Sociologia da Violência Ramo do Mestrado de Sociologia ISCTE-IUL
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Sumários ENGLISH VERSIONLição 1. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Lição 2. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020; Lição 3. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Lição 4. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Lição 5. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Lição 6. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Lição 7. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Lição 8. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Lição 9. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Lição 10. 2013; 2014; 2015; 2017; 2018; 2019; 2020 Linhas de orientação para os trabalhos
A finalidade do processo pedagógico do
curso não é fazer investigação de campo. O que se pede é que os
estudantes desenvolvam pesquisa conceptual sobre o que é a violência nas
sociedades humanas testada na capacidade de criar as bases de um
projecto de investigação a ser eventualmente desenvolvido e realizado
depois da cadeira terminada. Segundo trabalho: aplicação experimental das teorias estudadas, em particular a definição de violência como redução ao corpo, ao caso de violência descrito, usando perspectivas de zoom out (como a experiência micro influencia a vida macro) e zoom in (como o macro influencia o micro). (20%) Terceiro trabalho: fazer ciência não é dar respostas. É produzir boas perguntas que peçam informação desconhecida que possa ser descoberta e revelada. Metodologia para recolha de informação útil para obter mais rigor na análise da violência (redução ao corpo formativa e redução ao corpo nos limites ou para lá da resiliência das pessoas envolvidas) a nível micro (formação de identidades mais ou menos deterioradas), a nível macro (império, rede global de estados e estados de espírito dominantes) e a nível meso (cuidados sociais organizados para potenciar a boa violência e minimizar a má violência). (30%) Trabalho final: síntese de aprendizagens e um projecto de estudo futuro. Texto entre 25.000-70.000 caracteres: análise completa do caso de violência, e seu enquadramento nos quadros de valores sociais em uso. (40%) Teoria científica nas ciências sociais (2020) os segredos do impérioDo método das ciências sociais (2020) zoom out e zoom in autocetradoDemonstração da existência de censura à produção de conhecimentos (2020) A fonte arqueológica da discriminação e da discriminação das mulheres, para além do caracter social específico que possa ter tido o homo sapiens antes, é a linguagem. A violência tem bastante menos importância nisto, me parece. A violência é incutir medo usando as dificuldades da vida, complicando-as e dando ao agressor um sentido de segurança. O principal do fenómeno poder são as disposições incorporadas, a produção social de estados de espírito que são interpretados pelas pessoas nas diversas circunstâncias, criando hábitos (hierarquias, discriminações, segredos). O poder das conotações (2020)
2021 Lição 3 - Teoria da violência na prática
Costa da Caparica a preparar a aula, 2.3.2021, longe da COVID-19 A praia, onde o mar e a terra se separam e se reúnem, tornou-se no pós-guerra um símbolo de lazer, de marginalidade, de luxo (estilo de vida surfista) para quem a frequenta fora do tempo de férias. Porém, o confinamento e o tele-trabalho tornam possível trabalhar na praia e preparar aulas enquanto se faz um passeio pela praia. Usando esta abordagem holística, pode-se procurar, discutir e compreender a violência (incluindo violência social incorporada, violência simbólica) onde o senso comum não a encontra. O caso da conferência David Christian sobre educação para a geração futura mostra uma violência enorme (incorporada, naturalizada) operando através de um evento de zoom. Um evento muito bem organizado apresentado a milhares de acadêmicos da plataforma Frontiers (uma empresa de publicação científica de código aberto e global), um projecto de Christian patrocinado pela obra filantrópica e empresarial de Bill Gates, há 10 anos. A mensagem era contraditória: o fundador da Big History (como Big Tech ou Big Farm) propõe uma abordagem holística da ciência e da cultura - isso significa reunir todas as ciências para desenhar uma alternativa à história religiosa sobre a criação e o significado do universo. Os cientistas sabem que isso rompe com o trabalho científico comum que é hiperespecializado e cartesiano (eles funcionam na ciência). Então, a proposta segue um caminho contraditório com um tal propósito revolucionário: bastaria fazer do projeto de Christian um sucesso mundial para produzir a revolução social necessária para lidar com os desconhecidos desafios das mudanças climáticas. Quando todas as crianças forem educadas acreditando na Grande História em vez dos mitos da criação, substituindo a religião pela ciência na base do ensino da epistemologia, tudo mudará para melhor. Para tanto, bastaria que todo programa escolar incluísse mais uma disciplina: a Grande História.
Questionado sobre como isso ajudaria a
lidar com as desigualdades sociais e econômicas, Christian não tem uma
resposta. Questionado sobre a fusão de seu projeto com um projeto
semelhante de uma colega que deseja trabalhar conjuntamente, a resposta
foi: “Este é outro projeto!” Você deve procurar um patrocinador por sua
conta. É comum que patrocinadores corporativos apoiem conferências científicas. Não é comum apresentar Bill Gates como parceiro, como inspiração, em vez de um mero patrocinador, entre outros possíveis. Isso lembra a propaganda do herói comunista, do chefe que manda em tudo. Para conduzir uma análise como esta, a respeito de um caso que cada aluno tenha em mente, proponho que se considere uma abordagem holística da natureza humana. A violência, como “redução ao corpo”, é como uma inspiração que trabalha em conjunto com uma expiração, o estado-de-espírito (mescla humor, disposição, mentalidade do tempo: níveis biológico, individual e social a trabalhar juntos). A violência é incorporada como experiência em cada pessoa. A partir da experiência, cada pessoa traça um conjunto de estados-de-espírito. Cada pessoa usa cada estado-de-espírito (familiar, profissional, desportivo, corporativo, nacional, disciplinar, etc.) de acordo com a situação e sua tomada de decisão momentânea. A violência vai retroalimentar: a vivência das respostas da situação ao estado-de-espírito utilizado incorpora-se no corpo de cada um, inscrevendo-se na memória da utilidade do estado-de-espírito utilizado. Cada ciclo de vivência do estado-de-espírito por uma pessoa, assim como por muitas pessoas, eventualmente todas as pessoas, reduz cada tipo de estado-de-espírito na carne, no corpo, nos corpos. Meia dúzia de milhares de anos produziu experimentos e difundiu o estado-de-espírito imperial. Essa é a violência da Grande História imposta pelas sociedades imperiais a todos. Educação e ciências são formas fortes de difundir esse estado-de-espírito. É por isso que a educação familiar e escolar imagina a ciência como um conjunto de dogmas e a ciência (as práticas da dúvida) aceita ser (violentamente) reduzida ao dogma escolar para servir à elite imperial que financia tanto as escolas quanto as ciências.
É por isso que David Christian aceitou
reduzir sua abordagem holística a um projeto patrocinado por Bill Gates
gerido exclusivamente por ele, como um profeta científico, em
contradição com seu projeto de ciência holística. 2020 radicalização, traição e violência
Lição 10. Violência nos cuidados dos doentes mentais e na discriminação promovida pelas escolas Breve apresentação dos docs disponíveis acima para apoiar a produção dos trabalhos finais. Apresentação de casos e problemas discutidos por dois grupos: as relações entre a violência dentro das famílias e violência institucional, entre violência das escolas e a violência da sociedade de classes, a violência estrutural e a violência quotidiana. A maneira como as vítimas de violência colaboram com os processos de violência de que são alvos. Lição 9. Violência urbana , gentrificação e violência obstéctrica Discussão de casos trabalhados pelos estudantes, como violência grave e fraca, reconhecível e que passa desapercebida, que definição de violência se enquadra melhor aos dados.
As informações do tribunal são fiéis à realidade da violência? Os tribunais não são usados para forçar a decisão (certa e errada) de coagir algumas pessoas a fazer o que não querem fazer sozinhas? Os tribunais não são usados por policias, advogados, procuradores, para reclamarem sentenças de acordo com a ideologia de cada um?
Os casos apresentados de violência contra crianças mostram que a violência tem aparências e consequências muito diferentes. Deve-se evitar comparar o que é violência mais dura ou prejudicial, uma vez que a dor e o dano são são sofrimento e pena. Existem situações violentas que não podemos comparar, como discriminação na escola e abuso sexual.
Lição 6. Pandemia de virus como violência (2) Bill Gates e as epidemias (2015)
A
capacidade de usar a ciência aplicada na vida diária depende da
abordagem epistêmica que se escolhe. Se se
escolhe representar a realidade como o que está planeado, como fazem os
relatórios profissionais especializados dos estados e das empresas,
esquecendo e ocultando as atividades de cuidados, como se fossem
“naturais” (não muito importantes para a vida social), a finalidade da
análise será o motivo pelo qual os planos não
estão a ser cumpridos e o que se pode fazer para que o passem a ser
(alguns chamam isso políticas públicas). Em
alternativa, pode optar-se por estar atento a fenómenos raros (como
raios e trovões) e observá-los. Talvez alguém possa
descobrir eletricidade.
Lição 5. Pandemia de virus como violência daqui para a frente, com recurso a software ZOOM Discussão do uso dos conceitos e métodos apesentados nas aulas anteriores no caso da análise da presente situação global. Democracia imperial - operação de alto risco
Lição 4. Como dar conta da violência?
Leia o
seu caso para encontrar preconceitos e conotações que dissimulam a
violência:
Para uma análise de caso, é preciso apresentar uma estratégia de conhecimento para superar o sistema de dissimulação (imperial) moderno que abrange teorias sociais e o bom senso. Para iniciar os procedimentos científicos, é preciso usar meios científicos para seguir a verdade: superar os sistemas de dissimulação, desnaturalizar a discriminação, o elitismo e a hierarquia, reverter os produtos cognitivos do trabalho cotidiano das linguagens, como as principais conotações e segredos sociais que as palavras carregam.
A violência é toda tentativa de consolidar energia (social e ambiental) para sobreviver,
envelhecer e reproduzir as espécies. A violência é recebê-la e
entregá-la, vitimização e agressão, tanto psicológicas quanto físicas,
na maioria das vezes sem risco de vida ou ferimentos. É uma atividade
cotidiana de todos os tempos, que projeta as nossas memórias e os factos
relevantes da nossa experiência de vida na nossa mente, sem a qual
ninguém vive. A violência não é uma coisa má ou boa. A nossa moral e a nossa identidade conotam-na de maneira diferente, em função das nossas relações de poder, de cuidados, de identidade, de que cada um depende. Por si só, as emoções (como o amor) não são boas nem más. O mesmo ocorre com a violência. Pode-se reconhecer ambas as expressões em polos opostos da moral e dos hábitos de conotação comuns. Mas, para efeitos científicos, não é fácil estar ciente da maneira como as palavras se podem separar das conotações que geralmente as acompanham.
A) Resultados integrados da experiência social: procurar estados de espírito: antigos abolidos, actuais e novos estados de espírito emergentes. Seguir as suas histórias, adaptações, glórias e decadências. Propor uma definição de cada um deles;
b) Apresentar o estado e os mercados como sociedades diferentes e
anteriores;
Lição 1. sociologia abolicionista: olhar as injustiças (como os segredos escondidos pela violência) de frente, procurando encontrar como (não) é possível encará-las
Violência está fora do âmbito dos estudos sociais: é imaginada como anti-social (são os desvalidos e os estigmatizados que causam a violência de que eles próprios são vítimas; são minorias que se recusam a integrar-se, como as mulheres, os imigrantes, os LGBT, os ciganos, que provocam a reacção das autoridades, como a polícia, e não aceitam a ajuda dos trabalhadores sociais). Hiperespecialização das CS permite não discutir o que é sociedade. Foca a sociedade selecta (poder, de cima) e desfoca sociedade naturalizada (cuidados, identidades, relações com a natureza, incluindo nestas a violência).
A teoria social disponibiliza conceitos e métodos capazes de tratar a
violência, na condição de se trabalhar conscientemente à margem das
práticas hiperdisciplinares. Conceitos de aplicação multinível – como
disposições (Bourdieu), processo civilizacional (Elias), ética religiosa
(Durkheim, Weber), do espírito revolucionário (Marx), da energia social
(Collins), da violência (Reemptsma), do self e do outro generalizado
(Mead), da genealogia do conhecimento-poder (Foucault), dos substractos
universais (Shofield), a que se devem acrescentar teorias biológicas
sobre as necessidades de cuidados e de identidades, apoiadas no medo,
vergonha, angústia (Diel, Scheff, Girard).
