mais capazes de satisfazer as necessidades das pessoas. O conflito era entendido como necessário, inevitável e útil ao progresso. Ele apontava os problemas de estrutura social que requeriam ser corrigidos; b) os sociólogos contemporâneos tem por público estudantes e gestores profissionais. Tratam de aduzir ajustamentos capazes de minimizar problemas. Não tomam atenção aos conflitos produzidos pelas estruturas sociais de forma sistemática e permanente. Parsons, por exemplo, usa expressões como tensões ou stress mas não fala de conflito. Segue Durkheim na procura da ordem e ignora Weber quando este entende os conflitos sociais como parte da vida social. Para Parsons, o conflito é uma doença, para Merton uma disfunção. Outros pensam ser um problema mental dos desviantes, falta de comunicação entre partes da sociedade, limite à colaboração, sempre com conotação negativa. Contemporaneamente, evitar os conflitos é visto como uma competência social e psicológica útil; c) as oportunidades de emprego criadas pela adopção de políticas sociais nos EUA nos anos 40 e seguintes tornaram os sociólogos dependentes das finalidades dos estudos encomendadas pelos seus clientes, estado ou empresas: como manter os arranjos organizativos de quem lhes pagava? À sociologia aplicada, ao desaparecimento do público interessado em reformas estruturais da sociedade, aos interesses dos financiadores, juntou-se também a censura do machartismo (a caça às bruxas comunistas dos anos cinquenta nos EUA). Os sociólogos tornaram-se especialistas em relações humanas, para evitar problemas; d) as teorias interaccionistas de Simmel sobre o conflito são uma forma de sair do bloqueio. O conflito é uma forma de socialização, que pode desempenhar papeis positivos e negativos, inclusive ao mesmo tempo. Pode, pois, não ser disfuncional e ser mesmo essencial à organização das sociedades.

Na Conclusão, o autor argumenta que o conflito pode ser indispensável para dar identidade e definir as fronteiras dos grupos de sociabilidade. O impacto dos conflitos depende, em larga medida, das estruturas sociais serem ou não flexíveis, tolerantes, ao conflito. Os grupos, as organizações, as pessoas, são mais ou menos tolerantes ao conflito em cada circunstância. Em geral, o conflito não põe em causa a existência de nada. É apenas uma expressão de vitalidade. As sociedades devem aprender a dar liberdade à expressão dos conflitos e a serem capazes de identificar e corrigir os efeitos de estrutura que provocam ou alimentam conflitos. A estruturação da sociedade, a sua diferenciação, faz-se também, naturalmente, através de conflitos.

Há conflitos realistas, fundados em contradições de interesses, e há conflitos irrealistas, que servem apenas para aliviar as tensões acumuladas e logo desaparecem as causas do conflito. O que ameaça as estruturas sociais não é o conflito. É a rigidez das estruturas das sociedades.

Lição 14 - Correcção do teste

Lição 13 - Teste treino

Lição 12 - As funções do conflito social

No prefácio e na introdução do livro de Coser, o autor queixa-se da falta de respeito das análises sociais pelos factos ou pelas teorias, alternadamente por teoricistas e empiristas. Queixa-se ainda da falta de continuidade e de acumulação nos conhecimentos. Em particular, o conflito praticamente não é tratado, embora seja central na vida social.

Quando se pensa em conflito costuma pensar-se em guerras ou formas de eliminação sumária de inimigos ou adversários. O que interessa à análise social será mais as funções sociais do conflito, os seus aspectos construtivos, do que as disfunções ou aspectos destrutivos. Pode, por exemplo, contribuir para a manutenção das fronteiras dos grupos sociais, permitindo-lhes desenvolver identidades próprias ou prevenir o abandono do grupo, enfraquecendo-o.

A introdução faz 4 argumentos: I - o conflito não se opõe a cooperação; pelo contrário, o conflito estabelece a ordem vigente, quem está dentro e quem está fora, quem está acima e abaixo; II – há uma obsessão da sociologia em traduzir conflito por disfunção, perturbação da ordem, doença a tratar, tensão, stress, desvio, problemas mentais, dificuldades de comunicação ou de organização, a merecer atenção terapêutica. Implicitamente há uma discriminação reforçada contra as pessoas e grupos que funcionam de modo diferente das pessoas normais, dominantes e uma reacção emocional em defesa destas últimas, como se fossem elas as vítimas da situação; III – os auditórios do século XIX interessados em pensar a questão social, a revolução, tornaram-se escassos e foram substituídos, para os sociólogos, por estudantes e procura profissional de ajuda nas organizações e no combate à pobreza financiadas pelos estados e por empresas, cuja imagem querem ver dissociada do conflito, por razões políticas, comerciais e organizacionais. Os trabalhadores sociais, peritos de saúde mental, educadores, administradores, melhor sucedidos não querem tratar de reformas sociais mas servir para resolver problemas. IV – O interaccionismo de Simmel para explicar o conflito deve ser complexificado: o conflito é uma forma de socialização. A ideia de que o conflito deita abaixo o que está construído é uma falsa concepção. Ele é essencial para a formação e persistência de grupos.

Lição 11 - Paradigma da análise funcional deve desencobrir funções latentes

Merton comenta Parsons e a sua ideia de fazer a unidade dos sociólogos em torno do estrutural funcionalismo dizendo que embora a análise funcional seja predominante isso não assegura o valor científico da mesma (p.114). A sorte da biologia não pode ser alegada como razão de sucesso nas ciências sociais. A estabilidade do organismo biológico exige do fisiologista explicações de como essa estabilidade é produzida. Para a sociologia são os valores e as finalidades das organizações que cumprem o papel da fisiologia (p.116). Finalidades que podem ser reconhecidas pelos agentes sociais entrevistados – funções manifestas – mas podem também não o ser, por exemplo, porque as pessoas as escondem ou porque as pessoas não as conhecem – funções latentes, que os investigadores sociais devem aprender a descobrir.

Uma coisa são as intenções e os planos das pessoas e organizações, outra coisa são as práticas efectivas, independentemente das representações que delas fazem as pessoas e as sociedades.

O paradigma da análise funcional serve para orientar os sociólogos para os ajudar a fazer as perguntas pertinentes e, portanto, a procurarem respostas a essas perguntas, independentemente daquilo que é manifestado pela sociedade e pelos seus actores. Por exemplo, quando se verifica a existências de modas (práticas dominantes) deve ter-se em atenção as práticas minoritárias, mesmo que estas sejam excluídas, escamoteadas, reprimidas (p.124). As descrições empíricas, portanto, devem estar atentas sobre qual seja o padrão dominante e os padrões alternativos de comportamentos e interpretar o diversos significados atribuídos e latentes desses comportamentos (p.125). Há um quarto tipo de observação a fazer das subjectividades presentes (quem manifesta conformidade e porquê e quem manifesta dissidência e porquê), sem confundir isso com as análises dos itens anteriores (p.126).

Os rituais sociais têm associados a mitos que dificultam a análise funcional, na medida em que remetem para mundos imaginários aquilo que a sociologia quer referir ao concreto observável (p.131). As funções manifestas, as intenções e as motivações das pessoas, podem ser muito distantes das funções latentes descobertas pelo investigador. É um modo de elevar a discussão de um plano prático a um plano teórico (p.132). É um modo de romper com o senso comum (p.135) independentemente da moralidade socialmente dominante (p.138).

Para além da caracterização geral da sociedade, a análise funcional deve prestar atenção aos grupos que integram a sociedade e podem ter trajectos, projectos, valores, diferentes dos mais comuns e, por isso, esconder essas características para chamar menos a atenção (p.139). Por exemplo, os trabalhadores sociais confrontam-se com a necessidade de ajudar pessoas marginais. Mas, para a análise, não basta descrever que há ajuda. É preciso também estudar o modo como essa ajuda é prestada e as funções sociais que efectivamente cobrem, como a produção ou reforço da estigmatização, independentemente daquilo que é explicitamente avançado pelas organizações e pelos profissionais do auxílio (p. 141-142). O mesmo a respeito dos apoios económicos ao desenvolvimento prestados a amigos do regime ou por funcionários com capacidade de decisão ou por caciques (p.143), ao mesmo tempo que se pede às pessoas para trabalhar sem condições de obterem os resultados que lhes são atribuídos (p. 145). A quase identidade entre negócios legítimos e ilegítimos exige do sociólogo um distanciamento dos valores morais dominantes, de modo a poder entender qual as funcionalidades sociais da existência dessas actividades, independentemente das auto-justificações (p. 148).

Lição 10 - Análise funcional, segundo Merton: o método

Merton não discorda da proposta teórica de Parsons, na qual se baseia para fazer as suas próprias investigações. Do que se queixa é de o seu professor não se preocupar com os ajustamentos que as teorias terão que fazer para corresponder às necessidades de explicação e compreensão das realidades reflectidas nos dados empíricos produzidos por métodos sociológicos fiáveis e auditáveis. Queixa-se de Parsons acreditar que todos os sociólogos aceitarão trabalhar sob as orientações da grande teoria estrutural-funcionalista, quando há os que escolhem partir de outras grandes teorias, como o marxismo, e a maioria dos sociólogos trabalha teorias de médio alcance, sem preocupação de enquadramento numa ou noutra grande teoria.

Merton troca a questão de respeitar a grande teoria pela questão de encontrar um método ajustado à realização da melhor maneira da articulação entre a teoria (de médio alcance) e os dados (produzidos pela investigação).

É fácil partir do princípio (como fazem os eminentes funcionalistas citados por Merton) as práticas culturais existem por que são funcionais para o sistema, no seu todo, que todas elas correspondem a funções sociológicas e que, por isso, são indispensáveis. Tal como os órgãos vitais num corpo vivo, as funções culturais-sociais são representadas como necessárias e indispensáveis, sem as quais a evolução não teria permitido a existência de tais experiências. Mas até os organismos vivos têm partes que são dispensáveis e inúteis. Também numa sociedade isso acontece, diz Merton, criticando a rigidez da análise funcionalista de que dá exemplos.

O grau de integração de um sistema é uma questão empírica, a verificar através dos métodos, e não pode ser presumida à partida, alega. Sobretudo nas sociedades complexas. A religião, geralmente imaginada como forma de unificação das pessoas, das organizações, característica homogénea de sociedades, afinal, observada de perto, é razão e causa de grandes lutas intestinas dentro das igrejas e nas sociedades, como as conduzidas pela Inquisição, incluindo longas guerras.

Existem actividades disfuncionais, isto é, que tendem a dispersar a sociedade em vez de a agregar. A sociedade resiste a algum nível de actividades desse tipo. O que conta não é que tudo quanto seja feito seja a favor do todo. O que conta para assegurar a possibilidade de existência de uma sociedade, em termos de evolução, é que no computo geral, no balanço, as actividades de conformidade com as necessidades gerais do sistema seja positiva, seja capaz de compensar as actividades negativas para a unidade do todo.

Nenhuma actividade cultural-social é indispensável, por muito sensível e central que seja. Há sempre alternativas funcionais, equivalentes funcionais, substitutos funcionais, redundância de funções que são cumpridas de diferentes formas alheias umas às outras. Se por acaso uma função deixa de ser cumprida de uma certa maneira, logo outra forma de cumprir essa necessidade social ocupa o lugar vago, eventualmente em consequência de lutas e disputas de posição levadas a cabo entre diferentes grupos sociais.

Merton reconhece que a maioria dos sociólogos e antropólogos que usam a análise funcional são conservadores. Porém alega que isso é opção do investigador, não está inscrito na análise funcional. Dá exemplos de usos ideologicamente radicais da análise funcional. O que significa que enquanto método, a análise funcional é ideologicamente neutra. Depois cabe a cada investigador dar valor aos resultados alcançados, preferindo dizer que a garrafa está meio cheia ou meio vazia.

Lição 9 - Sistema social, segundo Parsons (cont) estrutura e dinâmicas sociais

Para interpretar Parsons e a sua teoria ajuda ter em mente o que era a sociedade norte-americana da sua época. Era uma sociedade tornada independente do rei de Inglaterra através da Revolução Americana, organizada pelos empresários coloniais mais importantes aliados entre si na ideia de deixar de pagar impostos à Coroa. A ideologia da nação nasceu com eles (We the people) excluindo, naturalmente, indígenas, escravos, trabalhadores, mulheres, etc. Fazer parte da nação, tornar-se nacional norte-americano, cidadão, passou a ser uma honra e um privilégio. Equiparado a ser branco e empresário livre, segundo o modelo da revolução, reflectido na constituição que Parsons refere como um dos elementos principais da estrutura social. A estrutura social são os valores que fazem a unidade da sociedade e que são alvo de funções de manutenção perante os avanços de imigrantes trabalhadores, cada um de sua nação, que durante grande parte do século XX demandaram os EUA para refazerem a vida. Essa finalidade de manutenção de valores (padrões) passa pela reserva da nacionalidade norte-americana àqueles que juram respeitá-los, depois de passarem provas administrativas para esse efeito. Uma dessas provas é estarem integrados em projectos laborais dirigidos a objectivos – segunda função social – isto é, estarem a trabalhar nalguma organização legal. As outras duas funções dos sistemas sociais, as mais importantes, as mais tipicamente sociais, são, para Parsons, a integração (a capacidade/vontade/motivação) do candidato a cidadão e as funções de controlo social por parte do estado e da sociedade para conter as tendências dispersivas ou contraditórias com os valores padrão.

As dinâmicas sociais são o resultado do confronto da acção individual de procurar emprego e dos lugares na sociedade onde tais espaços sejam produzidos pelas estruturas (postos de trabalho), onde as capacidades laborais encontram as oportunidades de emprego, onde as pessoas a integrar socialmente encontram papeis sociais desenhados por cima a que devem adaptar-se, sujeitando-se ao mesmo tempo ao controlo dos seus empregadores e dos resultados práticos dos respectivos desempenhos. Os sistemas sociais mudam, claro, à medida que novas gerações vão entrando no mercado de trabalho e nos EUA. Cada pessoas interpreta o seu papel à sua maneira e de acordo com as capacidades culturais que transporta. Mas os padrões culturais gerais persistem naquilo que é essencial, como é o caso da Constituição, a mesma desde a Revolução.

Lição 8 - Sistema social, segundo Parsons: requisitos funcionais

Ao contrário do texto de Merton estudado na última aula, que tem um resumo do que ficou dito antes, quase no fim do texto, o texto 5 de Parsons An Outline of the Social System, um esboço do conceito de sistema social, começa por nos fazer um resumo denso de uma página do que é um sistema social.