Lição 3. violência natural: a) violência é parte de toda a expressão
da vida; b) há violência boa e violência má; c) há violência exposta e
violência escondida; d) o moralismo mostra a violência exposta e esconde
a violência escondida; MÉTODO: zoom in zoom out – minhoca (verme) que
somos
Violência como TUDO aquilo que dizem sobre ela:
1. sociólogo abolicionista 2. oposição à sociologia (universidade) humilhação (primeira intervenção como prof) 3. oposição à avaliação humilhação (“não percebi nada” / não se faz nada) 4. segredo (“isto serve a burguesia; como? Não sei!”) Eu sei: a) “as CS não servem para nada” complexo de inferioridade e segredo ideológico b) “psicologia não é sociologia?” ambas são académicas e ambas são incompreensíveis, porque não há pessoas sem sociedade ou vice-versa C) método: exclusiva atenção ao poder (“tudo é poder”, como na revolução) e alheamento dos cuidados, identidades, natureza e violência 5. Como interpretar sociologia humilhante, avaliação humilhante, segredos sociais, poder e natureza humana? Império (estado de espírito que usa discriminação para legitimar elites de modo dissimulado, como se fosse natural e inelutável) 6. O que há a fazer? Compreender a natureza humana (sociabilidade dos estados de espírito e respectiva evolução) e o império: denunciar as discriminações, as elites exploradoras da natureza, a dissimulação ideológica e científica. 7. isso faz-se através do reconhecimento do maior dos segredos sociais produzidos pelas ciências sociais: a) existe uma pirâmide invertida que sustenta, simbolicamente, a modernização (não há nenhuma alteração na constante de mobilidade social relativa nem igualdade de oportunidades); b) manutenção do foco em imitar as classes dominantes e esquecer as culturas populares faz-se desvalorizando até a irrelevância a vida (Terra e biologia, ciências naturais) os cuidados, as identidades e a violência (tratar mal dos velhos, das crianças, das mulheres, dos que não tenham ou queiram poder, das terapias tradicionais, das culturas alimentares, do bem estar físico, do cultivo da natureza) 2019 exemplos de excelentes trabalhos finais, 2018: por Miguel Lopes Ilundi Durão de Menezes
Lição 10 - Luta de classes enquadrada por uma violenta tenaz social (abolicionismo da violência, RBI e Justiça Transformativa) The essence of Evil, John W. Whitehead, 2019 Abolicionismo da violência (PP) Abolicionismo (prezi) RBI; RBI TT; RBI num só país; RBI como instrumento político A notícia da ligação aqui presente fala de parte do mundo representado pelo triângulo escondido, mas realmente existente, da vida social: a procura e a oferta de crianças para fins sexuais, para sacrifícios sexuais em favor da expressão da partilha do poder por homens contra as mulheres, em sentido simbólico e em sentido perverso em muitos casos. Comparar os EUA com Portugal, a este respeito como a outros respeitos, para nos tranquilizar e podermos dizer que isso é coisa que só se passa lá, ou que ao menos só se passa lá com tal dimensão, é uma forma de evitar confrontarmo-nos com a realidade. Mais fácil seria saber que se passa na China ou na Rússia ou em África que, por diferentes razões, são vistas como sociedades perversas. Mas não a nossa e, sobretudo, não a nossa família e nós próprios. Claro que ninguém se vai expor publicamente como alguém que conhece crimes odientos como aqueles a que nos referimos. Mas também é certo que todos os envolvidos nesse mega negócio não denunciam aquilo em que participam, e são capazes de intimidar todos os que não participam directamente, mas têm conhecimento e calam: todos nós. Todos justificados pela própria teoria social que só olha para o triângulo de cima e admite e reclama que pensemos que o triângulo de baixo é o mundo da violência, da crueldade, do exótico, que nada tem a ver e nem se mistura com a sociedade solidária e politicamente controlada, por exemplo, através da ilusão de haver critérios de meritocracia a funcionar. Os segredos sociais são, ao mesmo tempo, uma vontade social (sacrificial, ver mais adiante) e um processo respeitado como limite do conhecimento das ciências sociais: a violência é omitida e tomada como anti-social, embora omnipresente. É tratada como uma especialização pouco frequentada e ignorada da teoria social principal. Há, pois, a luta de classes – que é a violência política tratada como violência aceitável – que uns dizem que existe mesmo sem violência evidente e outros dizem que só existe luta de classes porque há quem a queira provocar para poder tomar o lugar dos dirigentes actuais. Para uns a luta de classes é a natureza das coisas e para outros a luta de classes é uma ideologia que provoca a violência. (O que corresponde à contraposição entre sociologia crítica e sociologia académica). Nem uns nem outros tomam a violência como algo semelhante à dor, algo próprio da vida, com funções importantes para manter e reproduzir a vida. Nomeadamente funções de estímulo da sexualidade e dos processos de criação de crias, como o parto nos mamíferos e os sacrifícios que os cuidadores, geralmente os pais, fazem para trazer os filhos à vida adulta em boas condições para terem uma vida boa. Os sacrifícios não são apenas paternais e solidários. São igualmente e ao mesmo tempo impostos a terceiros, como forma de condicionar a competição pela sobrevivência que a vida nos impõe a todos. Há os sacrifícios de crianças abandonadas, servidas para fins sexuais (sobretudo raparigas) e para fins de expiação de crimes (penas de prisão, sobretudo contra rapazes). Um terço das crianças não têm refeições quentes se as escolas não as fornecerem, a troco de um estigma imposto por as famílias serem pobres. Metade da população em Portugal é pobre, pelo que se pode presumir que uma parte importante das famílias pobres conseguem escapar à estigmatização escolar. Mas a maioria não consegue. O triângulo de baixo, podemos imaginar, não é apenas uns restos de gente: é cerca de metade da população. Metade da população que desaparece dos radares das ciências sociais, que as tratam como gente igual a todos os outros: iguais e livres. Como se os sacrifícios fossem práticas ultrapassadas e não praticadas na modernidade. Trata-se, evidentemente, de uma ilusão. Trata-se de uma forma de
apologia da sociedade moderna, de propaganda, de imposição de ideologias
que veneram aquilo que existe e escondem a parte desagradável daquilo
que se passa (além das guerras, genocídios, refugiados, imigrantes, as
indústrias de sexo forçado, de drogas ilícitas, de armas organizadas
pelos estados, como as prisões, as organizações de acolhimento de
pessoas isoladas, etc.). Ao estado repressivo contrapõem-se as classes sacrificadas, alimentadas pela miséria e a proibição de solidariedade com tal gente organizada por leis e práticas de caridade e de controlo da pobreza. No meio dessa violenta relação social estão as classes médias, temerosas de cair na pobreza e também enojadas das decisões do estado, dando da política (e das chefias, em geral) a ideia repugnante associada. Esse temor, essa vergonha, produz a sensação de insegurança que promove e sustenta as práticas sacrificiais legítimas, o orgulho profissional e o sacrifício laboral, ao serviço de quem pagar a nossa subsistência. Sensações que são depois manipuladas pelo estado para justificar a actuação dos seus sistemas repressivos, como se fossem ao serviço da sociedade e não das elites do momento. RBI TT e Justiça Transformativa são exemplos de políticas sociais que
podem ser postas em prática, caso haja liberdade para tal, e que têm a
potencialidade de revelar a base sacrificial das sociedades modernas.
Submissão (conflito externo) e subordinação (violência interior) O poder e a violência estão intimamente ligados. Quem exerce violência está também a exercer o poder. O vice versa não é obrigatório, mas, em todo o caso, há sempre uma base de violência prévia, a ameaça de violência, que acompanha qualquer exercício de poder. Pode-se distinguir poder de submissão de poder de subordinação. O primeiro caso, corresponde a actos voluntários de seguir uma chefia, com a vantagem de esta saber ao que vai e, desse modo, poupar energias a quem com ela colabore, de pensar o que é preciso fazer, em termos estratégicos, em cada momento. O segundo caso corresponde a uma evolução da submissão para uma situação de não recuo: uma vez em posição de submissão, as pessoas terão de pagar um alto custo, nomeadamente em exposição à violência, para deixarem de estar em submissão. Nas sociedades moderna o estado de subordinação é herdado de tipos de sociedade anteriores e aprofundou-se historicamente, abrangendo mais gente, de uma forma geral, toda a gente. Nesse sentido, pode-se falar de estado totalitário (Big Brother). Um dos instrumentos de subordinação é o trauma, isto é, consequências da violência em função da resiliência de quem a vive. O trauma funciona como violência morta. Dispensa a presença de novos actos de violência, pois a violência é revivida na imaginação e funciona fisiológica e psiquicamente como se a violência estivesse a ser exercida, sem acção de agressores. Esta característica humana é usada pelos poderosos como modo de manter o poder, mesmo depois das suas funções de direcção deixarem de ser socialmente úteis, numa perspectiva de bem comum. Os efeitos dos traumas transmitem-se de geração em geração, com intensidades diferentes. A intensidade dos efeitos pode aumentar junto de quem não viveu directamente o trauma. E as gerações mais velhas podem, como as mais novas, receber os efeitos dos traumas da geração ao meio. O trauma incorpora-se, torna-se parte integrante da identidade de cada um, em termos de história pessoal e de expectativas que entende como legítimas. Tudo isto é realizado de um modo transparente, não consciente para as pessoas e para as sociedades. Inclusivamente, o próprio trauma se esconde a si mesmo, por assim dizer, na medida em que a repugnância perante situações de violência espontaneamente se afasta da simples memória do que aconteceu (memória que foi registada de forma pouco lúcida, pois assim funcionam os sentidos em situações de violência). Todo este circunstancialismo torna o trauma um regime útil para escamotear, com ameaça de violência, os segredos sociais (da justiça, de guerra, de estado, de famílias, etc.). A profissionalização das ciências sociais, com o fito de integração
social e modernização individualista das sociedades com estados sociais,
serve o processo de subordinação na medida em que destrói os rastos
traumáticos existentes na sociedade, por exemplo, quando ignora a
história como uma especialidade exterior aos estudos sociais ou quando
ignora as dificuldades materiais de sobrevivência das pessoas que vivem
em meios ambiente adversos (fome, miséria). Porque ignora as gerações e
a presença dos traumas nas sociedades, as ciências sociais concentram a
sua atenção nos indivíduos isolados, relegando para problemas da
psicologia, da anormalidade, da doença, de cada um aquilo que é um dos
principais instrumentos de transformação da violência em subordinação.
Lição 8. As concepções mecânica-fixa e complexa-empírica dos níveis de realidade Para pensar a violência (redução ao corpo) é preciso abandonar a teoria social dominante (macro violência de Wieviorka - quadro de violência - irredutívelmente separada da micro violência - violência exclusivamente física). Modos de organização social, como as famílias, as corporações, o império, são estados de espírito incorporados à força e por sedução, individual e socialmente, durante processos de integração conflituais. A violência pode destruir corpos e sociedades, mas também os constrói. Os níveis de realidade empírica dependem da capacidade de distinção das elites, através das conotações discriminatórias e da ameaça credível de exercício desequilibrado da violência. Definição de violência: Separada de tudo o resto (contacto físico em Collins; situações identificadas como violentas pelas pessoas, porque a violência vem de “fora” em Wieviorka) a violência constrói um subsistema, tipo sistema criminal ou sistema de guerra. Misturada de forma dificilmente discernível com a realidade, o estudo da violência permite compreender o que é o moralismo (maniqueísmo em torno da violência) e a implicação da investigação nas acções violentas (ideologia de respeito pelos poderes estabelecidos, os que acabam por contar a história à sua maneira). Cabe ao investigador evitar o moralismo e escolher a implicação com que quererá trabalhar a violência. O valor da análise depende da capacidade de aprofundamento do conhecimento da consciência moral social, em vez de acatamento da moralismo vigente que favorece as posições dominantes (mais protegidas da violência). Estudar a violência (2019) Conflict and violence (2019-Prezi) Violência usada pelo império (Blog) Procurar envolvimento do Estado/poder (cima para baixo); procurar implicações dos cuidados/identidade (baixo para cima) - zoom out e zoom in; Pragmatismo pluralista VS conceptualização holista (pano de fundo: emoções incorporadas manipuladas em identidades e em expectativas) TEORIAS: Wieviorka (quadro político) e Collins (emoções que bloqueiam violência) impõem antipatia (face aos agressores, face às vítimas e face às testemunhas) de tipo judicial e evitam, assim, a possibilidade de usar a empatia, a simpatia, na análise social: classificam estranheza em vez de explicar humanidade, a banalidade da violência (e do mal). Teoria da violência como comunicação, com um emissor e um receptor, e respetivos aparelhos, através de um meio que é permeável à violência mas não se sabe nem como nem porquê.
Lição 7. Resiliência: cuidados e identidades Império, violência e aparelhos ideológicos As ciências sociais são parte da sociedade e da violência que ela integra. Como? Porquê? Porque é que os estudantes e os professores não se dão conta da violência nem do lugar que as ciências sociais ocupam no concerto geral da violência? Estas perguntas só podem ser colocadas a partir da teoria da violência como redução ao corpo. E podem incluir outras perguntas que as teorias do enquadramento geo-estratégico da violência pedem para estudar mas não parecem preocupadas com isso. De que modo as lutas entre estados (a Guerra Fria, a globalização, etc.) implicam as pessoas que não decidem as estratégias de afirmação política dos estados no concerto das nações? Porque é que a violência geo-estratégica se impõe como quadro geral de violência? Também se pode perguntar como se relacionam as violências simbólicas – como os antagonismos de identidades nacionais – podem ter efeitos práticos ao nível da violência física, não apenas nas guerras mas nas práticas hooligans no desporto, por exemplo? Uma grande diferença entre as teorias da violência como redução ao corpo e as dos quadros de violência e da violência física é que as primeiras referem-se à vida animal, digamos assim, da espécie humana. Em vez de se referirem a excepções no quotidiano humano civilizado. Para o explicar melhor podemos considerar um quadro social de violência de muito longo prazo, com 5 mil anos, em vez dos quadros de referência estudados por Wieviorka com 30-50 anos. O império é um projecto com poucos milhares de anos, que não era conhecido antes, e de que as nossas civilizações (tanto no ocidente como no oriente) são herdeiras. É no quadro do império que a violência começa a ser usada a uma escala e com um planeamento anteriormente desconhecidos. O que é o império: é um projecto de sociedade (um estado de espírito) misógino, elitista e dissimulado. Usa as conotações das palavras como formas de inculcação de sentimentos duráveis, impondo comportamentos adequados à discriminação de géneros de pessoas com diferentes estatutos sociais por razão de essências (por serem quem são, mulheres, escravos, crianças, migrantes, etc.). Essa classificação emotiva de géneros serve a produção de elites com vidas separadas das populações, dirigentes que eles também nascem dirigentes, beneficiando da misoginia imperial. A implementação destes mecanismos articulados entre si e as suas consequências são negadas firmemente por regimes de dissimulação muito elaborados, de que as ciências e as ciências sociais são herdeiras e parte integrante. O império não deve ser entendido como um inelutável desígnio de Deus. Isso é a ideia que as elites promovem para escamotear a fortíssima e esforçada organização de trabalho que mantem e reproduz as elites e os povos subordinados. Pelo contrário, o império é uma criação humana recente – só com 5 mil anos – e que se afirmou com muita paciência e trabalho, como muitas derrotas também, derrotas utilizadas para aprender como fazer melhor o império. O império romano, e todos os outros do mundo clássico, acabaram. O Otomano, o russo e o chinês, ainda acabaram no século XX. Os dois últimos para se recomporem a partir de dentro dos comunistas que destruíram os respectivos impérios. O império britânico, do século XIX, foi destruído pelo império norte-americano através das grandes guerras mundiais da primeira metade do século XX. Actualmente parece que se está a viver a transição da sede do império de Washington para Pequim. O império é uma forma de imaginar estrategicamente as relações
sociais que foi experimentada e transmitida ao longo dos tempos. É um
regime social que é muito eficaz e eficiente. Suscita a admiração e os
sacrifícios dos que acreditam nas promessas de redenção, que um dia os
seres humanos deixarão de ser animais e passaram a viver como deuses.
Lição 6. Revisão da matéria dada As etapas de trabalho a seguir, para produzir o relatório final previsto para avaliação, devem considerar 4 fases, duas das quais teoricamente cumpridas atá ao dia da aula de hoje. Primeira fase: descrição do caso de violência a estudar, de forma tão precisa e exacta quanto possível. Como a violência está misturada com a vida, digamos assim, há violência por todo o lado. Para ser possível focar a atenção num caso singular de estudo há que o fixar de forma intencional e determinada, afastando o mais possível as misturas entre casos de violência que fazem parte da corrente de casos que normalmente se sucedem em série e em paralelo. Pode ser, por exemplo, a pedra que a polícia diz que um jovem do bairro da Jamaica terá atirado contra a polícia e que explicaria a intervenção das autoridades para o capturar, de seguida, da forma que foi filmada e divulgada pelas redes sociais. Mesmo não se sabendo se a pedra foi ou não lançada – o jovem diz que não lançou pedra nenhuma – essa violência, ainda que simbólica e imaginada pode merecer ser o caso escolhido. A segunda fase, uma vez escolhido o caso específico a estudar, no meio de muitos outros casos de violência (a vida no bairro, a briga entre mulheres, o ataque da polícia, o ataque do pai do jovem contra a polícia, a resposta da polícia, a reacção do jovem contra a sua detenção que espoletou reacções em cadeia, incluindo a primeira manifestação de negros contra a violência policial na capital), há que aplicar-lhe criteriosamente as teorias de Wieviorka, Collins e a da redução ao corpo. A macro análise de Wieviorka, incluindo a sua análise sobre movimentos de vitimas para revindicação de direitos protectores, pode suscitar quadros de acolhimento de imigrantes das ex colónias em resultado da descolonização e do silenciamento dos traumas de guerra, a discriminação das autarquias e do estado perante os não nacionais, a persistência de bairros cujas condições de habitação são indignas. A micro análise de Collins permite mobilizar as suas ideias de que são as situações, e não as pessoas, que são violentas; que os raros violentos são treinados para isso e, entre esses, são apenas alguns os que conseguem adquirir competências para se distraírem e tornar violentos, evitando olhar as suas vítimas e minimizando as emoções que impedem geralmente as pessoas de serem violentas; que os violentos procuram alvos fáceis e sem capacidade de reacção, de modo a não causar problemas depois. A análise da violência como redução ao corpo permite, além da descrição da violência, avaliar o modo como ela se enquadra no modo como as pessoas e as sociedades transformam a violência em situações positivas, usando e aumentando as respectivas resiliências, mobilizando-se a si e a outros para produzir esperanças de vidas melhores. Na terceira fase dos trabalhos, que estava prevista começar agora, o
que é pedido é que sejam listadas as informações indispensável ao cabal
esclarecimento do que foi, empiricamente, praticamente, o caso de
violência escolhido: terá havido ou não projecção de uma pedra e em que
direcção e sentido? Percorrer o caso com a ajuda das diferentes teorias
implica construir perguntas sobre o que se tenha passado, algumas delas
sem resposta conhecida. Para cada uma dessas perguntas, há que elaborar
um plano metodológico para recolha de informação útil para informar
sobre aspectos relevantes do caso. Tais lista de perguntas e de métodos
será acrescentada aos dois relatórios anteriores e entregues em 8 de
Abril. Esta será a penúltima fase do trabalho. A última é a escrita do
relatório final para avaliação. Lição 5. Teorias para aplicação aos casos Diferença entre teorias do conflito (de Wieviorka e Collins, entre grupos que assim se definem, negando cuidados, criando identidades e gerando poderes) e teorias da violência como redução ao corpo (tipica da vida, que serve tanto a expressão - para fora - como a impressão - incorporação, auto-mutilação). A primeira pressupõe a separação do individuo da sociedade e a segunda pressupõe a sociedade como forma de vida a determinados níveis criados pela evolução. A primeira pressupõe a criação excepcional da violência pela vontade extraordinária de um agressor contra uma vítima e a segunda pressupõe a existência quotidiana da violência susceptível a escaladas e a apaziguamentos através de mecanismos sociais a estudar. A prevenção dependerá, pois, no primeiro caso, da anulação da vontade de violência - provavelmente pela violência - ou, no caso da teoria da redução ao corpo, da capacidade de identificação e destruição dos mecanismos sociais de escalada, entre os quais o império. Wieviorka e Collins são dois autores da sociologia da violência muito diferentes entre si. As principais contribuições do primeiro são a preocupação na definição do quadro geral de violência social (sucessivamente, na Europa, as Guerras Mundiais, a Guerra Fria, a Guerra contra o terrorismo sem estado; é possível que se esteja agora a compor uma nova fase histórica de polarização Rússia-China vs EUA) e a caracterização da emergência de movimentos sociais de identificação de vítimas, no pós-Maio-1968. Collins estudou em particular a micro-violência, a violência física, para descobrir que as pessoas são naturalmente anti-violentas. São as circunstâncias, explica, que podem ser violentas e impedir que as pessoas escapem à violência. Nas cidades, como nas guerras, as pessoas escapam tanto quanto podem à violência. Mas há situações que não permitem fuga. As pessoas perdem energia quando se envolvem em violências, e precisam de energia para viver melhor. Por isso, as pessoas face a situações violentas sentem uma tensão que as inibe espontaneamente de se envolverem na violência. Quando são socialmente estimuladas para cumprirem tarefas violentas, por isso merecer promoção profissional ou prestígio social, aquelas raras pessoas que aprendem técnicas para escapar à tensão emocional que emerge em situações de violência tornam-se violentas. Ambos os autores desejam contribuir para um dia abolir a violência, mas não se referem à abolição das instituições violentas, como as polícias, as forças armadas, as prisões. Nenhum destes autores estuda a violência do estado contra as sociedades nem questiona a razão pela qual a sociologia abandonou o tema ao vazio (na verdade, à polícia e ao direito criminal, como se fossem saberes de um mundo diferente do mundo social). A definição de violência como redução ao corpo não admite a possibilidade do fim da violência. Como não se admite que seja uma coisa boa acabar com a dor. O que exige é uma reformulação das teorias sociais, compatibilizando-as com a dialéctica da vida que expande para fora do corpo e reduz ao corpo, em movimentos alternados, como a batida do coração ou a encher dos pulmões. Os ciclos de violência-expansão do corpo podem ser observados a nível micro (pessoas) ou macro (instituições, grupos, sociedades) e podem ser caracterizados na diferença de disposições para realizar actos violentos hostis ou não intencionais (como os acidentes de trabalho) em maior ou menor escala. Para a boa observação da violência não nos devemos deixar arrastar por considerações moralistas e criminais. Antes disso, devemos encontrar uma forma de aprender a observar a violência por todo o lado (redução ao corpo), eventualmente com resultados positivos (como o desporto) outras vezes com resultados emocionalmente armadilhados (como na escolas e nas profissões) agarrados à rarificação da legitimidade das identidades modernas (praticamente confinadas ao estatuto laboral). Nos casos concretos, é indispensável conhecer as condições sociais
que produziram não apenas as circunstâncias violentas que levaram as
pessoas a entrarem na violência, mas também como cada uma das pessoas
presentes, agressores, vítimas e espectadores, incluindo aqui os
reporters de comunicação social e os sociólogos, como cada pessoa foi
criada (cuidados que suportam identidades e relações de poder) e como se
deixou envolver nas situações violentas (viver em bairros degradados ou
como sem abrigo, escolher a profissão de polícia, ser educado pelo
instituições de apoio social endémicamente abusivas, como é agora
reconhecido ser o caso da Igreja). Lição 4. Definição de objecto de estudo, teste de teorias e desenho de método Uma vez definido um objecto empírico de estudo, um caso de violência, tão bem definido quanto possível, é indispensável compreender que os relatos que se fazem sobre o que poderá ter acontecido dificilmente correspondem à realidade dos factos. Em situações de violência, as emoções estão demasiado exaltadas para não perturbarem a serenidade das percepções. Isto é, quem assiste – como quem participa – compreensivelmente “vê” aquilo que as emoções valorizam e “não vê” aquilo que está mais habituada a aceitar como comum. Outros aspectos da vida social perturbam a percepção da violência: o moralismo e o direito criminal. Todos sabem que quando se está envolvido em actos de violência, do ponto de vista institucional, como se costuma dizer, todos perdem a razão. Isto é, quando se está a julgar um caso de violência, os argumentos da razão são subalternizados pela iniciativa da violência. Quem tenha razão mas tenha tomado a iniciativa da violência, perde a razão. Quanto muito esta serve de atenuante. A razão também serve para explicação “sociológica”, como a de serem os pobres mais violentos do que os ricos porque “precisam” e sentem revolta por terem de viver a sua situação. Essa explicação deve ser contestada, porque é também uma acusação não demonstrada, ideológica, preconceituosa, que mistura práticas culturais, educação, preconceitos de classe, xenofobia, defesa de corpos de segurança, prestígio dos desportos de combate, sem analisar os casos concretos. Por outro lado, face ao conhecimento público de um caso de violência, é provável que os tribunais sejam mobilizados para julga-lo. Nessas circunstâncias, os diferentes intervenientes posicionam-se espontaneamente face a um juiz virtual para explicar que não fizeram mais do que usar a violência para defesa própria, para fins profissionais, no quadro da proporcionalidade exigida pela situação, que responderam, portanto, à violência e não causaram, de modo nenhum, a violência. Cada pessoa envolvida contará, ou não, com testemunhas do que se possa ter passado. Cada pessoa envolvida sabe ainda qual é o seu lugar no julgamento criminal: testemunha de acusação, queixoso ou arguido, que são as duas posições não simétricas previstas nos tribunais criminais. Perante uma boa descrição do objecto de estudo há que lhe aplicar, em forma de teste, diferentes teorias sobre o que seja a violência. Sugiro a leitura do texto Violência em sociedade para considerar 3 teorias: a de Wieviorka sobre os quadros estruturais e históricos de violência; a de Collins, quando afirma que são as situações que são violentas, porque as pessoas espontaneamente resistem emocionalmente a envolver-se em situações de violência: há é pessoas violentas que estão habituadas e são estimuladas pelos seus grupos de pertença a superar as barreiras emocionais que nos afastam naturalmente da violência, sobretudo dirigindo-se a vítimas indefesas, que provavelmente não terão capacidade de criar problemas (retaliação, condenação social ou institucional) na sequência do uso da violência; a teoria da violência como redução ao corpo e de gestão da violência a favor do império. Esta última teoria, ao contrário da duas primeiras, considera o estudo da violência do estado/império e da suas repercussões sociais indispensável a qualquer análise de violência, sobretudo em condições de pós-modernidade ou de globalização ou de sociedade da vigilância. Iremos insistir em questões de método, que já abordámos na aula
anterior e voltaremos em aulas seguintes. Nesta aula apenas chamamos a
atenção da necessidade de, ao mesmo tempo, distinguir e integrar
diferentes níveis de realidade e diferentes sensibilidades de análise.