O autor foi estudar alguns dos melhores autores da sociologia e verificar que sentido dão e que variáveis usam para definir os sistemas sociais. O que apresenta é um apanhado daquilo que lhe foi possível sintetizar. Faltando integrar aquilo que mais atentamente se poderá descobrir nesses mesmos autores e aquilo que outros autores poderão acrescentar. É isso que Parsons considera ser o trabalho teórico. E espera, desse modo, disponibilizar aos sociólogos os melhores instrumentos já descobertos para tratar com os problemas da análise e explicação sociológicas.

A classificação de requisitos funcionais, os processos de controlo, a acção (personalidades e culturas), as fronteiras dos sistemas sociais, são elementos analíticos que pressupõem uma relação não directa entre os sistemas sociais e o meio ambiente. Sistemas compostos por subsistemas discrimináveis em quatro categorias de funções primárias de controlo: manutenção de padrões, integração, prosseguir valores e adaptação. Os padrões estão e são institucionalizados através de normas culturais diferenciadas horizontalmente organizadas por níveis, verticalmente.

Há análises morfológicas e de dinâmicas das estruturas, distinguindo a procura de equilíbrios e a procura de mudanças. Nomeadamente através de mecanismos de troca, como o dinheiro.

Este tipo de análise partiu dos conceitos de integração de Durkheim, de cultura de Weber e de personalidade de Freud.

Lição 7 - Argumentos a favor e contra as teorias de médio alcance

A leitura de textos de estudo deve ser repetida. Porque há que compatibilizar os detalhes importantes de alguns argumentos e uma leitura geral do argumento principal. Para isso a ajuda dos subtítulos é útil. Útil para rememorar conteúdos da leitura detalhada e também para oferecer a possibilidade de uma visão rápida do argumento principal.

O texto de Merton "Sobre as teorias de médio alcance" trata de uma apresentação do valor de um certo modo de entender o trabalho sociológico por contraste com o trabalho de construção de sistemas teóricos totais. Como forma de resistência às pressões utilitárias que pedem da jovem sociologia aquilo que ela não pode dar, as teorias de médio alcance são mais capazes de identificar as limitações actuais da sociologia. Ao mesmo tempo, para dentro da sociologia, as teorias de médio alcance estarão em melhores condições de evitar as divisões estanques entre trabalhos ambiciosos de sociólogos carismáticos que não dialogam entre si. Teorias de médio alcance que, todavia, não podem escapar à polarização que caracteriza a sociologia, em grande medida imposta por lutas de status académicos, eventualmente à margem de argumentos cognitivos.

A prática das teorias de médio alcance não foi inventada por Merton. Ele limitou-se a chamar a atenção de um procedimento usado por Platão, Francis Bacon, Stuart Mill, mas também Durkheim e Weber.  A discussão sobre o valor desse tipo de trabalho instalou-se nos anos 40 até aos anos 70, em função do crescimento das escolas de sociologia e da maior extensão de produção sociológica e de número de sociólogos durante esse período.

Os argumentos a favor e contra foram sendo esgrimidos. Uma das grandes vantagens das teorias de médio alcance é estarem em boa posição para construir pontes entre sociólogos dedicados a estudar assuntos semelhantes. Mutuamente, podem consolidar entre si as melhores opções teóricas para explicar os fenómenos em estudo, e depois dialogar também com as grandes teorias, confirmando ou não o seu valor explicativo.

Lição 6 - Utilidade e autonomia das teorias sociais

No prefácio da edição de 1957 do livro de Robert Merton sobre Teoria e Estrutura, o autor refere a importância das condições de trabalho sociológico colegial em Harvard, nos anos 30. Foi o que lhe permitiu conviver e discutir como estudante da licenciatura com o professor mais qualificado, sem intermediações. E, portanto, sentir-se capaz e à vontade para concordar e discordar do seu mestre, em particular opondo as "teorias de médio alcance" à "teoria" defendida por Parsons como sendo a base da unidade dos trabalhos dos sociólogos, com vista a construírem conjuntamente uma ciência madura.

Merton nota como as ciências naturais não falam de teoria da física ou teoria da química, equivalentes das teorias sociais. Referem teorias especiais, como a sociologia também deveria criar, como teorias de grupos de referência, da mobilidade social, dos conflitos de desempenho de papeis, de formação de normas sociais, etc. Estas teorias dirigidas a fenómenos sociais, e não a autores ou a integrar grandes teorias gerais, admitem contribuições de várias correntes teóricas, como as marxistas, as funcionalistas, as teorias da acção, as comportamentalistas, etc. Os testes de validade das melhores contribuições das diversas correntes e escolas de sociologia deveriam convergir e cooperar em torno de problemas teóricos práticos (como descrever bem cada um dos fenómenos sociais em apreço) em vez de só divergirem nas suas orientações gerais.

"A teoria de médio alcance não se preocupa com a generalização histórica (…) mas com o problema analítico de identificar mecanismos sociais que produzem maior grau de ordem e são capazes de evitar grande número de conflitos (…)" (Pg.57).

Os sistema totais de teoria unificada em que a maior parte dos aspectos do comportamento já estão preordenados e servem para orientar os investigadores, é "uma crença prematura e apocalíptica. Não estamos preparados" (Pg.57-58). A sociologia destaca-se da filosofia mas fá-lo ainda de forma não científica (que seria dividir-se em termos de especializações): fá-lo opondo grandes sistemas de autor entre si, como na filosofia. Perdendo a vantagem da ciência que é tratar de um problema de cada vez.

Na sociologia mantém-se equívocos sobre o que é a ciências: a) não é possível organizar sistemas de pensamento sem haver, primeiro, grande número de informações empíricas fiáveis; b) a pretensão científica não resolve o problema da acumulação organizacional e de pensamento amadurecidas pelo tempo, bastante mais longo na física do que na sociologia; c) os físicos, apesar das suas vantagens variadas, ainda não conseguiram produzir um sistema unificado de explicação e interpretação do mundo: como poderia a sociologia prevê-lo, quase à partida?

Isso poderá acontecer pela pressão utilitária sobre os departamentos de sociologia, que não estão em condições de responder às solicitações como "não se sabe" e, por isso, procuram responder a "todas as perguntas" (Pg.61). É preciso reconhecer que a sociologia está mal equipada para sugerir soluções para os problemas do mundo, como a exploração, a miséria, a guerra. O que não quer dizer que os sociólogos não devam ocupar-se desses problemas urgentes. Mas com a autonomia que não inviabilize o próprio trabalho de pesquisa com teorias pré-fabricadas à revelia da investigação.

Lição 5 - Construir a unidade dos sociólogos a partir do trabalho de campo

Robert Merton foi discípulo de Parsons e é a segunda figura do estrutural-funcionalismo. O artigo "Discussion", publicado em 1948 imediatamente a seguir ao texto de Parsons que Merton contesta, revela as divergências entre os dois, mas também os seus acordos.

Estão de acordo na vantagem de organizar uma discussão teórica. Porém, enquanto Parsons a entende como condição prévia para o desempenho do trabalho de investigação, Merton, ao invés, argumenta não haver ainda suficiente material empírico levantado para dar suporte a discussões teóricas fundamentadas e produtivas. Parsons aposta na construção de uma teoria de sistemas estruturados e funcionais unificada para toda a sociologia, mas Merton duvida da viabilidade de tal empreendimento. Há outras teorias gerais igualmente conhecidas e praticadas por diversos sociólogos que, tal como a proposta de Parsons, também dão conta de aspectos úteis das análises sociais (exemplifica com os papeis sociais e os grupos de status, por entender serem concepções reconhecidas e inscritas em muitas ou todas as principais referências teóricas não parsonianas usadas por sociólogos).

Merton insiste que não há propriamente uma divergência de fundo entre os dois: ambos adoptam o estrutural-funcionalismo como melhor modo de organizar a grande teoria social. A diferença é que Merton, face à avaliação que faz dos recursos existentes ao tempo, não prevê possibilidades de êxito para uma estratégia de unificação superior da teoria numa única referência – a teoria dos sistemas de Parsons – por falta de matéria prima (trabalho empírico que sustente a discussão teórica) e por não ser possível ou desejável forçar consensos com sociólogos que adoptam apriori outras grandes teorias para os guiar na investigação.

Tacticamente, pois, Merton propõe uma estratégia de unidade em torno das teorias de médio alcance. Cada sociólogo seria convidado a desenvolver teorias sobre fenómenos que encontrasse e pudesse dar atenção, nomeadamente construir dados sobre eles. Nesse trabalho deveria ter em atenção, na medida do possível, as grandes propostas teóricas já presentes e verificar o modo como cada contribuição se adapta a cada uma delas. Não há, pois, ao contrário do que imaginou Parsons, nenhuma teoria, no singular. Mesmo no campo mais raro das grandes teorias há várias em concorrência, susceptíveis de dar conta, à sua maneira, de fenómenos tratados por teorias de médio alcance.

Uma aluna colocou o problema: como podemos escolher a melhor orientação teórica a seguir para trabalhar? Eis um problema ao qual Merton não responde, pois não o coloca. Merton alinha com Parsons no estrutural-funcionalismo, e não no marxismo ou noutra orientação teórica. Como ele escolheu? Não trata disso. Talvez pelo facto de ter sido aluno de Parsons. Pelo efeito de escola.

Na prática, esse efeito de escola ocorre quando estudamos e em função do poder de influência dos professores dominantes nela. O facto de estudarmos numa escola não quer dizer que não tenhamos ideias prévias ou tenhamos que nos manter fiéis a ideias antigas ou novas. Pode acontecer estudar numa escola e transitar para outra, seja profissionalmente (como acontece frequentemente nas universidades dos países com tradições de mobilidade inter universitária) seja usando-as como referência para fins profissionais.

Quando acontece a profissionalização, cada sociólogo/a confronta-se com os usos habituais e dominantes no seu campo de especialização. É normal que aprenda a profissão on job e, por isso, adopte, ao menos inicialmente, o tipo de orientações em uso. Podendo, claro, ter previamente ou desenvolver posteriormente alguma noção crítica sobre para que servem tais usos ou podendo igualmente produzir, em função da sua experiência, formas de entender o campo de especialização de formas inovadoras.

Lição 4. A unidade dos sociólogos

Talcott Parsons é a referência central da sociologia norte-americana entre guerras e no pós-guerra. A sua formação base é em biologia. Mas viaja pela Europa a estudar as teorias sociais. Traduza Durkheim e Max Weber para inglês e com base nesses estudos e na teoria de sistemas, pensada como uma espécie de matemática com base na qual as ciências sociais poderiam tornar-se ciências maduras, como a biologia já o era.

No pós-guerra, em 1947, escreve um artigo para a revista da associação dos sociólogos norte-americanos a propor um meio de organizar trabalho colaborativo entre todos os sociólogos, com vista à finalidade de criar uma ciência. A ideia era construir teorias articuladas e comunicantes entre si através da teoria de sistemas: cada sistema teria, por definição, uma estrutura e funções diferenciadas, como um organismo vivo que era. Alguma coisa poderia funcionar como esqueleto – aquilo que era mais estável, como as instituições ou as organizações que duram durante várias gerações – e a mesma coisa também poderia funcionar como função. Instituições e organizações só existiriam porque serviriam alguma finalidade para a manutenção das sociedades e das pessoas que nela vivem. Constituir-se-iam em subsistemas. Sistemas e subsistemas, como os organismos vivos e os seus órgãos, são demarcados por fronteiras. No caso das sociedades, fronteiras políticas e/ou arquitectónicas.

Caberia aos sociólogos elaborarem esta matemática/teoria de sistemas em função dos seus objectos de estudos de modo a participarem, assim, na construção de uma ciência adulta, capaz de descrever e prever ou até desenhar a evolução das sociedades.

Lição 3. A importância dos clássicos

Alexander faz uma apresentação do problema de saber como e porquê as ciências sociais são diferentes das ciências naturais. Fá-lo recorrendo a outros autores que pensaram o assunto e citando-os como forma de contributo para uma discussão. E também para mostrar como nessa discussão as referências fixas em autores de autoridade geralmente reconhecida, privilegiados a quem não se reclama demonstrações do que dizem, servem de cola intelectual entre praticantes da nossa disciplina.

Lição 2. Apresentação da organização do curso

O curso funcionará em torno dos cadernos de textos que serão usados para a cadeira e que podem ser comprados na casa de fotocópias. Esses cadernos devem ser estudados e serão usados para os testes.

Fez-se a apresentação do site do curso, do programa, da avaliação e do tipo de trabalho durante a semana e nas aulas. Os sumários alargados estarão disponíveis no site e as aulas serão a preparação dos testes. Isto é, a leitura orientada para objectivos de compreensão de problemas, conceitos e concepções de sociedade avançados pelos diferentes autores (de que os alunos deverão ter uma ideia antes de chegar às aulas, nomeadamente lendo os textos e as indicações curriculares de cada autor).

As leituras serão acompanhadas pelo enquadramento das concepções teóricas e metodológicas dois principais autores estudados na cadeia do 1º semestre. Marx, Durkheim e Weber. Pois estas referências são usadas actualmente pelos inovadores da teoria social. Embora a atenção no pormenor das concepções particulares das duas escolas principais (estrutural-funcionalista e crítica) e das outras (teorias do conflito e interaccionismo simbólico) seja o que nos vai ocupar durante as aulas e para os testes.

Cada estudante fica especialmente encarregado de ler um texto antes da aula em que ele vai ser estudado, incluindo uma caracterização do percurso intelectual do autor que encontra aqui.  

 

Lição 1. Apresentação do docente e da cadeira

As teorias sociais são sedutoras mas limitadas ou até enganosas. Por isso é preciso escrever tantas páginas para tentar deixar uma ideia no leitor, de modo a que este a possa usar de forma científica, isto é, que cada um conhecedor das teorias as possa aplicar numa qualquer tecnologia social (prática) fundada intencionalmente no conhecimento.

O modo de aplicar as teorias sociais não é evidente. Por isso há muita gente, incluindo sociólogos, a perguntar para que serve isso. E há mesmo quem entenda não haver sequer sociedade, e, portanto, não poder haver conhecimento sobre algo que não existe.

Esta unidade curricular é uma parte da fileira de teorias sociológicas. Pedagogicamente é usada para que os estudantes aprendam a estudar os textos de modo intensivo, para tirar deles o maior proveito, isto é, tendo em conta a época, a posição do autor no seio das ciências sociais, o assunto a que se refere, os argumentos usados e os que não são usados.

As leituras feitas no quadro da formação como sociólogo são também leituras emocionais: é por termos todos lido estes textos que nos tornamos sociológicos, somos capazes de falar uns com os outros com base nessa experiência comum, e nos tornamos diferentes dos outros seres humanos. Isso tornar-se-á um problema: somos menos que os economistas ou engenheiros? Somos mais que os assistentes sociais ou carpinteiros? Somos menos do que os autores que lemos e com quem aprendemos? Somos mais do que os colegas que desistiram de continuar o curso ou se sentiram mal com as teorias sociológicas?