Através de exercícios de zoom in (atenção a todos os detalhes da acção
violenta escolhida, identificando também as lacunas de informação) e de
zoom out (identificar quadros de violência a níveis local,
institucional, nacional, internacional) podem encontrar-se linhas de
investigação e explicação. Para obstar aos obstáculos moralistas que
sempre perturbam a análise da violência, há que exercitar a capacidade
de empatia com a vítima e também com o agressor, perguntando como foi
possível deixar-se apanhar pela situação ou tomar a iniciativa da
violência, partindo do princípio que é um ser humano como nós em vez de
entender os participantes na violência como extraterrestres, que
manifestamente não são. Lição 3. Violência simbólica e violência física Mário Tomé foi educado militar, viveu a guerra colonial e o seu fim, é hoje activista político no Bloco de Esquerda e escreveu um texto sobre a guerra, em 2000. Começa por notar como a
ficção tem sido mais capaz de tratar do assunto do que a política ou a
história. Como a respeito do humor, campo onde é admissível tratar de
assuntos tabu noutras formas de comunicação-expressão, também com o
entretenimento acontece algo semelhante, a merecer um estudo mais
aprofundado. No caso, trata-se de saber
como acabou a guerra colonial e o império português. Acabou com a
vitória dos militares sobre o regime de Salazar e Caetano, como reza a
história, ou acabou com a derrota militar e, consequentemente, política
do imperialismo português? A violência, como a guerra, é
um tema emocionalmente muito delicado porque afecta directamente as
identidades das pessoas, a imagem que fazem de si mesmas e que
transmitem e querem ver respeitada. Isso explica a razão pela qual a
mera descrição da violência é tão delicada ideologicamente. Por exemplo, no caso de
violência entre brancos e negros ou entre elementos de diferentes
etnias, como distinguir o que é violência motivada por racismo (e de
onde surgiu esse racismo) e o que é violência não racista? Se num caso
desses, uma das partes é violenta em nome de uma instituição violenta,
como a polícia ou o estado, ainda se pode considerar motivada por
racismo ou é apenas violência do estado e dos seus agentes? Se num caso
desses há mulheres envolvidas, haverá misoginia na causa da violência ou
será apenas racista ou apenas estatal? A classificação prévia das
pessoas, em termos de etnia e género e profissionais da violência
(autoridade para usar armas) é, em si, uma violência? Ou é simplesmente
uma necessidade própria de auto-identificação por parte das pessoas que,
ao fazerem-no, se distinguem de outros, se aproximam de uns tantos e, em
caso de violência, são chamados a tomar parte dele do lado que
corresponde à sua identidade? Eis uma mnemónica que pode ajudar a desenvolver a análise de um caso concreto de violência:
Lição 2. Definição de violência e sua análise Há critérios para avaliar uma boa definição de violência, ou de outro qualquer objecto de estudo das ciências sociais: a) tem de ser pensada como parte integrante da sociedade, e não parte autónoma ou dispensável dela; b) tem de se abrir para o escrutineo de outros tipos de saber, a começar pelas ciências naturais. Uma definição que satisfaz esses requisitos é: violência é uma forma de redução ao corpo. Violência está integrada nas dinâmicas sociais de redução ao corpo e não nas de expansão do corpo. Violência deve poder ser detectada biológica e fisicamente como redução, em alternativa a expansão, nos corpos vivos. Do ponto de vista dos métodos disponíveis actualmente nas ciências sociais, a presença e acção da violência deve poder ser identificada através das suas expressões empáticas, por um lado, e pela capacidade analítica de a enquadrar no fluxo de processos violentos vitais e morbidos. Para o que é indispensável um esforço de abstracção moral, para evitar contaminações moralistas da análise e da identificação da violência, geralmente associada como meramente negativa e até anti-humana ou anti-social. Ele há diversas actividades e tipos de acontecimentos que são outras formas de redução ao corpo. A morte, mesmo quando não é violenta, é uma forma de redução ao corpo. Como forma de redução ao corpo, a violência acontece sempre misturada de forma indiscernível, a não ser em termos analíticos, com a vida. A análise social exige a diferenciação de dimensões: nomeadamente a distinção entre poder, cuidado e identidade, por sua vez subdivisiveis por poder (político, económico, cultural, profissional) cuidados (familiares, redes sociais, movimentos sociais, institucionais) e identidades (pessoais, profissionais, de submissão e de marginalidade). A partir de 1927, conferência
de Copenhaga, a física decidiu orientar-se por uma perspectiva
pluralista da produção científica – fazer recuar a conceptualização
próximo de zero e exponenciar as relações pragmáticas entre a matemática
e a tecnologia. Estava fundada a tecnociência, que veio a inspirar
também a profissionalização das ciências sociais, começada poucos anos
depois, no quadro do New Deal. A teoria de sistemas de Parsons,
inspirada na cibernética, é a versão tecnocrática da teoria social e
manual de ensino que continua a ser seguido actualmente, mesmo depois da
grande crítica marxiana dos anos 70.
2018 Violência e sociologia (2017) Sociologia da Violência (livro) (2015) Violência e Sociedade (blog) Violência como redução ao corpo (2018) Ciências sociais , políticas públicas e política (2018) Ciência colaborativa e a concepção de violência (2018)
Lição 10. Escola para lá das ciências sociais Síntese das aulas:
Será impossível (e indesejável) abolir a violência e os sacrifícios. Mas é possível (e desejável) abolir a retaliação organizada, na cena internacional e no quadro das actividades do estado e das empresas. A democracia tem sido um modo de alargar a elite, comprando e integrando todos os candidatos potenciais (portas giratórias entre o público e o privado) e minimizar lutas pelo poder que usem a eliminação física dos adversários políticos "amigos", mantendo altos níveis de espírito de sacrifício junto de uma população isolada e controlada pelo medo (de exclusão social e de repressão). A manutenção de hierarquia em condições de democracia (estados pressionados pelas ambições espontâneas de liberdade e igualdade), a produção generalizada de espírito de sacrifício, usa a retaliação como forma de coerção/sedução: limites étnicos e nacionais à solidariedade e à empatia espontâneas (racismo institucional), criação artificial da escassez (condicionamentos económicos), generalização dos sentimentos de culpa pela sorte individual (comunicação social) a nível das responsabilidades familiares, laborais, criminais, etc.
Reorganizar o conhecimento, onde e como? Globalização e conhecimento colaborativo: temas dominantes: guerra (retaliação), ecologia (sobrevivência), império (organização), internet (redes de conhecimento colaborativo/competitivo; centrípeto e centrifugo) O que é violência? O que é moral? Exemplos de temas de investigação: Violência social: do confronto de egos ao desporto, das angústias para-sexuais às políticas codificadas da honra Sacrifício para obter cura: da distracção ao placebo, da sangria humana à sua substituição por animais domésticos; da magia à medicina Guerra: do genocídio identitário ao complexo industrial-militar, da chantagem emocional à comunicação de massas, da mobilização à educação Violência imperial: do empalamento à prisão
Lição 9. Abuso, sacrificio, retaliação, organização - a violência e a moral Wilkinson e Pickett mostram a existência da sociedade (igualdade solidária), em contraste com a estado (hierarquizado) e o mercado (competitivo): menos problemas sociais com a maior igualdade (menos maus fígados e depressões também). Clark mostra o império: capacidade organizativa contra a tendência para a igualdade (elitismo e misoginia, hierarquização e discriminação, favorecidos pela manipulação da natureza humana em retaliação). É sobre o império que se desenvolvem os mercados e as economias capitalistas. Os rituais de superioridade respondem à consciência da precariedade da existência, no duplo sentido da vida e das condições de vida. A capacidade de sobrevivência de cada um é testada socialmente como forma de sobrevivência, desde a mais tenra idade até aos rituais de passagem e, depois, na guerra. O espírito de sacrifício resulta da submissão aos rituais de superioridade, até que se mereça direitos de superioridade (espírito de proibir e de imaginar missões, direcção/gestão autoritária e democrática, coerção e sedução). Tais direitos de superioridade são dificeis de atingir e de manter. Mas muito satisfatórios do ponto de vista de "da lei da morte libertando". O modo de organização imperial maximiza a estabilidade da superioridade e do espírito de sacrificio (sem esperança de superioridade, a não ser mediada pela elite imperial). A existência de uma mobilidade social moderna que não existiria anteriormente, sob o regime aristocrático (por distinção do regime meritocrático moderno), é negada por Clark. Afirma ser uma ilusão haver diferentes regimes de mobilidade. Apesar do manifesto aumento dos rendimentos nominais, da intensificação da produção de nomes dos papeis sociais (profissões) nas organizações cada vez mais especializados e hierarquizados, o aumento exponencial da produção de certidicações escolares, na prática, como diria Villaverde Cabral, o aumento de rendimentos (a modernização da economia e do estado português) resultou num aumento das desigualdades sociais sobretudo por via da pobreza relativa. Isto é, como diria Louçã ao estudar a continuidade das famílias e redes sociais das elites portuguesas, ou como se pode observar pela simples observação dos nomes dos professores das faculdades de direito ou pelos nomes dos autores de sociologia comparados com o sexo da maioria dos sociólogos, o elitismo e a misóginia são provavelvemente grosso modo semelhantes ao que sempre foram, apesar das aparências (ideologias e dissimulações, políticas e das ciências sociais). Ou como disse Pierre Bourdieu para a França dos anos 60, a escola mais não faz do que reproduzir a classe média, limitando a ascenção dos filhos dos trabalhadores, e se as distinções sociais deixaram de ser feitas por via do direito, continuam a ser feitas por via cultural. Lição 8 - Evolução da violência organizada A história do estado moderno é também a história do afinamento da organização militar que permite obter vitórias nos campos de batalha, como as tácticas inglesas nos campos de Aljubarrota – episódio da "primeira revolução burguesa" no continente europeu (Borges Coelho) que mostrou a superioridade militar dos flecheiros ingleses (em menor número) perante a cavalaria medieval. Organização militar que se difunde na sociedade civil. Como ainda hoje as tecnologias (materiais e de lideranç) continuam a migrar dos meios militares para a economia civil. A violência, a organização da violência, através do ensino das artes da guerra e da difusão da propaganda (diabolização do inimigo e santificação dos "nossos"), nunca deixou de estar no centro da actividade significativa das sociedades, como o mostra a história, entrecortada por actos dos mais violentos, contados sempre do lado do vencedor (incluindo as derrotas que, como disse recentemente o Presidente Marcelo a respeito de La Lys, na Primeira Grande Guerra, devem ser apresentadas como vitórias). A propaganda também não terá estado fora desse processo de evolução e intimidação que é a organização militar e as suas consequências civis. As próprias ciências sociais não estão livres desse contexto de guerra em que se gera a organização social (imperial e burguesa). Na medida em que, conforme é a estratégia vencedora da burguesia dominante, serve para omitir a presença estratégica da violência nas sociedades modernas. As ciências sociais externalizam a violência da sociedade e do mercado, separando os sistemas de controlo social – como os serviços sociais e as policias ou o sistema criminal-penal – do sistema de segurança – militar e policia criminal - da sociedade propriamente dita, pacifica com excepção de todas as violências "anti-sociais". A violência pode ser apresentada como anti-social, exterior à sociedade, na mesma medida que a natureza, as minorias, os criminosos, etc., também podem ser apresentados como estando fora da sociedade, como estrangeiros, como as tradições, como espectros do que foi a espécie humana antes de se tornar moderna. A teoria de sistemas dominante nas ciências sociais permite essa discriminação arbitrária entre as partes da sociedade que bem se entendam separar. As teorias sociais, dependentes das avaliações políticas dos financiadores e do entendimento do senso comum, no caso da difusão livreira, recortam arbitrariamente a sociedade (em dimensões, níveis, sistemas) mais em função do acolhimento do público do que em função da pertinência cognitiva, apenas discutida entre pares que aderem ao mesmo paradigma teórico, isto é, à mesma doutrina. Ao contrário da ciência, em que as discussões sobre os objectos de estudo são desenvolvidas no seio da ciência, as ciências sociais validam as suas teorias e discussões em função do acolhimento político e social das suas teses e o poder de se afirmarem contra as outras teorias concorrentes. O que explica a hiperespecialização e o isolamento mútuo de disciplinas e subdisciplinas entre si. O tratamento sociológico da violência (seja no modo Wieviorka, sem definição do que seja violência, seja no modo Collins, reduzindo a violência à "objectividade" da violência física) é uma especialização que não obriga a uma reforma da teoria social dominante. A discussão sobre o que possa ser a melhor definição de violência para uso sociológico, por exemplo em torno da noção de redução ao corpo, só pode ser organizada e levada a cabo se se admitir a possibilidade de questionar as próprias práticas anti-científicas das ciências sociais. Ou se constituir uma corrente de pensamento sociológico isolado de todos as outras. Se se tomar por objecto de estudo, em vez da sociedade moderna ou as civilizações, na sua diversidade, a espécie humana, no seu todo singular, produto e actor da evolução da vida, cai por terra o argumento falacioso de que não é possível adoptar métodos científicos para o estudo das sociedades porque estão muito próximas de nós e nós estamos emocionalmente envolvidos com elas. Argumentos que servem para justificar e estimular o racismo incorporado nas teorias quando discriminam o que não são organizações modernas como se fossem parte da natureza. Racismo que deve ser distinguido de xenofobia. Esta é um sentimento próprio das pessoas quando exaltam a sua identidade social, e é provavelmente inelutável. O racismo, entendido como a mobilização política da xenofobia para fins de hierarquização social, isso devia ser proibido, isto é, reconhecido pelo direito como uma forma de crime contra a humanidade. PS: a defesa da integridade do espírito profissional produz adesão emocional a argumentários falsos, como o dos médicos contra outros profissionais de saúde que exploram práticas culturais tradicionais ou orientais, reclamando ciência onde há apenas poder de o reclamar (através da ordem dos médicos) como modo de manter posição dominante no mercado. A medicina, como a engenharia, podem usar intensivamente tecnologias de base científica na sua actividade. Isso não faz delas ciências: como também dizem os médicos, a medicina não é uma ciência exacta. Algo semelhante se passa com os sociólogos que alegam, frequentemente ao mesmo tempo, que o objecto social é demasiado complexo para poder ser fixado num laboratório e, portanto, é impossível fazer ciência com ele. E como também as ciências naturais não são capazes de fixar uma verdade definitiva sobre os seus objectos de estudo, como modo de legitimar o relativismo das ciências sociais. Estas, assim, não só se sentem autorizadas a descuidar da procura da verdade como se podem dedicar, sem crítica deontológica, à manipulação do discurso em função dos interesses que condicionam o financiamento e a legitimidade da profissão; podem, pois, reclamar serem científicas ou o inverso. Podem reclamar cientificidade e negar a existência de objecto de estudo, a sociedade. Podem simplesmente declarar-se uma arte, onde reina a subjectividade, Podem até afirmar que em todos os domínios da vida humana reina, sem concorrência, a subjectividade, incluindo nas ciências duras. Embora, ao mesmo tempo, as ciências sociais não se atrevam a reclamar serem ciências duras. Encontraram para si, ao arrepio das esperanças de clássicos como Comte ou Parsons, uma espécie de purgatório cognitivo que as fecha num território próprio de autoelogio, alimentado por cultos da personalidade dos autores mais populares, mais ou menos comercial, que as classes dominantes só reconhecem quando lhes é favorável. Criando-se uma espécie de corrida à bajulação do poder e do senso comum, muito clara nas interpretações parciais e condicionais que se fazem das obras dos clássicos e dos maiores autores. A legitimação de tal corrida é reforçada, à moda da ética protestante descrita por Max Weber, através da conquista de meios de financiamento, o valor oficial, simbólico e material, do trabalho em ciências sociais (reforçado através das avaliações que organizam as universidades e a investigação). Purgatório que se mantêm longe da discussão sobre o que possa ser a sociedade, alegando o direito relativista ao uso de doutrinas contraditórias e protegidas pela "neutralidade axiológica" de qualquer contestação. Longe, portanto, de qualquer possibilidade de trabalho científico com a finalidade de descobrir a verdade sobre a sociedade, que, na prática, não se sabe o que seja nem se queira aceitar discutir. Substituída pela modernidade e pelas teorias racistas que discriminam a parte moderna da humanidade das outras partes, tanto no seio das sociedades modernas como estigmatizando todas as sociedades que não aderem à modernidade. "Nothing to Hide" (doc 1:26) - violência comercial e estatal (redução ao corpo com o objectivo de reprodução da lógica imperial: discriminação de géneros, estabilização do poder hierarquizado de formas dissimuladas, como espectáculo)
O segredo social é um fenómeno de largo espectro, como a violência, que pode tornar a violência um fenómeno imperceptível e a sua revelação uma surpresa e até um escândalo. Temos ideia que pelo facto de estarmos dispertos tomamos conhecimento de tudo quanto se passa à nossa volta. Não nos damos conta que o habitual e também o extraordinário escapam permanentemente aos nossos sentidos e à nossa consciência. Essa natureza humana deve ser associado ao império, que é um modo de organização da expansão das competências e qualidades das elites particularmente eficaz e que se desenvolveu sob a mais estrita violência organizada (violência organizada entre as elites e sob a forma militar também, modo de imposição da superioridade das elites e da sua manutenção através da expansão territorial, capaz de alimentar as ambições de aumento do número de pessoas fazendo parte das elites). O segredo social é manipulado, juntamente com a violência, para permitir a manutenção dessas elites (Novak, Hirschman). Durante a guerra, as pessoas perdem a memória daquilo que foram e tornam-se noutras pessoas, que podem não querer reconhecer após o fim da guerra (Levi). Eventualmente causando problemas de identidade e auto-flagelação ou stress pós-traumático, por sua vez também objectos de segredo. Durante as revoluções isso também acontece. Os períodos revolucionários revelam uma personalidade nova perante a nova situação. O mesmo acontece quando as pessoas se apaixonam ou se envolvem em movimentos sociais . Autónomo relativamente à violência, o segredo social é o reverso da consciência social: o foco de atenção das pessoas é limitado a cinco ou seis temas e é condicionado pela propaganda. Propaganda organizada pelo estado-nação, com apoio dos jornais e das televisões, que faz a sua agenda de acordo com os interesses políticos do momento, mesmo na oposição. Exemplos de segredos sociais podem ser lidos em Graeber, Elias, Hirschman, Robben, Klahr, histórias de predadores sexuais, de violência doméstica, nos livros do Tintin, e muitos outros e outros. Cada um de nós adquire ao longa das primeiras socializações um conjunto de orientações de vida e competências, tipo código genético social, em que umas são mobilizadas para ficarem activas e outras são desactivadas e ficam adormecidas. Quando decidimos estudar ciências adormecemos as nossas competências artísticas e vice versa, para dar um exemplo simplificado. Quando a situação muda, por paixão, por guerra, por revolução, por crise, por escândalo, por o grupo de amigos se envolver em actividades sociais, sobretudo a gente mais nova pode mudar o lote de competências e orientações activas/desactivas e mudar de personalidade. As memórias do primeiro self ficam obscurecidas e distorcidas pelas novas orientações que passaram a organizar a mente. Os segredos, portanto, resultam da limitação capacidade de atenção humana e da organização da memória selectiva em função de orientações e ideologias. Os segredos podem ressurgir na mente e na memória quando haja uma mudança de regime social que o favoreça. Os segredos são também alvo de utilizações manipulatórias da vida das pessoas, como práticas de marginalidade e de eventual consolidação de regimes sociais alternativos. Graeber fala de três regimes económicos: o comunista (usado em muitas famílias), o hierárquico (usado nas quotizações associativas e nas igrejas), o mercado. O último e mais recente tem ofuscado os primeiros. A teoria económica (teoria social) tem aí