Uma forma de encarar a cadeira é como uma experiência de trabalho intelectual, concentrado na leitura e interpretação, sabendo que esta última depende de factores exteriores ao texto acima assinalados e cujo conhecimento é polémico e controverso: por exemplo, a modernidade é progressiva ou regressiva? A enorme potencia tecnológica tem favorecido a qualidade de vida das pessoas (todas?) ou tem levantado mais obstáculos à vida (extinção de muitas espécies e degradação do meio ambiente)? Esta cadeira é apenas uma peça na formação dos estudantes. Cuja solidez depende também do trabalho que se conseguir desenvolver em conjunto e da capacidade de cada um se distanciar das ilusões e emoções implicadas nos saberes adquiridos.


Sumários 2017


Testes dia

22 de Abril

segundo teste aguarda marcação de data

 

Quem é o autor? Que época viveu? Que pretende com o texto que escreveu? A quem se opõe ele? Estudar as referências completas do texto em análise. TAREFAS PERMANENTES, PRÉVIAS E POSTERIORES A QUALQUER LEITURA

Lição 24 - Jürgen Habermas “Tendências da Juridicização”

Habermas distingue a esfera da experiência das esferas da economia e do estado, que actuam através de media monetários e burocráticos sobre a primeira, interferindo com a sua reprodução simbólica.

O autor acompanha o estrutural funcionalismo mas enfatiza sobretudo as relações inter subsistemas. De que é exemplo a juridicização (a introdução de normas e poderes jurídicos) na família e na escola, para explicar os limites da colonização da esfera da experiência e a resistência da comunicação e dos consensos a tais intromissões.

Habermas descreve o modo como o direito se tem expandido e densificado ao longo dos últimos séculos, conforme o absolutismo (estado burguês) foi criado e depois substituído por um estado de direito, por um estado de direito democrático (com a revolução francesa) e por um estado de direito social e democrático (com o Estado Providência).

Primeiro com a criação do direito privado, contratual, com base na propriedade para fins comerciais (igualdade formal e segurança jurídica), limitando a soberania da autoridade burocraticamente organizada. Estado burguês. A esfera da experiência define-se pela negativa, tanto a família como as populações sem direitos.

O estado de direito garante direitos subjectivos públicos como garantias de vida, liberdade e propriedade, sob forma constitucional. Há uma partilha de soberania com os cidadãos. Isto é, burgueses com meios de defesa.

O estado de direito democrático é o referido por Rousseau ou Kant, em que o direito natural, para todos, como a liberdade, é reconhecido. Ao mesmo tempo que se estabelecem os direitos políticos iguais entre os cidadãos na definição da vontade soberana. Para o que foi preciso a jurisdicização do processo de legitimação das decisões, através do voto e liberdade de associação. Ao mesmo tempo que se diferenciou os poderes legislativo, executivo e jurisdicional.

O estado social é uma outra extensão da jurisdicialização, agora dirigida aos trabalhadores.

As intervenções do estado e do direito na esfera da experiência são contraditórias, na medida em que ao tutelar direitos requer a sua avaliação institucional. E esta é falha quanto à apreciação correcta e oportuna de situações na prática desconhecidas pelos magistrados. Obrigados a tomar decisões sem condições de assegurar direitos efectivos. Por outro lado, as prestações sociais em dinheiro não correspondem às necessidades relacionais que causam os problemas sociais a tratar. A burocratização e a monetarização da esfera da experiência tem efeitos de favorecer a desintegração dos relacionamentos sociais.

A história do direito moderno regista, a partir da 3ª fase, uma “inversão da garantia para a confiscação das liberdades” através do papel do eleitor e das elites que fazem mediação. Noutro aspecto mais social, a norma pode ser entendida de forma positiva, abstracta, formal, ou em função da sua justificação material. No direito económico, comercial, empresarial e administrativo, além do poder e do dinheiro, o direito é mais um medium. Mas mantem o seu caracter institucional, o carácter de princípios irredutíveis aos procedimentos – como o direito constitucional ou penal. É nesse aspecto que não basta assegurar a legalidade: é também preciso justificações materiais que ligam à esfera da experiência.

Direito como medium de sistemas formalmente organizados e direito como instituição da esfera da experiência sem força constitutiva, apenas com função reguladora, consuetudinária.

Com o estado social o direito como medium passa a intervir também na esfera da experiência para regular situações de carência. As instituições do direito apenas funcionam enquanto medium, colonizando assim o estado e a economia a esfera da experiência. Para favorecer a liberdade, restringe a liberdade. Tese da colonização interna. Que se generaliza ao meio ambiente, lazer, cultura, turismo, etc. com efeitos negativos na família e na escola, por exemplo.

Lição 23 - Herbert Marcuse e a sociedade sem oposição política

O homem unidimensional refere-se à realização do prelúdio de uma sociedade sem classes, prevista por Marx, quando a luta de classes fosse substituída pela história da humanidade verdadeira, livre. Refere-se ainda à sua incapacidade de entender ou vislumbrar como essa sociedade sem classes se realizará mesmo, já que a igualdade de todas as classes perante as tecnologias totalizantes e as necessidades básicas satisfeitas de todos não deixam espaço à imaginação. Incapacidade do homem unidimensional, das sociedades do seu (nosso?) tempo.

Marcuse compara o capitalismo da livre iniciativa dos cabos de indústria, do século XIX, que trabalhavam e exploravam a miséria humana dos trabalhadores e o acesso à natureza, através da propriedade, com as possibilidades de, dos dois lados da Guerra (Segunda Grande Guerra e Guerra Fria), se organizar a distribuição de bens essenciais e, ao mesmo tempo, a acumulação de meios de destruição total.

A liberdade republicana de prosseguir os interesses-valores de cada um sobre como deve ser a sociedade encontra-se actualmente impossibilitada, nos países desenvolvidos, capitalistas ou socialistas, pelo peso esmagador dos grandes sistemas tecnológicos (como os dos sectores automóvel ou alimentar, centrados no petróleo e no trigo) contra os quais é irracional lutar – por interesse individual de cada um dos beneficiários, reais ou potenciais. A sociedade nem sequer consegue compreender a oposição de quem queira outros modos de transportar ou produzir alimentos quando o capital e o tempo necessários (para não falar da imaginação) imporiam aos novos criadores a gestão de um interregno de tempo em que todos teríamos de sofrer as amarguras da experiência (como aconteceu no Grande Salto em Frente ou na Revolução Cultura, na China de Mao Zedong).  

A antiga Razão crítica capitalista, na base do progresso, esbarra com as conquistas das tecnologias industriais de escala global, anti-sociais e contra-natura. A irracionalidade tornou-se racional, na medida em que para cada um é razoável e irrecusável aceitar e defender o status quo contra o espectro da fome e da violência, cuja distribuição está nas mãos de quem domina a situação e a não quer alterar. Cada um, na sua intimidade ocupada pela publicidade televisiva (e internet), não vislumbra nem quer vislumbrar a possibilidade de outros mundos mais amigos da sociedade e da natureza precisamente com medo do período de transição e porque a vida virtual, da imaginação, pode ser rica e independente dos comportamentos. Basta esperar pela distribuição dos produtos que satisfarão, no imediato, os desejos mais subversivos – como o respeito pela dignidade dos trabalhadores ou até dos animais.

O totalitarismo actual não decorre de ditadores, mas de existência de razoáveis soluções técnicas para todas as questões, materiais ou sociais, mercantis ou institucionais, sem colocar em causa o crescimento dos superpoderes existentes.

As sociedades reagem libertando-se do consumismo-media e da política. Há procura para criar as condições da libertação das pessoas e das sociedades deste totalitarismo.

Lição 22 - Escola de Frankfurt e as tecnologias modernas

Marcuse ficou famoso pelo uso que os jovens contestatários fizeram da sua obra como orientação para se libertarem das teias tecnológicas, culturais e sociais que os limitavam na sua vida de consumidores. O autor estudou os movimentos de jovens nos anos sessenta, nos Estados Unidos, onde passou a viver depois de ali se refugiar da guerra que fustigou a Alemanha, país onde se formou.

Herbert Marcuse (1941) Algumas implicações sociais das tecnologias modernas

Trata-se de um ataque à tecnocracia e à alegada irresponsabilidade social dos técnicos e dos tecnólogos, como os engenheiros e economistas.

A leitura deve manter presente a experiência nazi e a colaboração das indústrias de ponta na guerra e no Holocausto.

O autor serve-se do Renascimento, centrado na pessoa criadora e livre, para dar a ver o modo como a moderna sociedade racional, produtora de mercadorias, impõem às pessoas, como trabalhadores e consumidores. Ficarem atadas às tecnologias anónimas, mas construídas por técnicos ao serviço dos investidores. A liberdade tornou-se servidão da mercadoria, na produção e nos mercados. Mesmo a oposição política ao regime capitalista, como na União Soviética, não contesta as limitações à liberdade impostas pelas tecnologias. As profissões ensinam a trabalhar com elas de forma acrítica. Nas estradas, como consumidores, os cidadãos limitam-se a aceitar a política de troca do transporte ferroviário – mais barato e menos poluente – como se fosse a tecnologia que lhes oferecesse liberdade. Na verdade, impõe-nos as restrições do modelo de negócio que concebeu essa tecnologia: cidades vazias e as pessoas a viver nos arredores, caos de transito nas horas de ponta, horas cansativas casa-trabalho, despesas grandes e inesperadas para manutenção das máquinas, etc.

Porém, face à situação de facto consumado, a existências destas tecnologias e não outras, a autonomia individual (escolher energia limpa ou automóveis eléctricos ou alimentação não industrial) torna-se indesejável. Por um lado, para evitar riscos – de as escolhas pessoais nºão serem as melhores – e despesas que não estão ao alcance da maioria – os produtos não massificados são mais caros.

A racionalidade moderna é ao mesmo tempo crítica, pacífica e integradora dos críticos. Estes podem criticar, pois o meio ambiente organizado tecnologicamente condiciona as decisões razoáveis ou possíveis das pessoas, independentemente do que possam pensar ser o ideal. Os indivíduos continuam a pensar, mas as sociedades deixam de pensar, dependentes das soluções tecnológicas. Como na educação vocacional. Como nos cursos técnicos ou nas orientações pessoais de ir estudar para ter um certificado e não para aprender ou saber.

A emergência da gestão, para gerir a propriedade anónima, em vez da propriedade privada individual, torna razoável e equitativa a dominação do individuo. A experiência de diferença deixou de ser valorizada (como no Renascimento ou mesmo no início dos avanços tecnológicos do capitalismo) e tornou-se sobretudo uma experiência de isolamento social, pois é remar contra a maré da submissão geral às mercadorias. Essa prisão nas teias da tecnologia é que é necessário ultrapassar.

Lição 21 - Escola de Frankfurt - Max Horkheimer

A teoria crítica, a escola de Frankfurt, é herdeira do marxismo e, ao mesmo tempo, um afastamento do marxismo. Reconhece o valor do marxismo na sua época, no século XIX. Reclama que em tempos novos, como na era das duas guerras mundiais, seria preciso outra abordagem da acção emancipatória, da luta pela igualdade e pela liberdade. Em meados do século XIX, a economia era o problema central e o motor determinante para as lutas sociais. Urgia uma solução do problema da fome dos trabalhadores. Mas na primeira metade do século XX, o problema seria sobretudo cultural, de recusa do místico, do ignaro, das mistificações autoritárias, que transformaram os ideais socialistas em nacional-socialismo e socialismo num só país – aquilo que anos mais tarde se veio a chamar totalitarismo. Na segunda metade do século XX, na Europa Ocidental, com a democratização do acesso à política através do sufrágio universal e a concertação social, o problema principal seria assegurar a igual oportunidade de acesso ao espaço público. No fim do século XX a questão central seria o desrespeito pelo outro, sequela da descolonização e das relações entre colonizados ou colonizadores.

Max Horkheimer (1937) Traditional and critical Theory

Este director da Escola de Frankfurt, escola superior alemã cuja cultura académica, diferentemente das francesa ou norte-americana, não respeita disciplinas, não se preocupa em fazer uma distinção radical entre a filosofia, as ciências sociais e as ciências humanas, não reclamou o estatuto equiparável ao das ciências naturais para a teoria crítica, o nome dado às perspectivas que caracterizam os trabalhos da Escola de Frankfurt. Reclamou o valor da construção e validação de hipóteses, típica das ciências naturais, como estratégia intelectual para participar na oposição ao sistema existente, prognosticando tão realisticamente quanto possível a sua transformação noutro sistema melhor, em nome da emancipação das pessoas, ao lado das lutas sociais que vão nesse sentido. A construção de ideias sobre o que pode vir a ser a sociedade futura serve de orientação e ânimo às lutas sociais, embora os autores de tais ideários se possam encontrar, naturalmente, social e intelectual isolados em períodos de apatia das massas e de fragilidade das lutas dos trabalhadores.

A determinação económica das lutas e do pensamento, importante no século XIX, foi sucessivamente substituída pela determinação cultural, mediática, moral, ao longo dos diferentes períodos do século XX. Para o século XXI há que admitir que a história continua a evoluir e, portanto, novas lutas reclamam novas formas de atenção a aspectos da vida que foram secundários anteriormente. Cabe aos intelectuais propor hipóteses sobre quais sejam esses aspectos determinantes das transformações em curso, hipóteses a testar na própria história, conforme venha ou não a dar-lhes razão.

A história desenvolve-se aos saltos, por épocas interrompidas por rupturas de onde emergem épocas com novas características. Por exemplo, antes da crise financeira de 1929, a economia mundial era dominada pelo sector financeiro, pelos bancos. Depois dela foram os industriais que tomaram a liderança, com o fordismo e o taylorismo, como forma de reorganizar a economia destruída pela finança. (Hoje esta história pode estar a repetir-se, de outra maneira, pois apesar da crise de 2008, a finança ainda domina a situação: continuará a fazê-lo?).

Teoricamente, há efectivamente determinismos que dirigem a vida social e concentram as lutas sociais emancipatórias. O que acontece é que tais determinismos mudam conforme a época histórica, não estão fixados para sempre.

A teoria não existe fora da vida e do mundo social. Ao inverso, ela é parte relevante das lutas sociais. O seu valor e o seu prestígio dependem das necessidades práticas da época. Não há teorias eternamente válidas. Há, evidentemente, teorias erradas, que não são validadas pela história. Não têm uso útil para o progresso da humanidade.

A teoria crítica é uma teoria de oposição política, contro a estrutura social vigente. Há que distinguir isso da oposição partidária, pois muitas oposições partidárias não fazem oposição a respeito da estrutura social. Quem acusa a teoria crítica de ser política, procura usar as dificuldades próprias da oposição à estrutura social, nomeadamente a dificuldade de compreensão por parte do público, para dispersar a atenção geral e desvalorizar a crítica através da associação a teorias da conspiração.        

O que quer dizer que estar isolado teórica e socialmente no presente é o custo a pagar pela oportunidade de vir a estar certo no futuro. Embora não haja outras garantias no presente senão a de participar num processo científico, isto é, na produção de hipóteses falíveis a testar pela experiência histórica, a forma de experimentação das ciências sociais.

Lição 20 - A ordem de interacção, segundo Goffman

Trata-se de explicar como a micro sociologia pode explicar a ordem social, cara ao estrutural-funcionalismo, e não implica a presunção da anarquia. O que foi feito a partir da presidência da associação norte-americana de sociologia, portanto, para uma audiência à partida habituada e favorável ao estrutural-funcionalismo ou os seus desenvolvimentos.

A ideia é notar a autonomia e a importância da ordem de interacção, das relações face-a-face, e como essa ordem se perde (porque se transforma) ao longo da história.

A ordem da interacção distingue profundamente rurais e urbanos, íntimos e desconhecidos, pessoas do mesmo grupo doméstico e parceiros nos espaços públicos. Ao condicionar as formas de sociabilidade, a ordem de interacção marca as situações e os diferentes tipos de ordem social.

A ordem interactiva depende do voluntarismo das pessoas (no facilitar ou bloquear fluxos de comunicação). A acção conjunta é, portanto, dependente desse voluntarismo e da energia (esgotável) que ele implica. O discurso substitui e reforça, em parte, esse voluntarismo, animando uns e desanimando outros.

A ordem interactiva classifica acções, por um lado, e participantes, por outro, cruzando-os entre si.

A situação social é a unidade de trabalho básica, de caracter confrontacional. Fábrica, aeroporto, hospital, etc., conformam as situações de interacção no espaço tempo. Situações que não são egocentradas. Além da biografia, há a cultura partilhada. As interrelações têm um conteúdo cognitivo, portanto, extra situacional.

A ordem é a distribuição de tipos de actividade que suscitam trocas de benefícios por perdas e, assim, atraem algumas pessoas e afastam outras das diferentes situações. A ordem evoluiu historicamente, as pessoas entram em contacto com ela através de informações e avaliam-nas em termos de justiça. As pessoas respeitam mais ou menos essa ordem, e a policia é mais ou menos capaz de ajudar a faze-la respeitar.

As unidades básicas de análise da ordem interactiva são grupos ou filas ou procissões, formas de contacto, círculos, plataformas (criação de públicos) e celebrações (comportamentos uniformes do público em participação colectiva).

Há uma ordem de interacção e uma organização social, a níveis distintos.

As organizações dependem das pessoas (para lhe darem personalidade, organização informal, apresentação física). Mas uma coisa é a simpatia com que se despede alguém e outra é os efeitos disso na vida das pessoas, expulsas da organização.

Não se diz que a ordem interactiva é mais importante que a organização: diz-se apenas que é susceptível de análise científica, com relevância. O que não quer dizer que, em certas circunstâncias – uma conspiração, num acto de administração – a interacção não possa ser decisiva para os efeitos estruturais futuros.

Em sentido inverso, quando se diz que as relações de interacção são reflexos das estruturas sociais está a simplificar-se e a errar. As pessoas podem informalmente acumular descontentamento ou boicote de certo tipo de actividades sem por em causa a organização. Eventualmente a organização pode vir a ter que se ajustar. Mas eventualmente não.

As estruturas sociais mais próximas da ordem de interacção são as relações sociais (amigos, parentes, conhecidos, desconhecidos) e o status (idade, género, classe, raça). Embora as regras de organização requeiram igual oportunidade e igual tratamento, na prática há muitas variações dentro daquilo que na interacção é aceita como justo, ainda que desviado do estrito cumprimento da regra.

Lição 19 - Avaliação de Blumer do valor das teorias de Mead

O pensamento de Mead tem sido alvo de preconceitos. Isto é, mantém-se inacessível porque os leitores de sociologia, com aspirações científicas, são desencorajados de o lerem com os argumentos de ser psicólogo, fenomenologista, desinteressado da sociedade. Quando o que ocorre é que Mead tem uma noção de sociedade diferente dos estruturalismos: sociedade é parte das pessoas e o resultado do self, espécie de hiperconsciência partilhável e partilhada, como as nuvens de dados informáticos o são hoje em dia.

Ao contrário dos outros animais, os humanos observam-se a si próprios como se fossem objectos. Não é apenas uma possibilidade humana: é uma necessidade. Cada humano tem de viver com isso, goste ou não. Não tem opção.

O self, a reflexividade, a recursividade, é um conceito que mistura pessoas e sociedade numa simbiose que é incompreensível por entendimentos mecanicistas ou cartesianos do mundo. O que merece clarificação e desenvolvimento. Não se trata de uma peça que se justapõe a outras, entre os indivíduos e a sociedade. Trata-se de uma característica humana que traduz a sociabilidade da nossa espécie. Mead trata isso como comunicação, conversação, interior e exterior aos indivíduos e às sociedades, ao mesmo tempo.

A mente, para Mead, aponta coisas. É um comportamento. O self dialoga sobre esses coisas. Capacita a mente. Mente e self são especificamente humanos. Não são resultado da programação biológica mas sim de relações sociais (participação e comunicação), da capacidade de se colocar no lugar do outro e construir o outro generalizado, isto é, imagem e representações de conjuntos sociais (grupos, comunidades, sociedades) que identifica e com os quais interage.

Primeiro as crianças brincam, imitam personagens sociais. Depois jogam, respeitam regras em função de identidades sociais imaginadas para si e para os outros.

Esta concepção implica o estudo da relação com o meio, das conversas interiores, e as relações entre comportamentos e acções (instintos e intenções). Implica também a co-existência de um mundo e de um mundo de significados que revela o que não é sensível e também esconde o que é sensível. Implica que as pessoas, ao contrário dos animais, além de reagirem a estímulos, têm a capacidade de engendrar situações por iniciativa própria. A nível individual e colectivo. Algumas tornam-se rotina (instituições, rituais) mas sempre sujeitas à capacidade de iniciativa e transformação que dela decorre, eventualmente.

A natureza das interacções é de dois tipos: a) gestos (sem envolver selves); b) uso de símbolos ou gestos com significado para lá do imediato. É aqui a diferença entre as sociedades humanas e das formigas ou abelhas. Os símbolos, e as conversas interiores e exteriores, alargam o âmbito da acção humana em acções sociais encadeadas, em mutuas e sucessivas cadeias de reacções interpretativas e imitativas.

Não nenhuma ordem superior que usa as pessoas para se realizar através delas.

A instabilidade das reacções e das interpretações sociais pode levar os indivíduos a encontrarem-se em oposição, em vez de em participação e colaboração, com o outro generalizado, a sociedade.

Mead considera 4 factores (DIMENSÕES?) através dos quais as acções sociais se consolidam de forma evolucionária: comunicação, trocas económicas, interesse religioso, conflito social.

Não se trata de sistema: são processos com inúmeros pontos de contacto que se ajustam mutuamente.

Mead reconhece haver uma diferença entre as sociedades em geral e os outro generalizados. Entre sociedade e organizações (e movimentos sociais que as constroem). Há desenvolvimentos da teoria social a fazer.

Lição 18 - George Mead - self e controlo social

No texto “The genesis of the self and social control”, Mead mostra como o interaccionismo simbólico explica o controlo social, central para o estrutural funcionalismo, sem recurso a tratar a sociedade como sistema. O controlo social será realizado na própria interacção e pela própria interacção, sem necessidade de recurso a formas exteriores ou institucionais ou coercivas de orientação ou condução da acção.

Mead começa por localizar epistemologicamente a psicologia do seu tempo, chamada behaviorista: focada nos comportamentos em vez dos estados físicos, seguindo o mesmo tipo de análise com as pessoas que se usa para os animais. Segue a doutrina realista e pragmática de colocar a causa das sensações e do significado dos objectos neles próprios, minimizando a imaginação humana.

Antes desta psicologia behaviorista, a psicologia considerava dois mundos em interacção mútua: a consciência e a fisiologia. A tendência para se abrir aos objectos, ao mundo das outras ciências, revelou-se inevitável. E teve de enfrentar a divisão cartesiana entre o mundo extenso, físico, e o mundo inextenso, do pensamento: as relações entre corpo e mente movidas pelo deus ex machina que pode ser revelado (como nas ciências naturais) pela observação e experimentação. O individuo é representado fora do mundo e a consciência reduzida ao seu aspecto cognitivo. Os estados de consciência vão funcionar ora dentro ora fora dos processos sociais em estudo, ora sociais ora individuais. Leibnitz pensa processo e consciência em harmonia. Spinoza pensa-os em paralelo, sem nunca se encontrarem.  Esta separação artificial [entre individuo e sociedade] não é discutida – é simplesmente aceite como a natureza das coisas – pela psicologia.

O sistema nervoso central ganhou um protagonismo, como sede da consciência, ao mesmo tempo que o estudo dos animais ignorou a existência de consciência, por não haver cognição.

O afastamento do estudo dos estados de consciência em vista dos comportamentos criou uma ambiguidade da concepção da consciência. A teoria da percepção de Bergson foi um passo na clarificação dessa ambiguidade. Vai no sentido de diminuir a realidade do objecto prevista pelas teorias realistas e pragmáticas. Há um interesse activo no estudo do organismo humano e dos estados de consciência. Bergson coloca o sistema nervoso central no mundo dos objectos a ser percebidos e as propriedades das coisas nelas próprias. A percepção dessas propriedades é situada no individuo. A cognição faz a relação entre as coisas e a percepção de forma a não se misturar com o processo de relação entre o individuo e as coisas.

A ambiguidade da expressão consciência dá-lhe dois sentidos distintos: vigília e consciência, sentimento (de prazer ou de dor, privados) e conhecimento. No pragmatismo, o primeiro sentido não é considerado, é como se não existisse corpo. Para Bergson, ao contrário, a percepção é um objecto de acção potencial para o organismo e a relação do organismo com um objecto exterior é um objecto em si mesmo, dependente do interesse no organismo nessa relação.

A atenção selecciona a parte do ambiente que quer ter em conta e o que quer ignorar. O que, por sua vez, condiciona as possibilidades de condutas futuras. Cada organismo diferencia-se dos outros pela diferença de percepção que organiza do meio envolvente e isso é uma característica objectiva de facto existente na natureza. Estas diferentes perspectivas sobre a natureza existem na natureza e não na consciência dos indivíduos separadas de si próprios e da sua relação com o mundo.

A consciência conhecimento produz novas características e novos significados para aquilo que se observa na natureza, em função das sensibilidades e capacidades dos indivíduos. Parte desse imaginário corresponde bem aquilo que se passa no mundo. A outra parte perde actualidade e uso.

Imaginação e significados estão ligados aos objectos, como conteúdos, no acto de percepção, antes de se tornarem objectos para a mente. Movimento na natureza (percepção) implica repouso na natureza (fora do âmbito da percepção), em função de cada individuo e do tempo.

Formas vivas, mundo experimentado, indivíduos experimentadores, tudo isto só é concebível em processo, não numa sucessão de estados de consciência estáticos. Segundo a teoria da mudança de Bergson, o nosso mundo das percepções depende das acções em curso.

Para tornar certos objectos condições de acção, abstraímos da relação desses objectos com o tempo. O facto de poder verificar-se um acordo social geral sobre quais os objectos que são condições de acção, não faz disso uma acção menos individual, que tem de ser assumida por cada um. Os objectos que estão espácio temporalmente distantes de nós podem ser trazidas ao nosso contacto experimental através da ficção. Como se fosse uma experiência material.

Só os selves têm mente e, portanto, a cognição pertence aos selves. Estes, por sua vez, só existem em relação entre si. Pessoas isoladas não produzem conhecimentos (na verdade, não existem). Neste sentido, a sociedade dos selves não existem antes da espécie humana. Por isso não conhecimento que não seja humano e social.

Um acto social pode ser definido como algo encontrado numa certa ocasião ou num estimulo que liberta um impulso, cujo sentido ou acção assume uma forma viva própria do meio ambiente em que o impulso se manifesta. Mead restringe esta definição aos actos que envolvem mais de um individuo. A finalidade do acto será de participar num processo grupal e não apenas individual.

O princípio de coordenação de acções sociais funda-se na característica de cada organismo humano tender para responder aos outros participantes. O individuo pode encontrar-se numa situação em que esteja a adoptar para si a mesma atitude dos outros. Tornando-se objecto para si mesmo. Toma o papel do outro generalizado. Nesses momentos, apresentamo-nos a nós próprios como objectos, como selves.

Num primeiro estádio de desenvolvimento das relações sociais, as crianças brincam, os jovens jogam. A diferença é que primeiro imitam os comportamentos das pessoas de referência. E preparam-se para o estádio seguinte. Depois interpretam regras abstractas e criam as suas próprias acções, em função da miríade de papeis que podem imaginar. É neste estádio dos jogos que o self se produz em relação ao outro generalizado.

O gesto que Mead refere inclui expressões faciais, posições do corpo, mudanças de ritmo respiratório e de coração, vocalizações. São ajustamentos para actos sociais de pleno direito. Criam as condições ambientais para a organização entre humanos. Assumimos a atitude generalizada do grupo como censura do nosso imaginário e das nossas conversas interiores. Produzindo controlo social.

A percepção dos objectos determina as acções futuras, como a percepção de algo como alimento determina a acção de comer. Ao mesmo tempo que a percepção ambiental produz uma reacção ao ambiente, social ou outro. O controlo social produz-se, pois, não apenas na acção mas no processo de percepção, onde o controlo social é mais eficaz. Como no caso de um comprador se apresentar perante um vendedor, ambos referidos a um objecto transacionável.

O marxismo revela como há situações de quebra do controlo social: por exemplo, quando o estado determina a sua propriedade do capital. Não é possível cada individuo e todos os indivíduos assumirem a posição forçada pelo estado, em vez de produzirem entre si o outro generalizado.

As barreiras sociais para derrubar status e costumes criados pelos selves são enormes. Toda a história da guerra mostra como estamos mais disponíveis e com mais entusiasmo ficamos para nos colocarmos em oposição a inimigos comuns do que em colaborar com eles.

Lição 17 - George Mead e Cooley - a definição do self

O interaccionismo simbólico, mais do que uma escola, é uma corrente inspiradora do que é actualmente a psicologia social. Um largo conjunto de pensadores do social trabalhou entre guerras e depois, nos EUA, à margem da teoria dos sistemas, à margem do estrutural-funcionalismo. Pensavam as pessoas biológicas na base de relações sociais, sem as quais as próprias pessoas não poderiam existir (ou subsistir). A comunicação, através da linguagem ou de outros modos, foi enfatizada como uma característica particular da espécie humana. O que dava à interacção entre as pessoas uma complexidade e uma flexibilidade únicas.