um papel ideológico central. Elias fala da repugnância perante a violência que o processo civilizacional incorporou nas pessoas modernas, comparadas com as que viveram à 400 anos. Hirschman menciona a transformação da ideologia burguesa, entretanto transformada em dominante, entre o regime feudal e a modernidade. Quando não era dominante, a burguesia era muito sensível à violência e denunciava-a como vício de aristocratas. Quando passou a ser dominante passou a omitir a existência de violência do estado que cumpria finalidade políticas favoráveis aos negócios. Ainda hoje, países que não são aliados são apresentados como violentos e países aliados como não violentos. Robben refere-se ao surgimento das mães de Maio, mulheres mães de jovens activistas de esquerda argentina assassinados em segredo pelo regime dos generais. As mães reclamaram contra o desaparecimento dos filhos e assumiram elas próprias as ideologias dos seus filhos. A intenção do estado, que era acabar com a raça dos activistas de esquerda, frustrou-se porque outros activistas – as suas mães – continuaram e continuam ainda hoje a assumir e desenvolver essas ideologias. Já depois dos generais terem sido condenados pela história e pelos tribunais. Klahr reporta as consequências da guerra (tolerância zero) contra os jovens filhos de estrangeiros na Califórnia que acabou por apoiar narco-regimes na América Central, através da circulação de jovens nascidos na Califórnia de pais hondurenhos e mexicanos e que eram expulsos para os países de origem dos seus pais por mau comportamento. Esses jovens eram usados a partir das prisões por redes criminosas que os reenviavam para a Califórnia com armas e drogas, misturando-se e assaltando os migrantes. Referências: Alberoni, F. (1989). Génese. Lisboa: Bertrand. Collins, R. (2005). Sociología de las filosofías - Una teoría global del cambio intelectual Barcelona: Hacer. Elias, N. (1990). O Processo Civilizacional (Vol I e II) (1a edição). Lisboa: D. Quixote. Graeber, D. (2011). Debt – the First 5000 Years. NY: Melville House Publishing. Hirschman, A. O. (1997). As Paixões e os Interesses. Lisboa: Bizâncio. Klahr, M. L. (2006). Hoy te toca la muerte. México: Planeta. Levi, Primo (2013) Se isto é um homem, Lisboa Teorema. Novak, M. (2001). A Etica Católica e o Espírito do Capitalismo. S.João do Estoril: Principia. Robben, A. C. G. M. (2008). Pegar donde más duele – violencia política y trauma social en Argentina. Barcelona: Anthropos.A violência é um dos aspectos da redução ao corpo que é a contrapartida dos movimentos de expansão da espécie humana para lá do corpo, para o espaço/tempo criado pelo mundo virtual da linguagem, das artes, dos livros, da internet (violência como forma de redução ao corpo). Cada um desses aspectos tem uma função, é instrumental para determinada finalidade particular. No caso da violência, a instrumentalidade é organizativa: a violência é utilizável e é utilizada sobretudo para (des)organizar as sociabilidades humanas. É o plasma que liga e desliga as pessoas umas das outras. O império (misógino, elitista e dissimulado) é um modo de organização particularmente eficaz, mas que está a destruir o meio ambiente singular em que a espécie humana pode existir e usa o poder para fazer a guerra em vez de acabar com a fome entre os humanos. A metodologia para estudar a violência que pulsa com a vida – antes de ser boa ou má, formativa ou destrutiva, produtora de identidade ou de repugnância – deve seguir quatro linhas principais de investigação, a saber: a identificação das classificações polarizadas em torno das quais se organiza a violência, como por exemplo género, classes, ruas ou cidades, nacionalidades, etc.; as elites em disputa, como por exemplo machos, proletários, funcionários, cidadãos, marginais, etc.; contra elites em causa, como por exemplo vítimas, trabalhadores, consumidores, crianças ou velhos, etc.; formas de camuflagem, como por exemplo fugas, fazer de morto, esconder-se atrás de papeis sociais, sem abrigo, etc. Os métodos devem ser capazes de produzir dados sobre estas várias vertentes de análise da violência por forma a alargar a profundidade de análise final. Lição 5 - A ruptura com as teorias sociais actuais A noção de violência como redução ao corpo não é apenas um outro modo de definir violência. Implica uma abordagem científica da sociologia que esta não tem estado capaz de realizar. Seja quando parte da noção de violência usada pelo senso comum (como em Wieviorka, que não se sabe se está a falar da guerra ou da violência urbana) ou de violência física (como em Collins, que excluiu explicitamente a violência simbólica ou psicológica), a sociologia está a referir-se a episódios que são isolados da vida quotidiana, ela isenta de violência. A ciência social deve debruçar-se sobre os seus objectos de estudo – neste caso violência, mas poderia ser sociedade, ela mesma – em vez de usar ideias de senso comum ou definições para evitar a discussão contraditória sobre o que são os seus objectos. A violência como redução ao corpo é uma forma de organizar sistematicamente uma discussão sobre o que é violência em cada circunstância, na medida em que a violência está associada à vida, à "expansão para fora do corpo", ao nascimento, ao crescimento, à aprendizagem, à acção social, etc., de um modo que se pode des(en)cobrir. Trata-se, pois, de uma crítica prática às teorias sociais actuais, reducionistas e reificadoras (como diz Mouzelis) que imaginam que é o estado moderno que cria os indivíduos livres e iguais (como diz Kuhn). Para vincar a crítica e a confirmar há que adoptar teorias e métodos des(en)cobridores. Há que considerar as pessoas de carne e osso, em vez de indivíduos higienicamente classificáveis através das suas características políticas, económicas, culturais, sociais. As pessoas de carne e osso agem em função daquilo que aprenderam na vida – o habitus de Bourdieu – e do estado de acumulação ou exaustão de energias emocionais (sociais) em cada momento (Collins quando escrever sobre os encadeamentos de rituais que tecem as bases das sociabilidades). A proposta de análise da violência pode, então, ser desenvolvida a partir de uma ideia estruturada sobre a evolução da milenar organização social que ocorreu a partir das necessidades sociais inscritas na biologia da espécie humana. Por hipótese, as sociedades modernas são o estado de evolução actual da hegemonia da organização imperial, em síntese caracterizada pela diferenciação horizontal de géneros de pessoas, pela diferenciação vertical das elites dirigentes, pela elaboração simbólica e cognitiva positiva de reforço virtual (virtual quer dizer imaginado e, por isso, efectivo, como as profecias que se auto-realizam ou as experiências fisiológicas equivalentes entre os que agem e os que apenas imaginam estar a agir). Em mnemónica, pode dizer-se que vivemos uma sociedade misógina, elitista e dissimulada. Não se trata de um destino inscrito da biologia humana. Pelo contrário: trata-se do resultado das lutas contraditórias entre as tendências para igualdade (sobretudo biológicas, a ter em atenção a homogeneidade genética da espécie humana) e as tendências para a diferenciação (sobretudo culturais, na medida em que para usar a linguagem há que dar nomes e diferenciar coisas e pessoas umas das outras, atribuindo-lhes uma essência virtual). Trata-se de o resultado de uma longa evolução da espécie que é conduzida culturalmente mas não de modo racional. Os planos e as intenções são reais mas sujeitas, como sempre, à ambiguidade própria das relações entre o mundo físico e o mundo virtual (simbólico, cultural, ideológico). Os planos e intenções são, ao mesmo tempo orientações e logros, satisfação antecipada de desejos e enganos – política e direito. A razão das ciências sociais é uma forma de apologia da modernidade. Mas os resultados práticos – a miséria, a guerra, a fome, os riscos ambientais para a sobrevivência da nossa própria espécie, depois da extinção de muitas outras, a crescente exploração do trabalho humano, o falhanço dos planos de longo prazo, sempre adiados – não abona muito a favor dos seus méritos. Muito menos justifica a sua adoração. Aquilo que são as auto-representações para satisfação das pessoas e das sociedades não devem ser confundidas com o conjunto das realidades observáveis (incluindo o mundo físico, ambiental, social e biológico, a par e misturado com o mundo virtual das representações, símbolos, culturas, que mostram e escondem, que aprendem e reprimem o conhecimento: mistura violenta e expansiva, de que o império é a expressão dominante, hoje). Em termos analíticos, portanto, para o estudos dos casos de violência, há que substituir a análise multidimensional (política, economia, cultura, sociedade) pela análise estrutural (classificações de género, elitismo e dissimulação) explicada em função das condições acumuladas de existência (meio ambiente, social – nível de energia emocional acumulada – e biológico) e da sua relação com as dinâmicas de organização social (política e direito aplicável ou não à situação: presença ou ausência do estado, como também se diz). Vale a pena lembrar a descoberta de Max Weber de que o estado moderno reclama para si o monopólio da violência legítima. O que quer dizer que todas as violências de origem diferente da violência do estado são ilegítimas. Porém, essa ilegitimidade deve ser demonstrada em tribunal, para ser punível, para que se faça justiça – como se costuma dizer impropriamente. E o autor da violência deve ter tido intenção de produzir resultados maléficos. Recurso a tribunal que tem os seus custos e riscos próprios. Pois trata-se de as pessoas litigantes se entregarem à decisão superior, produzida em função de provas avaliadas segundos códigos próprios do direito que são sempre um teatro judiciário. O uso da definição de violência como redução ao corpo distingue-se dos usos de Collins de Wieviorka por não precisar de separar a macro da micro análise, por se centrar no efeito e não nas causas, por não se referir a um estado especial das relações sociais mas entender a violência como uma presença constante na vida das pessoas, por descartar o moralismo da análise, por reclamar a análise das dinâmicas em vez da análise dos casos isolados. Para Collins e Wieviorka a violência são casos isolados num mundo geralmente isento de violência. Se aceitarmos a definição da violência como redução ao corpo, a violência é tão necessária como o respirar, já que a expansão para lá do corpo (o crescimento, a elevação, a aprendizagem, etc.) não se faz sem a experiência da redução ao corpo, da incorporação de formas de sociabilidade impostas pela força. A força das circunstâncias e a força dos poderes sociais estabelecidos, de uma forma directa ou de uma forma autoinfligida, indirecta, de modo a evitar as consequências da intervenção directa. A violência é rara ou está sempre presente? Depende do que se entende por violência: será violência apenas a pancada ou também é violência aquilo que nos oprime e inibe sem contacto físico? A opção da definição da redução ao corpo é apanhar também aquilo que nos inibe, mesmo que isso seja para nos fazer crescer, retirando a carga moralista – violência apresentada apenas como aquilo que é mau e poderá, um dia, quando todos os seres humanos forem bons, ser abolida. Ora, provavelmente a violência é tão necessária à vida, e à vida humana também, quanto a dor. Claro que há estados de guerra (macro) e estados de excitação associados à percepção de se aproximar uma cena de risco de a redução ao corpo ser negativa para o corpo (micro) a que Collins chamou tensão emocional que acompanha a violência física. Isso não quer dizer que a violência exista apenas em estados de guerra ou quando há pancadarias. Quando as crianças são inibidas de carinho e cuidados podem reduzir o volume do seu cérebro. Isto é: a violências para a vida que não exigem toque físico. O inverso: a ausência do toque pode ser tão ou mais violento que a violência que a moral positiva condena. A análise da violência enquanto redução ao corpo, portanto, não deve recorrer às dimensões tradicionais da sociologia, a saber, a política, a economia, a cultura, o prestígio social. Deve antes recorrer às tendências milenares que revelaram o império como um modo de organização particularmente eficaz, fundado na violência extremada que outros modos de organização não se atreveram a desenvolver. A organização imperial – do Egipto e Roma antigos – funda-se num modo particular de diferenciação horizontal e vertical, coberto por forma de legitimação moral próprias. A sociedade imperial é misógina, elitista e dissimulada. Oferece a cada chefe de família um poder privado sobre o seu domínio, tomado como propriedade; a cada elite oferece técnicas de manutenção do seu lugar de privilégio ao longo da vida e das gerações; explica as diferenças de estatuto social das pessoas por razões de destino ou mérito, escamoteando o patriarcalismo e a opressão das elites, a realizada pela força – pela polícia e pelos militares – mas sobretudo a realizada pela chantagem de ruptura da ordem protectora caso as pessoas decidam reivindicar a moral da igualdade e da liberdade. Lição 3. Género, hierarquia e virtualidades Evolução da Violência (2018) A análise social típica distingue as dimensões políticas, económicas, culturais e de prestígio ou estatuto como variáveis explicativas. A idade, o sexo são variáveis demográficas que também são frequentemente usadas. A violência também pode ser analisada assim. Por isso, Wieviorka se concentrou sobretudo nas dimensões políticas (deixando as outras para outros autores e outras ocasiões e avisou o leitor que a mera análise social não dá conta do sentido da violência). Em Collins, na sua micro análise, a violência aparece como uma coisa masculina, embora o autor não discuta isso. Nenhum dos dois trata da violência como forma de construção e manutenção de hierarquias. Como também não falam da guerra psicológica, isto é, do encobrimento da "nossa" violência, a exploração ou mesmo invenção da violência dos "outros", seja ao nível militar seja ao nível policial, ambos contando com preciosas alianças nos media e com censuras mais ou menos musculadas por parte dos estados. A definição da violência como fenómeno vital omnipresente de redução ao corpo requer instrumentos de análise que consigam contrastar, destacar, a violência da ganga existencial em que está envolta. Para esse efeito a sugestão é a de considerar a violência classificatória (que tem as suas origens na descriminação de géneros, preciosa para a organização da vida reprodutiva das sociedades humanas), a violência hierárquica (que terá as suas origens na economia da dádiva a seres superiores protegidos por deuses capazes de proteger os seres humanos encarregues de guardar e investir os excedentes de forma útil para a sociedade) e a violência da ilusão (que faz com que a vítima se sinta culpada da violência que sobre si se abate e, portanto, legitima as discriminações de género e