A sociedade, a existir para lá das interacções entre as pessoas, seria resultado da acção destas e não algo que estivesse pré-definido ou pré-estruturado e a que as pessoas tivessem de respeitar.

A teoria do conflito é sobretudo uma crítica a uma falha na teoria estrutural-funcionalista. O interaccionismo simbólico é uma outra maneira de entender a sociabilidade humana, que se poderá contrapor à teoria das escolas dominantes.

George Mead é um dos autores desta corrente que apresentou o self como um conceito. Seria algo acima da consciência que decorria, permitia e obrigava à partilha social.

O texto escolhido para fazer essa apresentação foi aquele em que Mead presta homenagem e faz a crítica do trabalho da Charles Cooley, um autor norte-americano do século XIX, engenheiro interessado intelectualmente por questões sociais e que trabalhou segundo o método que chamou introspecção objectiva. Referia-se à identificação de imaginários claramente consolidados e socialmente partilhados e que compunham a imagem social de cada pessoa. Numa sociedade, como a democracia norte-americana, feita de comunidades em que todos se conheciam mutuamente, cada um era a imagem que os outros faziam dele/a e a imagem que os próprios imaginavam que os outros faziam de si (looking glass miror). As relações sociais eram resultado disso (aquilo a que poderíamos chamar status), mesmo se as trocas de imagens não pudessem ser registadas fotograficamente. Essas relações sociais eram sujeitas a mudanças e transformações, mas também eram estáveis e reconhecíveis por quem fizesse parte da comunidade e conhecesse as pessoas. A memória que se tenha de cada pessoa incluirá, pois, o imaginário social, o diz-que-disse, sobre o que seja essa pessoa. E isso é objectivo. Todos ou quase todos poderão acordar em dizer a mesma coisa sobre cada uma das pessoas em causa.

A sociedade seria um imaginário, um estado mental no dizer de Alexander (texto 1), produzido por “factos sólidos” mas apenas imaginados, resultantes e organizadores das inter relações pessoais e das opiniões públicas – estados mentais de grupo.

Há, pois, diversos níveis de consciência, unificados entre si. 1) consciência de si; 2) consciência social; 3) consciência pública. Essa unidade é de tipo organizativo e não de substância. O que permite que as consciências de nível superior sejam estruturadoras das consciências de tipo inferior (e vice versa), permanecendo distintas entre si.

Self é uma expressão incorporada da sociedade, uma sua faceta e, ao mesmo tempo, a mesma coisa observada de um ponto de vista mais próximo do individuo. Self e sociedade estão mutuamente organizados. O primeiro resulta de um impulso instintivo, traduzido em sentimentos perante os outros, cujos impulsos e sentimentos também existem e são expressos.

Self é a imaginação de como aparecemos a terceiros, mais o juízo que fazem e fazemos dessa aparência, mais o sentimento de orgulho ou mortificação associados. Sociedade tem uma natureza orgânica, apresenta-se como exterior a esta sob a forma psíquica, como organização permitida pelas mentes humanas. A mente é algo de orgânico que reúne pessoas em cooperação, fixando a atenção gerais que envolvem todos os participantes.

A mente social e a estrutura organizada apoiam-se em processos orgânicos instintivos de procura/necessidade de sociabilidade das pessoas e relacionam-se mutuamente através de veículos de comunicação. Numa empreitada, a estrutura e os processos orgânicos de cada colaborador são distintos entre si. São, porém, organizados através de uma mente social que permite a cooperação de todos.

Os indivíduos são, materialmente, resultado de um processo bipolar entre eles mesmos e os outros, com quem partilham a vida. Como pode mostrar a experiência de desenvolvimento das crianças. O crescimento e a degradação de uma relação social são facetas das mesmas relações sociais. Condições sociais pouco saudáveis favorecem mais a degradação das relações. Trabalho a que se dedicam os selfs dos participantes nessas relações. Trabalho que pode ser modificado, organizado de outro modo. E resultar em crescimento, em vez de degradação.

Os selfs são resultado prático das práticas das pessoas em relação, não são dados à partida, como são os instintos de sociabilidade ou a consciência que os suportam.

A pessoa é o aspecto interno daquilo que faz da sociedade o seu aspecto exterior.

Em termos críticos, Mead pergunta cepticamente com que segurança se pode produzir “factos sólidos da sociedade” a partir da instrospecção objectiva, da psicologia social. Cooley parecia desdenhar os processos estatísticos e científicos usados pelo behaviorismo e pelo freudismo. Limita-se a acreditar que a evolução estava em curso, sem definir um método de lhe captar o sentido. Não se preocupou em tornar objectivas e validar as ideias que temos uns sobre os outros – que por vezes se revelam erradas. (Talvez por nas comunidades onde viveu a estabilidade do estatuto social fosse maior do que aquela que hoje vivemos).

Mead refere que através da análise da comunicação é possível estabelecer um nível de realidade fixo, habitado por selfs, através do qual seja possível estabelecer um programa de estudos científicos, já que é a partir desse mundo que emergem as experiências interiores de cada um, psíquicas, em relação com esse mundo de comunicação social.

O padrão social tem um alcance maior do que o grupo que o realiza, pois estabelece as condições de comunicação com estranhos: são os aspectos mais gerais desses padrões que estabelecem as potencialidades das sociedades e da crítica das sociedades actuais.

 

Lição 13, 14, 15, 16, - revisão da matéria e preparação para o teste

Lição 12 - Teorias do conflito – Darhendorf

Na sequência das críticas feitas por Merton e outros estrutural-funcionalistas às teorias do Parsons, pode contar-se com quem, de fora do estrutural-funcionalismo, escreva sobre a importância do conflito para o bem-estar das sociedades, o seu equilíbrio e a sua existência real. Um desses autores é Ralf Darhendorf, autor que faz uma crítica assertiva ao estrutural funcionalismo. Identifica-o como herdeiro do utopismo, juntamente com o marxismo-leninismo. Isto é, faz a comparação entre a ideologia que funda o comunismo soviético e a sociologia, fazendo-a passar por ideologia norte-americana do capitalismo.

Refere a Utopia como um não lugar e um não tempo. Um sistema ou um comunismo imaginados como parados no tempo e no espaço, modelos irreais e apenas imaginados, que nunca tiveram lugar nem ocorreram jamais. Nessa sociedade haveria consenso sobre valores e sobre os arranjos institucionais: todos estavam contentes e ninguém recalamava. Não havia, portanto, conflitos estruturais. Greves, revoluções, debates, simplesmente não existiam.

Só casos patológicos poderiam escapar a esta discrição. Casos que deveriam ser tratados como problemas de desvio e de forma terapêutica, isto é, eliminando-os. Não há diferença entre as utopias e os cemitérios, diz.

Tal lógica não só não põe em causa o status quo como afirma-o e sustenta-o. É dele cúmplice. Nem a divisão de trabalho e as classes atrapalha tal lógica: remete tudo para o metabilismo, para a funcionalidade e algum ajustamento que seja necessário, sendo tabu discutir a estruturação social. Do mundo exterior, por exemplo, podem vir ameaças que devem ser debeladas e contidas. Isso só reforça a estrutura social, que o cai ou resiste. Não muda.

O problema é que tal sociedade não existe. Não há sociedades sem história e sem devir. Valores e instituições estão, na prática, em permanente mudança. A questão então é: como é possível a sociologia se tenha baseado em tal hipótese? O modelo de sociedade estrutural funcionalista deve ser substituído por outro mais adequado a ler as realidades.

O desviante é o resultado prático da utopia tomada como sociedade: nenhum ser humano está ao nível de viver numa sociedade assim: por isso a acção social, na concepção estrutural funcionalista, é antes de mais desviante. Bactéria que ataca o sistema.

Embora o estrutural-funcionalismo insista que o equilíbrio como entende a sociedade não é estático, nele não há lugar para as crianças em crescimento, à sucessão de gerações. Por outro lado, tudo quanto acontece está sob o controlo dos sistemas de regulação social que permitem a sociedade manter-se de pé. O fechamento das sociedades é igualmente artificial, embora corresponda ao estado-nação autossuficiente. Esta descrição de sociedade é perto de um resultado conspirativo: o modelo parece resultar da concretização de desejos de elites.

A crítica de Darhendorf não se dirige ao irrealismo das teorias – todas as hipóteses teóricas são irrealistas. O problema é que nunca houve propósito de explicar a sociedade mas sim o modelo que nunca existiu. Há uma separação entre o trabalho teórico e o de recolha de dados. Há filosofia e sociografia. Mas não há nada que ligue ambas as actividades. O que resulta no fenómeno singular dos doutorandos terem dificuldade em estabelecer as finalidades das suas pesquisas, como se houvesse poucos objectos de estudo. Como se o modo de pensar o social secasse a curiosidade sociológica num conservadorismo complacente. A favor do status quo.

O modelo do equilíbrio social tem uma longa tradição. Mas o modelo do conflito também. Por outro lado há que romper com as distinções entre mudanças dentro e mudanças fora dos sistemas ou das sociedades, porque essas fronteiras podem ser e são-no frequentemente permeáveis às mudanças. Mudança não é uma anormalidade: é um dado de facto frequente.

A ausência de conflito numa sociedade é anormal. Não o inverso. Mudança, conflito, coacção devem ser tratados com regularidade e intensidade. Modelo para sociedades abertas.

São precisos usar e desenvolver os dois modelos de análise: do equilíbrio e do conflito.

Lição 11 - Teorias do conflito – Coser

Merton propòs que a sociologia se dividi-se a estudar teorias de médio alcance e que se dedicasse a evitar conflitos, sobretudo conflitos estruturais. As teorias do conflito aproveitam a oportunidade oferecida de especialização, mas, ao mesmo tempo, chamam a atenção para a centralidade e a indispensabilidade dessa subdisciplina para pensar a sociedade.

Pode dizer-se que há duas espécies de subdisciplinas das ciências sociais: as especializadas em estudos de instituições (escola, família, trabalho, etc.) e as que tratam de assuntos, dimensões, partes da realidade negligenciados pelas teorias sociais dominantes (emoções, corpos, conflito).

Na sequência das críticas feitas por Merton e outros estrutural-funcionalistas às teorias do Parsons, pode contar-se com quem, de fora do estrutural-funcionalismo, escreva sobre a importância do conflito para o bem-estar das sociedades, o seu equilíbrio e a sua existência real. Um desses autores é Lewis A. Coser que escreveu um livro chamado “As funções sociais do conflito”. Isto é: identifica o conflito como fonte de funções sociais, ao contrário de Parsons, que não tratava do conflito ou de Merton que o entendia como uma disfunção a ser corrigida.

Coser constata no prefácio do livro a existência de um divórcio entre a pesquisa de factos e a teoria. O que impede, do seu ponto de vista, a acumulação de conhecimentos – na medida em que apenas a teoria permite os sociólogos com diferentes experiências de vida, profissionais e de campo de investigação, falarem entre si sobre o que sejam os fenómenos sociais e as sociedades. Se a teoria não permite estabelecer ligação com os dados empíricos e o trabalho empírico não é traduzido em termos teóricos, a própria continuidade da sociologia nos EUA está posta em causa, alega.

O caso do conflito parece-lhe o mais gritante: como é possível os sociólogos, praticamente negligenciarem a existência de conflitos, quando em nenhuma circunstância eles deixam de estar presentes nas vidas das pessoas e das instituições como marcantes das respectivas histórias?

O autor avança com uma definição preliminar do conflito: luta em torno de valores ou de reivindicação de poder (status, político, económico) que funciona através da neutralização, ferimento ou eliminação de inimigos.

O que o autor procura demonstrar no livro é que o conflito tem um papel funcional, nomeadamente na formação de grupos sociais, de delimitação de fronteiras que inibe a entrada de pessoas de fora e a saída de pessoas de dentro.

Na introdução, Coser pergunta-se como é possível ignorar a relevância do conflito na senda do progresso e da mudança social desejada? E responde recordando a situação muito diferente dos sociólogos no princípio do século XX e depois das guerras mundiais. Os primeiros sociólogos tinham por público, pessoas desejosas de perceber como a sociedade iria evoluir para melhor, para outro tipo de sistema mais adequado a satisfação das necessidades sociais e humanas. Depois das guerras os públicos eram académicos e profissionais. Não estavam desejosos de viver em outras sociedades. Pelo contrário, estavam interessados em juntar-se aos esforços de reconstrução das sociedades destruídas pelas misérias que se seguiram às guerras e às crises financeiras.

Os primeiros sociólogos tinham claro que conflito e cooperação eram duas faces da mesma moeda. Que a oposição ajudava a preservar as sociedades. A violência era inerente à estrutura social e os conflitos negativos poderiam ser eliminados se e quando se mudasse a estrutura/sistema social.

A geração profissionalizada nas universidades e a partir dos cursos de sociologia orientava-se praticamente só para trabalhar a favor de ajustamentos sociais, em que o conflito era para ser evitado ou ignorado. Os problemas psicológicos de mau funcionamento individual substituíam o estudo das estruturas e da sua funcionalidade. Em Parsons, só ocasionalmente a mudança social era tratada: preocupava-se sobre como compreender a ordem social, e nada mais. Neste aspecto foi mais durkheimiano do que weberiano. Weber dizia que a paz não era senão uma forma de conflito diferente. Parsons, por seu lado, entendia o conflito como uma doença a evitar e a curar. Escolhia tensões ou distensões para tratar de problemas relacionados com o conflito, minimizando-os e desvalorizando-os. Muitos outros autores, citados por Cosers, pensam de forma equivalente.

Na época dos primeiros sociólogos, estes gozavam de liberdade para escolher os assuntos que abordavam e levavam ao público. O seu prestígio de reformadores das estruturas sociais ainda hoje marca a ideia do que é ser sociólogo. Porém, o público mudou e os sociólogos também. São mais e são financiados por entidades com interesses que terão que respeitar, inclusive aceitando tratar dos temas que estas querem ver tratados e não tratando daqueles que os financiadores preferem não ver tratados.

O ambiente do pós-guerra e da Guerra Fria, os chamados à unidade nacional que caracterizam esse novo ambiente, bem diferente do período antes da guerra – em que havia forças internacionalistas – cria um público desinteressado dos conflitos. Os sociólogos passam a ser considerados e a trabalhar em função da resolução de problemas sociais e como especialistas em relações humanas.

Para este livro, o autor reconhece a inspiração que recebeu de Simmel e da sua máxima: “conflito é uma forma de socialização”. Ao contrário de uma concepção comum, a formação dos grupos sociais é feita igualmente por factores moralmente positivos e negativos. O conflito está muito longe de ser disfuncional: é essencial.

Na conclusão do livro, Coser refere que há sociedades e grupos mais resistentes aos conflitos (internos ou externos) que outras. O conflito provoca mudanças conforme o tipo de sociedade em que ocorre. As sociedades e grupos que tendem a suprimir os conflitos terão mais tendência a viver rupturas sociais catastróficas. O que quer dizer que as sociedades mais flexíveis, em que haja liberdade de expressão das oposições, os conflitos podem ser tratados de forma a produzir mudanças graduais. Entretanto, os conflitos também produzem relações entre os membros de vários partidos e posições, tornando-os mais flexíveis e adaptáveis uns aos outros.

Não há nenhuma sociedade onde seja admitida a livre e incondicional expressão das oposições. Há, pois, que as classificar na sua rigidez relativa e compreender o papel do conflito das diferentes formas de estruturação social reais. Nomeadamente, podem distinguir-se os conflitos realistas – que dependem de interesses em curso que conflituam – e conflitos irrealistas, também conhecidos como politiquice ou chicana, que servem apenas para aliviar tensões em que as sociedades e os conflitos estão banhados. Não é o conflito que ameaça as sociedades: a rigidez das sociedades é que torna os conflitos temíveis.

Lição 10. Funções manifestas e funções latentes (2), por Merton

Há um conjunto de princípios de que parte o estrutural-funcionalismo, e são: a) as actividades regulares que se repetem (padrões-pattern em inglês) são necessariamente funcionais para o sistema em que existem, pois se não fosse o caso cairiam em desuso ou seriam abolidas pelos processos de coerção que fazem os padrões; b) cada padrão de actividade cumpre uma função social, tem uma utilidade; c) as funções são, portanto, indispensáveis à manutenção da estrutura, do sistema.

Estes princípios que têm sido usados pelos sociólogos e antropólogos estrutural-funcionalistas devem ser revistos, segundo Merton, pois na realidade observam-se fenómenos que não são funcionais e persistem sob a forma de padrões, isto é, são regulares. Por exemplo, nem sempre as religiões servem para ajudar as sociedades a manterem-se coesas: por vezes geram graves conflitos e obrigam a grandes transformações. É preciso observar os factos para sobre eles tecer uma opinião; se há ou não funcionalidade em certa religião ou em outros padrões de acção social.

Com base na observação, e na contabilidade, pode fazer-se a avaliação das actividades que são favoráveis à unidade dos sistemas e à integridade das estruturas e as outras que não o são. Colocam-se umas de um lado e outras do outro lado da balança e podem fazer-se balanços positivos e negativos sobre quais actividades acabam por ter mais influência no todo social.

Assim, cai por terra a ideia de haver sempre uma consistência funcional do conjunto das funções em torno da estrutura social. Pelo contrário, todas as sociedades conhecem funções que tendem a procurar construir estruturas sociais alternativas àquelas que estão vigentes ao tempo. É desse modo que foi possível as sociedades mais simples tornarem-se, com o tempo e a evolução, em sociedades complexas.

Há utilizações conservadoras do estrutural funcionalismo, como a dos autores que tomam de forma dogmática os princípios acima enunciados. Porém o estrutural funcionalismo também tem sido usado por autores com ideias políticas radicais, que preferiam que as estruturas sociais fossem diferentes. Cada autor faz a sua apreciação do que é funcional e disfuncional, conforme a ideologia, os desejos de modelo de sociedade que tenha em mente. Logo, é possível neutralizar os efeitos ideológicos no estudo das sociedades usando o mesmo estrutural-funcionalismo que serve várias ideologias. É como as religiões: servem fins conservadores e também servem fins subversivos, conforme as acções dos religiosos e conforme as épocas históricas.

Há que distinguir o método funcional da sua utilização. É a utilização que está contaminada por ideologias e preconceitos, com consequências na escolha e avaliação dos aspectos de integração social a privilegiar e a descurar. Conclusão: devemos dar mais atenção aos procedimentos do que os preconceitos, já que desse modo abrimos campo à crítica cruzada das diferentes ideologias que, tomadas no seu conjunto, podem ajudar a clarificar a análise, dotando-a de variados aspectos e perspectivas.

Na prática, há que distinguir funções manifestas (aquelas que são reconhecidas e aparentes) das funções manifestas (aqueles que podem não ser reconhecidas em público, mesmo que o sejam em privado, e que são tabu ou simplesmente ignoradas pelas pessoas – mas terão de ser encontradas, descobertas, pelo sociólogo). São estas últimas que podem ajudar a antecipar ou prever as transformações sociais, na medida em que a sua existência sinaliza necessidades sociais que não estão preenchidas, que não estão cumpridas, e se acumulam tensões, desejos, descontentamentos, podem ser fonte de energias que transbordam os padrões habituais de acção e criam novos cursos de acção social capazes de construir novas estruturas sociais.

Lição 9. Funções manifestas e funções latentes (1), por Merton

Parsons e Merton são professor e discípulo que se tornaram as principais figuras do estrutural-funcionalismo, a escola de pensamento sociológico que trata as sociedades como sistemas. Sistemas que produzem papéis sociais que ajudam as pessoas a integrar-se: orientações e formas de sinalização do que são comportamentos desejáveis, indesejáveis ou proibidos, de modo a que os indivíduos possam contribuir para o funcionamento geral do sistema, mesmo que não saibam como funciona e qual é o resultado final.

A estrutura social é herdada e pode ser modificada, paulatinamente ou abruptamente, pela erosão e pela construção produzidas pelas actividades funcionais. As novas gerações vão alterando a sociedade que recebem, deixando de trabalhar naquilo que não funciona e criando novos trabalhos que se tornam necessários. O resultado é um sistema constituído por uma estrutura social que liga entre si aquilo que funciona. O que não funciona tende a desaparecer ou ser irrelevante.

Merton critica Parsons por este não se referir com mais atenção ao mundo empírico, ao mundo real. Tão empenhado estava Parsons em assegurar o funcionamento da teoria de sistemas, que servia as teorias sociais mas também as teorias físicas, biológicas e outras ciências, que dedicava pouca atenção a realizar trabalho de observação da sociedade e de aplicação do estrutural-funcionalismo. Tomando atenção ao que os sociólogos de campo fizeram, Merton notou que havia disfunções observáveis, actividades que não servem para nada ou são contraproducentes aos equilíbrios sociais, mas existem. E notou também que havia funções manifestas (que as pessoas envolvidas eram capazes de reconhecer e nomear) e funções latentes (de que as pessoas podiam não falar ou falavam como desejos não realizados).

O texto a tratar nesta aula trata deste último assunto. Procura mostrar como se pode fazer a análise funcional, como se pode estudar as dinâmicas sociais, na perspectiva de ter em conta os dados da observação sistemática da sociedade, através de métodos adequados, à luz da teoria dos sistemas e da acção.

Começa por chamar a atenção da diferença entre as palavras e as ideias: função, por exemplo, designa ideias muito diferentes entre si. Função pode significar especialização de uma instituição ou de uma pessoa, o lugar profissional entregue a alguém, funcionário ou técnico, ou uma relação matemática. A função que interessa em teoria social é semelhante ao uso que a biologia faz de função: actividade de manutenção da estrutura, do sistema, de manutenção da herança, de preferência acrescentando valor e potencialidades. Maneira de adaptar e ajustar às novas circunstâncias e às novas gerações as estruturas sociais, os sistemas.

A função social tem dois sentidos que é preciso distinguir. O sentido de consequências objectivamente verificadas da acção social; o sentido subjectivo (desejado, inventado, acreditado) da mesma acção social. O que interessa à teoria social é determinar o primeiro sentido e não se deixar iludir pelo segundo.

Lição 8. A teoria de sistemas (2), por Parsons

Nos primeiros 73 parágrafos do texto Parsons fala sobre os principais elementos da sua teoria de sistemas sociais. Em particular, a classificação de requisitos funcionais de um sistema, os procedimentos de controlo cibernético, isto é, automático, e as referências à acção social. As dificuldades principais são a definição das fronteiras dos sistemas e como lidar com as personalidades dos actores. A relação entre os sistemas sociais e o meio ambiente não são directas.

Cada sistema é composto por subsistemas. Todos podem ser caracterizados através de quatro funcionalidades: a manutenção de padrões, integração, finalidades e adaptação. Os sistemas incluem uma cultura normativa institucionalizada e padronizada, funcionalmente diferenciada por níveis de especificidade e de segmentação em unidades do sistema. A classificação estrutural será feita através da identificação de sistemas de valores, normas, colectivos e papéis presentes em cada sistema. Há ainda que observar os recursos trocados entre o sistema e o meio mas também entre sub sistemas, nomeadamente o dinheiro.

Devem distinguir-se situações de equilíbrio e de mudança estrutural. Tudo isto resume as contribuições de muitos sociólogos sobre como observar as sociedades (p.8)

Por isso, Parsons prossegue o seu texto para a identificação de zonas teóricas de consenso entre os sociólogos. Apesar da conflitualidade entre escolas. Todos estarão de acordo em terminar a velha batalha entre empiricismo e teoricismo ou entre proposições nomotéticas (que presume que a cada palavra corresponde um objecto claramente definido) e as ideográficas (que dá prioridade ao trabalho de sugestão e empatia com o leitor, dada a polissemia endémica da linguagem). O conceito de sistema está incluído nesse consenso, pois permite atingir facilmente um nível de generalidade útil para localizar o valor dos dados empíricos na análise social. Essa é a diferença entre a descrição dos dados e a explicação do sentido lógico dos mesmos no quadro das teorias existentes (p. 16).

O sistema empírico está intimamente interligado entre si, de forma tão complexa que é impossível estudá-lo todo de uma vez. Faz-se, por isso, abstracção de partes do sistema para estudar outras (p.18).

A respeito da acção também há acordo para a tratar seja como dirigida a finalidades, adaptativa ou motivada (p.19). Os indivíduos isolados não são um objecto de estudo para a sociologia (p.21).

Sobre o conceito de sistema social, Parsons refere que é preciso saber distinguir sistemas sociais de sistemas culturais (p.24). Os antropólogos trabalham sobretudo a cultura e os sociólogos sobretudo a sociedade. Uns sobretudo em padrões de sentido, valores e normas e os segundos trabalham modos de integração e institucionalização (p.27).

Há que aprender a distinguir sistemas sociais de indivíduos, por um lado, e sociedade de economia e política, por outro lado. Há quem considere que a economia e a política são ramos da sociologia. Parsons informa-nos que não é essa a sua interpretação. Mas é certo que os sistemas sociais incluem subsistemas de tipo político e de tipo económico. A sociologia, porém, interessa-se primeiro pelos aspectos funcionais de integração e de manutenção de padrões, enquanto a que a economia e a política se orientam por outros interesses de análise (p.33 e p.35). A sociologia interessa-se por aspectos não racionais da vida social, como a internalização de valores e normas e a institucionalização (p.36).

No que diz respeito ao modo de analisar sistemas sociais, Parsons identifica a análise estrutural e funcional, a análise da dinâmica dos sistemas, a hierarquia das relações de controlo

Os conceitos de estrutura e função pode ser considerados ora teóricos, ora empíricos (p.47). A estrutura refere-se aos quadros de actividade e as funções à razão e finalidades da sua existência. Estrutura é um dado e a função é adaptativa ao meio. As dinâmicas sociais são diferentes conforme os estados de equilíbrio ou reorganização/mudança que sejam dominantes em cada momento. As agências de controlo são um equivalente ao sistema nervoso e regulam as acções dos indivíduos em sociedade.

Lição 7. A teoria de sistemas (1), por Parsons

Depois de termos lido as duas estratégias de desenvolvimento das teorias sociais propostas, à saída segunda grande guerra, quando os EUA passaram a assumir a liderança do mundo ocidental, no quadro do New Deal e das políticas internacionais de apoio ao desenvolvimento (uma estratégia de unificação - “a teoria” - e uma estratégia de meticuloso trabalho de investigação empírica - “as teorias”), cabe ler um esboço da teoria do sistema social. Teoria que Parsons continuou a desenvolver ao longo da sua via.

Novamente, vale a pena tomar atenção às referências bibliográficas disponíveis. Identificar o estatuto do texto que vai ser lido: os títulos artigos em revistas, na norma usada no índice do caderno, são nomeados entre aspas. Como os títulos de capítulos inseridos em livros. A diferença é que os livros têm autores, editores ou organizadores, a que acrescem as informações sobre local de impressão e editora, enquanto as revistas não têm autores. E podem também não ter nem local de impressão nem editora.

No caso do texto 5, Parsons é um dos quatro editores de um livro cujo titulo é Teorias da Sociedade, mais um livro de textos variados sobre teorias sociais. Mas este publicado em 1961, mais de uma década depois da discussão com Merton a que fizemos referência nas aulas anteriores. Parsons continua a bater-se pelo valor da sua estratégia – na época muito promissora e bem acolhida. Por exemplo, em 1971, como denuncia a referência 5 bis do índice do caderno de textos, Parsons foi escolhido para dar uma contribuição para uma enciclopédia de ciências sociais em língua inglesa sobre interacção social, assunto que poderia ter sido entregue a autores interaccionistas, mas não o foi.

O trecho que nos cabe estudar é apenas uma parte da introdução do livro citado acima. E caracteriza-se pela sua extensão e complexidade. Pelo que começamos por dar conta da sua estrutura, seguindo os subtítulos, numa primeira leitura em diagonal, para na próxima aula atendermos ao texto propriamente dito, mais em detalhe.

Um primeiro subtítulo refere algumas áreas de consenso teórico corrente entre os sociólogos daquele tempo. É uma estratégia de revisão bibliográfica clássica nas ciências sociais acompanhada de indicações de consensos, como forma de suscitar autoridade ou, ao menos, identificar um estado da arte. Um segundo subtítulo promete explicar o que é o conceito de sistema social. Chave da teoria, no singular, teoricamente adaptável a qualquer circunstância e a qualquer objecto de estudo. Um terceiro subtítulo anuncia um paradigma de análise dos sistemas sociais, uma metodologia.

À parte, o texto continua para identificar categorias da estrutura social (os sistemas são constituídos por estruturas e funções, à semelhança que os animais superiores também têm esqueleto e órgãos). Os subtítulos são interacção e papeis sociais, valores e normas, a estrutura dos sistemas complexos, modos de diferenciação interna às sociedades (parámos por aqui).