hirárquicas nos termos mais favoráveis aos oligarcas, sempre em risco de serem apeados). Os seres humanos são muito adaptáveis mas, ao mesmo tempo, super susceptíveis a respeito da legitimidade das respectivas identidades (identidades completamente forjadas por cada um durante o percurso de vida). A violência, movimentos de redução aos corpos que fazem parte da experiência de todos, é integrada na auto-imagem que cada um tem de si mesmo. Caso contrário, a violência entra em contradição com a identidade previamente construída e a contra violência torna-se uma necessidade. A violência decorre da rigidez das identidades de cada um (incluindo das identidades colectivas, como nação ou estado) e provoca, ao mesmo tempo, transformações nessas identidades. São sobretudo essas que fazem a história das pessoas e dos países. Lição 2 – Olhar de fora a sociologia Michael Kuhn foi arquitecto e investigou a situação das ciências sociais nas últimas décadas, a partir do relatório Wallerstein (1996). Não teve contemplações em considerar as teorias sociais como um desastre civilizacional, dada a sua cumplicidade com a situação actual de guerras e fomes no planeta, sem que isso seja a sua primeira preocupação. A sua tese é de que a subordinação das teorias sociais aos interesses dos estados-nação é de tal modo que as impede de se desenvolverem cognitivamente e, ao mesmo tempo, cumprem um papel de inibição de qualquer tipo de avanço através de uma estratégia de exploração de pensamento relativista. Cada autor autorizado é livre de construir a sua teoria imaginativa, fechada em si mesma, e mobilizar os seus estudantes, colaboradores e amigos para esse efeito. Fora do que nenhuma acção cognitiva é reconhecida. Em defesa desses campos disciplinares e subdisciplinares fechados entre si, incomunicantes, desenvolvem-se teias de argumentos tautológicos que estão mais atentos à validação da teoria do que à observação e intervenção social. Em prejuízo da ciência, entretanto bloqueada sob a forma de ciências sociais. A violência como fenómeno omnipresente e como redução ao corpo rompe com o auto-isolamento disciplinar e subdisciplinar. Requer conhecimentos biológicos e sobre os modos de orientação usados pelas pessoas (calendários, rituais, mitos – incluindo as ciências sociais – direito, comunidades, etc.). Rompe, também, com a separação entre as análises separadas de pessoas e de grupos e de organizações ou países, micro-macro, como a distinção entre os estudos da mente (ciências sociais) e os estudos dos corpos (ciências naturais). Lição 1 - Violência e Sociedade A sociologia da violência é uma subdisciplina recente da sociologia e, como acontece com a generalidade das subdisciplinas das ciências sociais, reclama que não é bem tratada pela sociologia dominante. A violência está por todo o lado, misturada com todas as acções humanas, mas a violência de estado não é assunto que seja tratado pela sociologia. Esta trata de solidariedade, de relações sociais, de redes de sociabilidade, de desigualdades sociais, mas a violência é coisa das relações internacionais ou das ciências de polícia ou da academia militar. Nos primeiros anos do século, Wieviorka e Collins sentiram a falta de tratamento sociológico da violência – um vinha do terrorismo e o outro da teoria do conflito. O francês criou uma teoria macro sobre a violência e o segundo um a teoria micro. Em nenhum caso trataram da violência do estado. Wieviorka escreveu que o fundo da violência é a perversidade humana, capaz de criar a vontade de destruição, sem utilidade. Mas a violência também pode ser indispensável para fazer surgir uma situação (moderna, democrática, rica) melhor que a anterior – como a revolução francesa ou as guerras de libertação. A sociologia entende a violência como anti-social. Por isso, segundo o autor, tal disciplina é insuficiente para dar conta da violência. É o sujeito (conceito de Touraine), vontade incorporada num agente social, que permite entender a violência. Há sujeitos democráticos e culturalmente avançados e há sujeitos destruidores e culturalmente atrasados. Há também sujeitos em construção ou em risco que usam a violência de forma ocasional e inconsequente. Collins estudou a micro violência física e descobriu que as pessoas não são violentas: são as situações que são violentas. As pessoas resistem à violência, pois há barreiras emocionais que as inibem de intervir violentamente. A violência é resultado de criação de situações violentas. Nessas circunstâncias a violência pode ser inevitável. Também é possível treinar pessoas para serem violentas. Mas mesmo treinadas raras conseguem tomar iniciativas violentas. A sociologia, dividida em macro e micro análises, entre estruturas e indivíduos que vivem vidas separadas, não está em condições de entender a violência. Embora se confronte com ela frequentemente. A teoria social não tem sido capaz de conceber movimentos de expansão e redução das pessoas ao seu corpo. O crescimento e o definhamento, natural em relação à idade ou por razões de doença ou opressão ou falta de amor, não são considerados pelas teorias sociais. Mas são indispensáveis para entender a violência. A violência é a redução ao corpo, segundo Reemtsma. Boa ideia para explorar. Isso permite compreender movimentos cíclicos (de expansão e redução) da violência e do império (organização misógina, elitista e dissimulada, como a promovida em nome de Roma pela Igreja Católica. 2017 Violência em sociedade (2014) O tabu do sentido da violência: ver http://www.ipvr.eu/people/steps/research_projects?token=gqu2G7_rE1MKZ4J7D1b06Q) A presença teoricamente ausente da violência (2015)
Lição 10 - Balanço final do curso A teoria social sobre a violência é uma teoria sobre o que está persistentemente ausente da teoria social. Não basta fazer da violência uma especialidade ou uma subdisciplina para ser possível dar conta do papel e do lugar da violência na vida social. É preciso adoptar uma outra teoria social geral, uma teoria que passe a admitir a existência de violência. A moral social designa violência actos moralmente condenáveis. Violência iguais, mas não moralmente condenáveis, não são mencionadas como violência. Acções violentas legítimas são socialmente negadas serem violência, na medida em que, embora sendo violentas, são reacções a riscos e perigos perante os quais a legitima defesa admite moralmente o uso da violência contra a violência, real ou meramente potencial. Um exemplo disso é a violência policial. Dela não se fala como violência, mas como reposição da ordem, uso proporcionado da força, manutenção da segurança, etc. Na guerra são os efeitos colaterais, as baixas, etc. Não é irrelevante o facto de Wieviorka e Collins, nos seus estudos sobre violência, descartarem o estudo da violência do estado, quando tradicionalmente a questão do desvio, da interacção conflitual e da etiquetagem ou produção de classificações ou perfis sociais são os modos de aproximação à violência das teorias sociais. Estes últimos conceitos estão hoje reféns da criminologia, uma ciência social tão fechada em si quanto todas as outras. Pode interpretar-se esse recuo em relação ao modo tradicional de levar em conta – ainda que de forma obliqua – a violência na análise social como uma tentativa de ganhar distância para evitar o moralismo (e politização) implícita com que a violência é encarada pelos sociólogos. Wiewiorka teoriza a avaliação moral/política da violência afirmando que se trata de uma forma de extrapolar da sociologia. A filosofia política, a noção filosófica de “sujeito”, guia-o numa moral bem definida de defesa da civilização. É essa filosofia que organiza a tipologia de sujeitos violentos. O autor reconhece a intromissão da moral na análise social, mas em vez de a afastar organiza a sua validação extra sociológica. Collins, reduzido à micro análise e ao estudo das interacções agressores-vítimas, descarta a violência simbólica, isto é, as razões pelas quais as pessoas acabam por se envolver em violência, isto é, o facto de haver quem – nomeadamente e sobretudo o estado – crie as situações que tornam as pessoas violentas, apesar de elas não o quererem. Collins ignora o treino policial e militar. Refere-o apenas para mostrar como, apesar de treinados, mesmo quando os treinos são especialmente violentos, os militares resistem como podem a exercer a violência. Sendo raros os que conseguem ultrapassar a barreira de tensão/medo só porque recebem ordens. A teoria do estado penal de Wacquant – e o seu método de encarnar os objectos sociais de estudo – oferecem pistas interessantes para estabelecer estudos sobre a violência de estado, nomeadamente o seu aspecto dual: violência simbólica (de esquerda, social, de integração e assimilação) e violência directamente física (de direita, policial, de estigmatização e exclusão), bem como o papel das prisões na afirmação do poder de estado perante as populações. Usar a definição de Reemtsma, a redução ao corpo, a violência, é uma forma de a tratar como sociabilidade presente. Revela aquilo que se costuma chamar a animalidade dos seres humanos. Não é bom nem mau, à partida. A violência é certamente necessária e indispensável, como a dor o é. Pode ter efeitos nefastos no imediato e bons a médio ou longo prazo. Ou vice versa. A avaliação moral é importante. Mas pode ser suspensa pela teoria social, até que uma avaliação geral mais extensa no tempo e no espaço possa ser realizada pela moral. Como dirá Wieviorka, há violências que promovem o progresso e o bem-estar. Há mortes e ferimentos que não são em vão. Produzem, a prazo, resultados bons para as pessoas (embora à custa do sofrimento de outras ou das mesmas). Quando as pessoas fazem desporto ou vão para a escola arriscam a morte, ferimentos físicos e morais. As escolas e o desporto promovem complexos de inferioridade destrutivos de muitas pessoas que falham em competir e que, por isso, se sentem frustradas e diminuídas. Porém, moralmente, as escolas e o desporto são das instituições mais benévolas, quiçá as que mais contribuem para evitar a violência, em sociedade. Os hospitais e as vacinas também são responsáveis por ferimentos e mortes evitáveis. Porém, não apenas os hospitais e vacinas são um contributo único para a longevidade da espécie humana como os cientistas da saúde usam animais e até pessoas como cobaias para as suas experiências com vista a descobrir soluções que podem salvar a vida a muitas outras pessoas. A bio-ética e a ética educativa e profissional são disciplinas de pleno direito. A sociologia deve estar atenta a tais discussões. Mas para estudar a violência, para deixar de a negar, seria recomendável a estratégia de suspender juízos morais sobre os actos e as razões pelos quais estes se enquadram e descreve-los de forma tão objectiva quanto possível, isto é, como redução ao corpo, isto é, como parte do processo de incorporação – de hábitos, de disposições, de conhecimentos, de informação – que podem ser bem ou mal-sucedidos (incorporação não permanece, esqueceu) e favoráveis a formas de socialização futuras boas ou más (sempre de forma discutível: o radicalismo, o populismo, a democracia, é causa de reacionarismo ou o seu antídoto? Quem se atreve – a não ser por razões ideológicas auto-justificativas – a responder de forma definitiva a esta pergunta?). O que a teoria social precisa é de abandonar o gueto teórico em que se colocou no último século, descrevendo uma sociedade sem contacto nem com o meio ambiente, nem sequer com os corpos e as emoções das pessoas, reduzidas a indivíduos, cabides de propriedades fixas que lhes são atribuídas quando são capazes de responder a questionários ou entrevistas. Precisa também de perder o moralismo pró-estatista que a caracteriza. Precisa, portanto, de se abrir aos estudos biológicos (e ambientais) e aos estudos normativos (morais, ideológicos, teológicos) e à ignorância que funda a nossa sabedoria, conforme a sábia citação de Sócrates: “Só sei que nada sei”. Só sei que o estudo cientifico da violência não tem lugar nas actuais teorias sociais, embora a violência esteja presente em toda a acção social. A mudança dos parâmetros de trabalho das ciências sociais não é tarefa fácil. Mas acompanha as mudanças sociais. Estando elas em curso, há uma oportunidade histórica de abrir as ciências sociais à violência, isto é, ao estudo da espécie humana, como experiência singular, e ao estudo do carácter social dessa espécie. Lição 9 - Violência e ciências sociais Apresentado um caso de violência, entrou-se na discussão de como o analisar, a partir de perspectiva, macro, micro e também a partir da consideração do papel do estado na manutenção de uma sociedade misógina, elitista e dissimulada. Quantos casos de violência de género existem e quantos são reportados às autoridades e o que as autoridades fazem com isso? De que modo as próprias vítimas se sujeitam a situações que podem acabar por ser fatais? Por que razão os agressores usam a fragilidade social, emocional, pessoal, das vítimas para as vitimizar? Por que razão a sociedade, em geral, acusa as vítimas de cumplicidade ou provocação das situações de violência que as vitimam? Por que razão as vítimas preferem não se mostrar, com medo de serem revitimizadas pelos seus agressores, mas também pela sociedade, em geral? Qual é o papel das polícias e dos tribunais criminais? Defender as vítimas ou negociar com os agressores? Proteger o soberano, o estado, ou proteger a população? Esta discussão gerou uma afirmação de uma aluna: a hierarquia é a razão da ordem social. Sem ela, cada um faria o que quisesse e não haveria limites à violência. O contra-argumento foi que a humanidade viveu a maior parte da sua existência sem estado. E sobreviveu. Mas a hierarquia, o princípio hierárquico, esse – retorquiu a aluna – seria universal, desde a família até ao estado. David Graeber (Debt; Dívida) argumentou que existem duas formas de economia: a humana e a de mercado. A primeira admite duas modalidades: a comunista, usada sobretudo entre pessoas que partilha habitação e alimentação; a hierárquica, usada para honrar pessoas ou instituições socialmente importantes. O mercado é um modo de relacionamento económico entre estranhos, aparecendo uns face aos outros como iguais mas com diferentes carteiras e mercadores, para comprar e para vender. Destes 3 tipos de economia, só uma era hierárquica. A sociedade moderna é dominada pelo mercado e pelo contrato. Embora o estado seja produtor de leis e de poderes hierarquizados. É natural que as pessoas incorporem a perspectiva hierárquica, pois estão sujeitas aos constrangimentos da força e da propaganda dos estados. E há mesmo quem acuse a própria ciência de se sujeitar a esse preconceito (José Carlos Gomes da Silva, O Discurso Contra Si Próprio, 2003; Michael Khun). Porém, a própria ciência distingue as diferentes facetas da vida moderna, imaginadas existirem em separado, com privilégio para o Homo economicus, contestado por homo hierarquicus (Dumont), homo juridicus (Supiot) ou homo academicus (Bourdieu).