Trata-se de um exercício de compatibilização da densa realidade e da linearidade da ideia fundamental – usar a ideia de sistema para a análise social como a física atómica usou o átomo, de forma heurística, para estimular o debate e acumular conhecimentos ou como a biologia usou organismo. A aparente anarquia das interacções é, afinal, na prática, organizada por papéis sociais herdados, criados anteriormente à chegada dos seus ocupantes, proporcionada por pessoas e organizações criadas antes de serem interpretadas por quem venha desempenhar esses papéis. Os imigrantes, por exemplo, chegavam aos EUA muito depois dos seus postos de trabalho serem criados. Os imigrantes iam para os EUA porque havia postos de trabalho, papéis para cumprir. Cada um fazia o melhor por cumprir os papéis. E desenvolvia as suas vidas, as suas interacções, em função da necessidade e vontade de cumprir esses papéis. A estrutura social proporcionava oportunidades e cada um, em função das suas expectativas e da capacidade ou sorte de encontrar os papéis que melhor lhe conviesse, assumia o papel que lhe cabia. O mesmo se poderia dizer da reconstrução da Europa com financiamentos norte-americanos. Os EUA ofereciam os empréstimos e as empresas em condições de reorganizar a vida dos países destruídos pela guerra. Aos europeus cabia aproveitar as oportunidades e ajustarem as suas capacidades aos papéis que melhor proveito pudessem tirar das ofertas norte-americanas.

A estrutura, aquilo que se herdou a funcionar da grande guerra, impõe normas contratuais e jurídicas sobre como fazer, acompanhadas de valores – como os de liberdade – próprios do país de origem, os EUA. Na sua interpretação em contextos europeus, normas e valores sofrem adaptações, mas impõem-se às pessoas da mesma forma que acontece nos EUA. Embora do outro lado do Atlântico os valores das diferentes comunidades migrantes tenham uma autonomia (hoje chama-se multiculturalidade) que não há normalmente na Europa continental, mais marcada pela laicidade.

É preciso reconhecer que a simplicidade lógica da ideia de sistemas precisa de ser elaborada para poder resistir às necessidades próprias da análise social, extraordinariamente complexa e variada. Trabalho a que Parsons se dedica. E de que destaca o fenómeno da diferenciação interna das sociedades. Em particular a característica particular das sociedades modernas de multiplicação e criação de instituições. Formas organizadas de fixar e promover valores a partir de normas e profissões organizadamente desenvolvidas para o efeito.

Lição 6. As teorias de médio alcance, por Merton

“Sobre as teorias sociológicas de médio alcance” é um texto que sustenta uma forma de pensar a sociologia em que o trabalho de investigação empírica tem um papel que não tem na filosofia: não se trata apenas de confirmar a ideia com a qual se compara. Trata-se de encontrar inspiração no próprio trabalho de investigação para construir teorias que representem aquilo que empiricamente pode ser observado.

É o segundo dos capítulos de um livro que serve para apresentar aos estudantes de sociologia a estratégia de Merton para o desenvolvimento da disciplina. Refere o lugar mental entre as muitas sugestões de explicação suscitadas pelo confronto com a observação da vida social e os “amplos esforços sistemáticos para desenvolver uma teoria unificada” (p.2). Esse será o lugar das teorias de médio alcance. Esforçadas para se elevarem acima do senso-comum, mas, ao mesmo tempo, sem estarem preocupadas em explicar todos os fenómenos sociais de uma vez.

Por exemplo, as teorias dos grupos de referência, da mobilidade social, dos conflitos, da formação de normas, podem desenvolver-se autonomamente umas das outras. Sem prejuízo de haver esforços, quando estiverem suficientemente maduras, de articulação entre elas. Sobretudo a partir da vantagem que possam possibilitar para compreender como os conflitos promovem ou fazem recuar a mobilidade social, por exemplo.

As teorias serão testadas pela diversidade de factos que podem acolher. Por exemplo: a teoria dos papéis sociais será tanto mais forte quanto for capaz de reconhecer que cada pessoa usa diversos papéis sociais no seu dia-a-dia e durante a sua vida. Os papéis sociais são interpretados e alterados por quem os vive e, por outro lado, quem os vive não os vive de uma forma definitiva, mas circunstancial. Sendo assim, há que reconhecer que os diferentes grupos sociais tendem a reunir pessoas que usam com mais frequências que pessoas de outros grupos sociais certos conjuntos de papéis sociais. Por exemplo, há desportos que são praticados ora mais por classes altas ora por classes baixas. Embora aparentemente nenhum impedimento exista para que todos tenham acesso ao desporto. O mesmo se passa com a escolaridade ou o casamento. Casamos tendencialmente com pessoas que usam papéis parecidos com aqueles que usamos todos os dias. Nas escolas as pessoas também se agrupam conforme essas afinidades. E as próprias seleccionam, eventualmente sem intenção, os seus alunos entre aqueles que tenham certas características sociais.

Estas referências de teorias de média alcance – propostas de ligação entre as teorias dos grupos sociais e dos papéis sociais, no caso – não são incompatíveis nem podem ser deduzidas dos grandes sistemas teóricos, como o de Marx ou de Parsons (p. 13). São menos filosóficos e mais empíricos. E podem, ao mesmo tempo, proporcionar diálogos entre grandes sistemas e realidades práticas.

O que as teorias de médio alcance procuram identificar são as diversas maneiras das pessoas, grupos, instituições, sociedades, usam para concertar e coordenar a instabilidade provocada pela diversidade de papéis que são chamados a desempenhar ao mesmo tempo. Como se desenvolver estruturas sociais para ajudar a resolver problemas concretos desse tipo (p.14). Não há aqui preocupação de generalização histórica, mas antes identificar graus de ordem e como se evitam os conflitos, na prática (p.16).

Um texto tão longo como este é organizado por subtítulos. O que nos ajuda a fazer uma leitura em diagonal. Depois de ler a introdução, lendo um subtítulo e algumas frases do texto respectivo pode-se ficar com uma ideia do argumento, mesmo sem ler todo o texto. Usando os conhecimentos que temos sobre o autor, aquilo que costuma propor aos seus leitores, o estatuto do texto em causa – neste caso, destinado a estudantes.

“Sistema totais de teoria sociológica”, Merton refere-se às propostas de Parsons, que compara com as de Marx. Mais abstractas do que empiricamente sustentadas. Servem para dirigir a atenção dos investigadores, mas (p.17) não são úteis para o desenvolvimento de uma ciência tão jovem, a que falta coleccionar muitos dados (como os zoólogos começaram por ser caçadores e coleccionadores de insectos, antes de estabelecerem classificações morfológicas sistemáticas (p.22)). Na física, ciência das mais velhas, há partes que não se comunicam entre si ou não se ajustam muito bem (p. 24). As distâncias com a química mantêm-se. E os esforços de consolidação e mútua confirmação continuam a fazer-se à margem da actividade científica mais comum, de contacto com o campo empírico.

“Pressões utilitárias para os sistemas de sociologia” é a secção onde o autor refere os constrangimentos impostos à sociologia pelo modo como se sustentam os seus praticantes, enquanto professores e estudantes que concorrem em mercados de trabalho qualificados e orientados para finalidades das organizações empregadoras, nomeadamente as universidades. Pressão para responder a todas as questões (p.27) e justifique assim a sua existência (p.28).

“Sistemas totais e teorias de médio alcance” contrapõe as teorias especiais, dedicadas a certos fenómenos, às teorias gerais, sistemas pessoais que explicariam tudo.

Identifica e procura depois responder às reacções à proposta do autor. Regista a existência, a par das concepções, de conflitos de status entre autores (p.43) que trabalham de forma diferente uns dos outros. O que origina, muitas vezes, que uns, para denegrir a posição alheia, usem “visões estereotipadas” das teorias em causa. Como dizer que uns são apenas descritivos e outros são apenas especuladores (p.39). Estes exageros revelam sociólogos que rejeitam, deste modo, organizar as experiências capazes de pôr em causa as suas ideias. Isso desmotiva o estudo do trabalho dos outros (p.40). O que é reforçado pelo facto de haver muitas publicações (p.41). O que acaba por “polarizar” as posições em escolas, em vez de ajudar a fazê-las convergir (p.42). “Há pouco lugar para os terceiros não comprometidos” com as orientações gerais de cada escola (p.44).

Merton tenta escapar aos condicionamentos que apontou fazendo um excurso por diferentes trabalhos que usam teorias de médio alcance e outros que recusam fazê-lo. E termina com um resumo (p.77). Reclama ser esse um legado de Durkheim e Weber, capaz de ultrapassar as barreiras entre micro e macro análise social, e servir todos os sistemas teóricos totais, pois as teorias de médio alcance são capazes de reconhecer as suas limitações de observação e alcance e são feitas para serem completadas por abordagens diferentes.

Lição 5. Discussão da proposta de Parsons, por Merton

Na mesma ocasião em que Parsons escreve para os seus colegas sociólogos norte-americanos, através da revista da associação dos sociólogos, imediatamente a seguir ao fim da guerra, Merton, seu discípulo, contrapõe à estratégia do seu mestre outra estratégia alternativa. Revelando mutuamente uma dialógica científica entre pessoas que discordam profunda mas respeitosamente. Pessoas que partilham, assim, o interesse no desenvolvimento da disciplina e a valorização do estrutural-funcionalismo.

O argumento tem duas fases: na primeira Merton ressalta a subtil diferença entre valorizar a teoria, isto é, a coordenação entre conceitos (proposta por Parsons), e valorizar as teorias mais locais e modestas, no plural. Na segunda fase Merton destaca cinco problemas que beneficiariam com a sua abordagem.  

O texto começa referindo-se a um (raro) ambiente de colaboração crítica entre os dois autores. Ambiente que ambos concordam dever ser estendido a toda a sociologia, independentemente das diferentes orientações e interesses em jogo.

Merton descreve depois o aspecto histórico da teoria, de autores divididos em polémicas geracionais, e o seu aspecto sistemático, isto é, as “partes de teorias mais antigas que sobreviveram ao teste” (p.6) do tempo. Para preparar o apontar do cerne da sua discordância com Parsons: enquanto Parsons entende poder haver uma “teoria” capaz de agregar as diferentes contribuições dispersas, Merton acha que não estão reunidas as condições para tal consenso poder funcionar. São precisas “teorias”, cada uma próxima de fenómenos empíricos, mesmo que contraditórias entre si.

Para defender a sua posição, Merton nota como as ciências naturais também funcionam com diferentes teorias, associadas a diferentes fenómenos, sem que se conheça as relações que podem haver entre si.

Admite que a juventude da e o entusiasmo pela disciplina possam levar a idear a possibilidade de resolver o problema cognitivo de um só golpe. De ser possível ensinar de forma definitiva o fundamental daquilo que se pode saber sobre a sociedade. Mas pede ponderação: julga ser prioritário, no seu tempo, “desenvolver teorias especiais, aplicáveis a conjuntos limitados de dados” (p.11) e não, sobretudo, a construção de uma teoria geral unificadora.

Nesta fase, julga, a teoria geral proposta por Parsons aparece mais como um programa de orientações gerais do que como uma forma de consolidar conhecimentos. “Temos muitos conceitos (…) mas poucas conclusões” (p.12).

Merton usa cinco problemas teóricos para dar conta das vantagens da sua perspectiva: a) facilita não perder de vista a importância do estudo das circunstâncias micro sociais que envolvem as pessoas, independentemente de o hábito as fazer passar desapercebidas aos olhos dos actores; b) as categorias gerais tradicionais de avaliação das disposições humanas – como a cognição, a volição e a afectividade – podem ser insuficientes ou demasiado abstractas para dar conta de situações sociais em análise. Deve haver espaço para a criação de novas categorias; c) a noção de necessidades funcionais (biológicas, de coordenação, de motivação) não deve ser apenas formal: deve ser capaz de considerar os fluxos de acção passada e futura; deve reconhecer a diferença entre os organismos e as sociedades, sobretudo no que se refere aos regimes de transformação muito diferentes entre si; deve preencher o espaço entre os planos gerais e formais de explicação e os planos específicos e práticos directamente observados com abertura de espírito e não com opiniões que facilitam a controvérsia em vez de facilitar a investigação empírica; há que investir mais no estudo de “papéis alternativos” aos que estão em vigor em cada momento, e não apenas nos papéis essenciais, como se fossem imutáveis; (p.27) d) faltam conceitos relevantes na análise de Parsons, como sejam as disfunções sociais, as funções manifestas e as latentes, os substitutos e equivalentes funcionais (tratados noutros textos de Merton); e) a legitimidade do poder é controversa e mutável. Pelo que é enganador falar de legitimidade como algo consensual ou definitivo. Igualmente relativamente à noção de comportamento desviante e de instituições sociais.

Lição 4. A posição da teoria social, por T. Parsons

“O lugar da teoria sociológica” é a tradução de um texto de 1948, publicado na revista da Associação Americana de Sociologia. No pós-guerra, constatada a redução forte de actividade no campo, Talcott Parsons oferece a sua contribuição para discutir orientações gerais para a feitura de ciências sociais (“questões teóricas”) partindo, claro, de teorias que são as suas, mas que não são resumidas ou apresentadas neste texto.

Quer combater “divisão e guerras entre escolas” e “sistemas teóricos pessoais”. Procura orientar-se para a convergência “no desenvolvimento de um grande esquema conceptual”.

No parágrafo 3, Parsons coloca-se às avessas da postura de Alexander: diz que uma ciência [social] madura terá poder preditivo, como as ciências naturais. E que essa maturidade já de algum modo atingida pelas ciências naturais significa uma maior proximidade entre a teoria e os dados empíricos.

No parágrafo seguinte explica a sua ideia: o sistema teórico não deve ser apenas sociológico. Deve cobrir um campo mais vasto do que o campo de trabalho da sociologia. Visto que os sistemas sociais não são alvo da atenção exclusiva da sociologia. O inverso é verdade: outras disciplinas sociais (e naturais) podem e devem interessar-se pelos sistemas sociais e contribuir para o conhecimento desses, a partir da exploração dos seus pontos de vista específicos.

No p. 5 Parsons refere que o estrutural-funcionalismo é uma boa opção de análise de sistemas porque já é usado pela biologia e, portanto, permitiria às ciências sociais usar um modelo teórico e metodológico dialogante com disciplinas dentro e fora do campo das ciências sociais.

Essa análise, no caso das ciências sociais, deveria ser completada por um quadro de referências à acção das pessoas, no sentido weberiano (sentido da acção) (p.6).

Partindo deste quadro geral, Parsons concentra-se depois em questões de método. Identifica três modos fundamentais de orientação da acção dos actores sociais: cognitivos, práticos e afectivos (p.8). Considera sistemas de interacção social e não social (fora das relações directas entre pessoas, com as tecnologias ou com a natureza, por exemplo (p.11)). Um sistema social (incluindo as relações extra sociais) terá que ter a capacidade de responder às necessidades biológicas básicas (sob pena das pessoas não se manterem vivas). Terá de haver algum tipo de ordem geral que garanta a sobrevivência. E haverá também, a nível individual, motivações tendencialmente compatíveis com essa ordem (p.9).

A institucionalização é o lugar, meio ambiente, organização social capaz de articular intenções mutuamente condicionadas de forma útil e prática (p.10). São formas de diferenciação social produzindo diferentes níveis sociais em diferentes partes do sistema social geral. São subsistemas.

Parsons anuncia as componentes principais para análise dos sistemas sociais (p. 12 a 16). Na linha das dimensões sociais que Weber usa para caracterizar as sociedades – classes, status e partidos. Para Parsons trata-se de caracterizar a estrutura da situação, a tradição cultural herdada, a estrutura institucional (a descrição dos subsistemas) e as forças e mecanismos motivacionais (aquilo que dá sentido às acções dos indivíduos). (Noutros trabalhos Parsons refere o sistema AGIL, isto é, um modelo de análise todo o terreno, aplicável em qualquer caso a qualquer objecto sociológico, para o qual se destacam igualmente quatro dimensões, a saber: adaptation, goal-attainance, integration, latency (adaptação, finalidades, integração e latência). Dimensões que não são a mesma coisa que a economia, política, sociedade e cultura. Mas são próximas disso. Dimensões usadas vulgarmente na comunicação social e nas análises sociológicas.

Neste texto, Parsons refere que cabe à sociologia sobretudo caracterizar a estrutura institucional (p.15). Isto é: o sistema social deve ser analisado de vários ângulos e um deles é o mais favorável à sociologia e onde ela pode ser mais útil. Outros ângulos de outras ciências sociais, e até de outras ciências, devem ser bem-vindos como contribuições para ajudar a conhecer os sistemas sociais. Já os aspectos motivacionais são campo de colaboração privilegiado entre a psicologia (forças motivacionais) e a sociologia (mecanismos motivacionais) (p.16).

Na última parte (p. 17 a 22) Parsons chama a atenção para a especificidade dos estudos sobre as instituições, os estudos sociológicos segundo Durkheim, que ele retoma. A cultura seria um objecto privilegiado da antropologia (p.19). As teorias da motivação deveriam centrar-se, diz no p. 21, no comportamente desviante e no controlo social, certamente com a colaboração do direito (de que Durkheim fala na Divisão do Trabalho Social, como potencial de colaboração com a sociologia).

Parsons não se esquece de referir uma outra vertente da sociologia que é a “teoria da dinâmica e da mudança institucional”. “Deveria envolver uma síntese de todos os outros ramos do sistema teórico no seu conjunto” (p. 22). Isto é: a análise social seria a constatação da existência perene de um sistema social, com as suas diferentes componentes, incluindo as analisadas pelas diversos disciplinas sociais e naturais (como as capazes de caracterizar o ambiente tecnológico e biológico). A previsão da mudança seria possível apenas contando com a contribuição de todas essas disciplinas, de forma mutuamente adaptada e conjugada.

A conclusão reforça a ideia de Parsons não ter a ideia de ser possível à sociologia explicar tudo, como pretendia Comte e como muitas vezes parecer a interpretação ainda vigente nos dias de hoje. A unidade prática da realidade exige que um escrutínio completo do sistema social inclua mais do que o escrutínio sociológico ou mesmo social (incluindo contribuições de outras ciências sociais). O que Parsons aqui desenha é uma proposta de posicionamento das teorias sociais com vista a uma actividade concertada no seio das ciências, com vista a estudar sistemas sociais.  

 

Lição 3. A centralidade dos clássicos, por J. Alexander

“A importância dos clássicos” de Jeffrey Alexander é a tradução publicada em 1996 de um texto de 1987, incluído no início de um livro, tipo manual escolar de introdução à teoria social. Apresenta uma nova sociologia em dois sentidos: a sociologia do pós-guerra, em que o ensino da disciplina passou a ser regular nalgumas universidades (não nas soviéticas ou nas sob ditaduras, como em Portugal); a sociologia pós-empiricista, que acompanhou o espírito contestatário dos anos da revolução cultural no ocidente, os celebrados anos sessenta (ver pp. 8 e 9 da introdução de Giddens e Turner).

A versão do texto em inglês disponível é mais curta que o original e foi incluída num outro livro, editado por Stephen Turner também em 1996, também com fins escolares. Previamente à leitura dos textos, parta a sua melhor interpretação, é indispensável uma leitura profunda e atenta das referências bibliográficas e dos currículos dos autores, a que os estudantes devem sistematicamente deitar também depois da leitura dos textos, para confirmar as suas interpretações do que estiver escrito.

Há alguma ironia nesta declaração de Alexander da importância dos clássicos – de facto a importância da teoria social como subdisciplina das ciências sociais – pois, como se verá outras vezes durante o curso, o que se trata é de afirmar uma outra visão estratégica sobre os usos das teorias sociais alheia à visão dos clássicos. Estes últimos não poderiam adivinhar o contexto mais moderno proporcionado pelo New Deal nos EUA e a construção do Estado Social do pós-guerra, na Europa, ao trabalho da sociologia: um contexto de profissionalização em larga escala de sociólogos.

De facto, logo no primeiro parágrafo do artigo estudado, o autor, Alexander, posiciona-se contra aqueles (os empiristas, os que valorizam os dados e não se preocupam suficientemente com as teorias – os profissionais não académicos? Os professores mais metodológicos?) por deitarem no lixo (sic) as contribuições dos clássicos, alegando estarem ultrapassados e por aquilo que terão feito de melhor ter já sido incorporado na sociologia mais actual. Isto é, Alexander é favorável à inclusão dos clássicos nas discussões actuais da sociologia. Para lá da profissionalização e da atenção aos detalhes técnicos exigíveis a qualquer profissional, a sociologia, a formação dos sociólogos, os próprios profissionais, deveriam estar abertos a discussões mais largas e abertas, incluindo a abertura a outras disciplinas das ciências sociais e a problemas sociais diferentes daqueles com que se confrontam nas suas especialidades profissionais.

Ao ler o texto logo se compreenderá que essa cooperação entre as ciências sociais, através da partilha da teoria social, não serve para as ciências naturais. Pelo contrário: para o autor o problema central é exactamente o carácter diferente das ciências naturais e das ciências sociais, decorrente da diferente natureza dos respectivos objectos de estudo. Alexander toma partido por Max Weber na sua discussão com Durkheim, sobre esta matéria. O que não acaba com a discussão. Precisamente porque o interesse e o valor dos clássicos é esta capacidade de contestar as opções presentes: sejam elas o empiricismo, sejam elas aquilo que Alexander e os seus editores possam representar dentro das teorias sociais (representam a hegemonia dos neo-weberianismos – a par dos neo-marxismos – na teoria social actual, a hegemonia das ideologias liberais e de esquerda, em detrimento das ideologias corporativas, caídas em desuso, de que Durkheim foi adepto).

Um clássico, escreve Alexander no parágrafo 4, tem um status privilegiado no seio das discussões teóricas, que permite uma deferência especial àquilo que escreve, como se não precisasse de demonstração. Refere-se o autor ao uso de argumentos de autoridade nos debates teóricos, o que não é um comportamento muito científico. Para continuar com uma afirmação controversa: que os cientistas naturais não têm ou não usam clássicos. O que revela alguma ignorância básica sobre o que sejam as ciências. Quem ignora Newton ou Einstein ou Darwin? Todas as disciplinas têm os seus pioneiros conhecidos e há muitas teorias científicas conhecidas pelos nomes dos seus proporcionadores, às vezes nomes a duplicar, dada a guerra organizada na ciência pelas nações.

Ao ler o texto presume-se que o autor – forçando a sua autoridade – pretende convencer que o empiricismo é uma cópia das práticas da ciência no campo das ciências sociais. E que isso é negativo porque o objecto de estudo, a sociedade, está imbuída e misturada de tal forma íntima como os sociólogos que não permite o distanciamento que os cientistas têm da natureza. Como se a humanidade estivesse e pudesse existir fora do meio ambiente, para lá das restrições impostas pela atmosfera. Ideia que hoje em dia é contestada pelos riscos do aquecimento global de que todos estamos conscientes. Se há intimidade dos investigadores com a sociedade, porque lhe faltará essa intimidade com a natureza? De que matéria serão feitos os sociólogos e os seres humanos que não de matéria orgânica, com o mesmo estatuto da matéria que faz todos os outros animais?

No parágrafo 11 afirma que o consenso sobre o valor e o sentido dos dados nas ciências sociais é improvável (mas nada diz sobre a mesma probabilidade nas ciências naturais; presume-se que não há discussões teóricas e há consensos nesse campo, o que não é verdade). Por exemplo, no parágrafo 13 Alexander diz que no objecto de estudo das ciências sociais são os estados mentais. Que esses estados mentais podem confundir-se com os estados mentais do observador. O que impediria um distanciamento científico em ciências sociais. Porém, António Damásio, por exemplo, um neuro cientista luso-americano famoso em todo o mundo reclama estar a estudar a consciência da espécie humana como a base dos estados mentais e também dos estados de sociabilidade. Por isso sugere a vantagem (ou necessidade) das neuro ciências contarem com uma mais intima colaboração das teorias sociais para melhor entender como conceber a consciência e, portanto, como melhor intervir de forma terapêutica. A mesma consciência é divulgada por tecnólogos do campo da informático, por exemplo da disciplina de inteligência artificial, sobre a necessidade de contar com conhecimentos sociológicos para fundamentar melhor o seu trabalho.

No parágrafo 14, o autor declara que enquanto as ciências naturais não têm impacto nas estruturas sociais, as descobertas das ciências sociais sim, mudam as estruturas sociais. Quando, na prática, vemos sociedades híper-comandadas por tecnologias baseadas nas ciências, como a electrónica ou as indústrias de base fóssil, e muito pouca capacidade de intervenção dos sociólogos e até dos economistas para controlar as crises sociais e financeiras, ou para condicionar a construção de estruturas sociais. Há uma esperança de potencialidades terapêuticas da sociologia, através da organização e reorganização de instituições, que não se confirma.

No parágrafo 32, Alexander explica que a referência aos clássicos tem a vantagem de reduzir a complexidade. E passa a elencar 4 vantagens da existência de clássicos: a) facilita a comunicação entre profissionais do mesmo oficio; b) dispensa os conceitos clássicos de explicações, sem perda da sua complexidade e instabilidade; c) permite a introdução de aprioris ideológicos e não científicos que estão interditos aos profissionais, mas são implícitos quando um sociólogo escolhe para patrono, digamos assim, do seu trabalho um ou outro clássico, todos posicionadas em campos ideológicos distintos; d) admite o uso de argumentos de autoridade legítimos úteis nas lutas de afirmação profissional.

Alexander refere-se à teoria social como paradigma ou meta teoria cuja prática é ao mesmo tempo separada do trabalho empírico e condição da sua existência. Refere-se àquilo que hoje podemos chamar as teorias dos gestores de ciência. Não se refere às teorias que obrigatoriamente os investigadores sociais e os profissionais da sociologia têm de mobilizar e criar para cumprir as suas funções operacionais nos diversos campos da sua actividade, desde animação cultural, assistência social, socorro de vítimas, actividades de empoderamento, comunicação empresarial ou social, etc. O conceito de teoria usado é mais próximo da concepção de Parsons do que da concepção de Merton, que estudaremos de seguida. Embora a época em que Alexander escreve já era dominada pela estigmatização do estrutural-funcionalismo e das propostas de Parsons.

 

Lição 2. Apresentação da organização do curso

O curso funcionará em torno dos cadernos de textos que serão usados para a cadeira e que podem ser comprados na casa de fotocópias. Esses cadernos devem ser estudados e serão usados para os testes.

Fez-se a apresentação do site do curso, do programa, da avaliação e do tipo de trabalho durante a semana e nas aulas. Os sumários alargados estarão disponíveis no site e as aulas serão a preparação dos testes. Isto é, a leitura orientada para objectivos de compreensão de problemas, conceitos e concepções de sociedade avançados pelos diferentes autores (de que os alunos deverão ter uma ideia antes de chegar às aulas, nomeadamente lendo os textos e as indicações curriculares de cada autor).

As leituras serão acompanhadas pelo enquadramento das concepções teóricas e metodológicas dois principais autores estudados na cadeia do 1º semestre. Marx, Durkheim e Weber. Pois estas referências são usadas actualmente pelos inovadores da teoria social. Embora a atenção no pormenor das concepções particulares das duas escolas principais (estrutural-funcionalista e crítica) e das outras (teorias do conflito e interaccionismo simbólico) seja o que nos vai ocupar durante as aulas e para os testes.

Cada estudante fica especialmente encarregado de ler um texto antes da aula em que ele vai ser estudado. Na aula prevista o professor pedirá aos estudantes encarregues da leitura mais atenta do texto explicações sobre o modo como entenderam essa primeira leitura do texto. Incluindo, uma caracterização do percurso intelectual do autor.  

Lição 1. A emergência e evolução da sociedade

Slides Lição 1. (Notas mais desenvolvidas)

Porque é que a sociologia surge nos últimos cento e cinquenta anos e não antes? A que é que a sociologia responde? O que é a sociedade que nos quer apresentar?

Pode dizer-se que a crise 1845-48 foi a parteira das nações, dos estado-nação. Estes respondem, ainda hoje, em primeiro lugar para evitar a fome generalizada que revoltou os camponeses em 1848. A construção dos estados nação na Europa toma por modelo a república francesa adaptada às circunstâncias de cada caso. A competição entre estados, por exemplo por nacionalizar as colónias, teve duas consequências: a guerra na Europa e no Mundo e, por outro lado, a criação de estados nação por todo o planeta – o processo de descolonização.

É na viragem do século que se institucionaliza a sociologia académica e é durante as guerras da primeira metade do século XX que, nos EUA, se cria uma escola em Chicago, onde Parsons vai reunir as ideias de Durkheim e Weber para conciliar o pensamento sociológico num só. Para permitir criar uma linguagem única em que todos os profissionais pudessem aprender e colaborar, acumulando conhecimentos. Com o fim da guerra, e a reconstrução da Europa, retoma-se as actividades sociológicas interrompidas no nosso continente. E a influência de Marx (dada a proximidade da União Soviética) e da Escola de Frankfurt trouxeram a sociologia crítica, herdeira do pensamento emancipatório, a esperança de transformação social que permitisse mais segurança, alimentar e existencial, aos trabalhadores.

Será sobretudo em torno do contraste em as Grandes Escolas de Chicago e Frankfurt que se organizará a cadeira. Tendo em atenção as diferentes concepções de sociedade (sob os estados nação) desenvolvidas pelos fundadores, ainda hoje muito influentes. E sem perder de vista a necessidade por vezes enunciada, mas não concretizada, de não separar as teorias (concepções de sociedade desejável, conflitual, corporativa ou liberal) dos métodos que lhes são inerentes (a descoberta das fontes e soluções dos conflitos, a descoberta das bases práticas e simbólicas das solidariedades, a descoberta dos efeitos sociais da acção livre dos cidadãos).