Que sentido faz tratar a violência física de forma distinta da outra violência? Quem faz isso? E para que efeitos? Que sentido faz tratar a violência política de forma distinta da outra violência? Quem faz isso? E para que efeitos? Qual deve ser a postura das ciências sociais a esse respeito? Deve privilegiar como dogma as decisões judiciais e a propaganda militar? Deve dar prioridade às questões políticas e de poder? Ou deve ser capaz de ler as decisões judiciais e políticas à luz das evoluções históricas das configurações sociais? À luz do que se possa avaliar ser configurações de maior ou menor qualidade social? Devem as ciências sociais tomar as dores do estado-nação? Ou devem as ciências sociais projectar-se para lá do tempo histórico do estado-nação, tempo em que foram criadas, mas do qual se emancipam ou fenecem. Para da “lei da morte se libertarem”, para aspirarem à universalização, à representação do espírito da humanidade, as ciências sociais devem ser capazes de sobreviver ao estado-nação. Torna-lo um objecto distante o suficiente para poder ser analisado, como outro objecto qualquer. Isto é, as instituições do estado, a violência de estado, e as sociedades submissas aos estados devem deixar de ser consideradas “boas” ou “normais” e tudo o que entre em contradição (real ou imaginária) com essa utopia de eterna harmonia pré-concebida tratada como um “mal” ou “excepcional”. A violência não é anormal nem excepcional. É parte integrante da experiência de todos e cada um. Porém, conforme as circunstâncias, incluindo as circunstâncias sociais, a compostura das pessoas e a sua sensibilidade, a violência é mais provável ocorrer em certos territórios sociais do que noutros (porquê?) com consequências diversas em termos de incorporação/formação de carácter e disposições das pessoas, dos grupos sociais, com influência na sucessão das gerações. Há pessoas para quem a violência é uma segunda natureza, eventualmente inconsciente. Como se desenvolve essa determinação para tomar a iniciativa para a violência? Isso é evitável? Isso é reversível? Lição 8 - Estudos de casoMétodos comparados, APD O primeiro caso de violência apresentado foi observado num filme. A cena de violência a estudar em particular deve revelar algum interesse especial, a destacar teoricamente pela aluna. Em função da interpretação que queira fazer do filme, da violência e da sociedade. Embora seja uma história verídica, o filme é uma interpretação do realizador e dos actores sobre o que pode ter acontecido. O sociólogo não pode dar por claro aquilo que é um jogo de símbolos significantes para o público. Por outro lado, as teorias sociológicas disponíveis para ler a violência em sociedade dificilmente se ajustam de forma directa a todos os casos. Pelo que, cada aluno deve ser capaz de assumir a responsabilidade de criar uma teoria sociológica tão adaptada quanto possível ao caso. Claro, a partir da inspiração que o conhecimento de outras teorias mais amadurecidas escritas em livros e artigos. Mas em função da sua abordagem pessoal ao caso em concreto, nas suas diferentes vertentes. Com prioridade para as vertentes que a aluna prefere salientar. De preferência, explicando as razões de tal opção. No segundo caso, a violência é extra-territorial: dá-se em águas internacionais, onde a lei do mais forte prevalece. E culmina e antecede uma série de violências, sendo a primeira as razões que levam alguém a abandonar a família de origem para viajar milhares de quilómetros à mercê de traficantes para atingir uma finalidade que é, apenas, uma mediação: um trabalho remunerado para se sustentar e à sua família que não viajou. Violência também da ausência intencional do estado para permitir que tácticas mortais de prevenção das migrações possam ser usadas sem que os estados, exactamente, assumam responsabilidades por isso. A extrema violência, sempre ou quase sempre, culmina um crescendo de violência, uma insistência em se deixar envolver em situações violentas.
Lição 7 - Violência e sociedade - Wacquant Análise da violência tendo em conta os corpos
Loïc Wacquant (2015) For a Sociology of Flesh and Blood De modos diferentes, ambos os autores atrás estudados, Wieviorka e Collins, não tratam da violência do estado. A contrário das estratégias internacionais (Guerra Fria vs globalização) ou intrainstitucionais (organização do conflito social através da concertação) de Wieviorka e das encenação de violência entre pessoas em interacção directa, (situações em que a violência é sempre negativa) a intervenção violenta do estado pode ser para pacificar. Também pode ser para estabelecer o estado de guerra. Mas, sobretudo, faz frequentemente as duas coisas ao mesmo tempo: fazer a guerra para evitar a guerra, faz a guerra a uns para salvar os outros, sem que nunca se possa vir com alguma certeza a saber se foram os estados e quais, as atitudes dos governantes e quais, a causa eficiente de mais violência ou de mais paz. Acima das pessoas estão as instituições e os estados. Além do agressor e da vítima, para lá dos que assistem aos actos violentos, há todo o enquadramento jurídico-político que faz as mesmas acções, socialmente intoleráveis, em certo momento histórico, toleráveis noutros momentos - conforme a lei, as práticas punitivas e repressivas, os hábitos sociais, a configuração histórica. Se se quiser fazer ciência, isto é, tomar a distância que permita suspender os juízos morais (associados a certa cultura jurídico-politica-policial e nacional, que tem caracterizado as diferentes sociologias nacionais), há que encontrar critérios de definição de violência adequados. Como a definição de Reemtsma: violência é redução ao corpo. Loïc Wacquant é um discípulo de Pierre Bourdieu que desenvolve uma teoria do estado neoliberal como estado penal, a partir de uma investigação "em carne viva" ( flesh and blood) sobre a vida no gueto e na prisão. Desenvolve a ideia de uma teoria/método em torno do conceito de habitus do seu mestre: a incorporação e a excorporação que faz, de cada um, parte integrante das estruturas sociais estruturadas e estruturantes, também se aplica aos investigadores sociais. Logo, a investigação com o corpo, a procura com o corpo todo do alvo da pesquisa social, em vez do distanciamento alienante da mera abordagem cognitiva, deve permitir incorporar o próprio saber, feito de experiência corporal e intelectual, ao mesmo tempo. Segundo ele, o estado tem dois aspectos: o esquerdo ( workfare, noutros textos, o apoio social destinado sobretudo ao género feminino) e o direito ( prisonfare, repressão expressamente violenta). O primeiro destes aspectos gere as contradições de classe e o segundo gere as contradições entre as "raças", as diferenciações étnicas. Ambos os aspectos manifestam-se claramente nas prisões e na organização das cidades. A construção das diferenças estruturantes resulta, pelo menos em parte, da violência do estado, que remete os trabalhadores e os presos para as classes médias e baixas e para os estigmas racistas, justificações para as práticas de exclusão social. Esta teorização ajuda a aproximarmo-nos das raízes da organização social: a diferenciação (de género, na base) e na hierarquização (formação de elites) dissimuladas através de ideologias legitimadoras das desigualdades, naturalizando-as, incluindo parte importante das teorias sociais - teorias sociais mais preocupadas em fazer a apologia da modernidade (escamoteando os seus aspectos negativos como se fossem espúrios e não parte integrante do pacote, de que a violência é um aspecto relevante) do que em descrever a realidade factual. A discussão do que é a violência em sociedade deve, pois, não perder de vista que a sua subalternização no quadro das práticas de análise social se deve aos próprios conceitos amputados de sociedade que são usados. Ora macro sociedade, ora micro sociedade, ora sujeitos idealizados carregados de futuro, em Wieviorka, ora uma sociedade feita de energias e forças emocionais em Collins. As forças humanas são sociais, por natureza - ninguém pode viver fora da sociedade. E são também, por natureza, biológicas, isto é, resultantes da evolução da vida na Terra. As forças sociais, neste sentido, são cósmicas: uma forma particular de existência do universo neste aspaço tempo terrestre em que a espécie humana emergiu e se tem mantido, antes de se extinguir. A sociologia não pode encontrar na sociedade a energia que a faz viver. Ao contrário. A sociedade é uma forma, entre muitas outras, de relação do universo consigo mesmo: da biologia com o mundo espiritual, das emoções com os desejos. De que a recursividade é uma demonstração: a incapacidade dos humanos viverem apenas no presente, sem referência ao tempo (identidade herdada e expectativas para o futuro) e ao espaço (acesso habitual ou potencial a recursos e posições sociais - aventura ou segurança - a que se quer aspirar, para dar sentido à vida). Violência será, então, retracção da existência aos corpos, em contraponto da expansão dos seres humanos, individuais e em grupos, em função das aspirações e espectativas.
Lesson 6 - Micro análise da violência de R. Collins Depois de uma apresentação de Wieviorka e de uma análise macro social da violência, centrada na caracterização de paradigmas de violência vividos por décadas no ocidente, desde a II Grande Guerra – e nos desenvolvimentos da teoria da acção em Touraine, que termina com uma tipologia de sujeitos sociais utilizadores de violência, em particular o hípersujeito e o anti-sujeito – apresentamos uma análise micro social da violência da autoria de Randall Collins, sociólogo norte-americano. Com um conhecido trabalho de grande mérito, Collins reusa conceitos produzidos noutros trabalhos, em particular a “dominação do espaço de atenção” (utilizado na sua obra com título de sociologia da filosofia) e as cadeias de interacções rituais que fazem a sociedade, no sentido durkheimiano. As pessoas procuram situações que possam beneficiá-las, através dos aumentos de energia emocional (auto-estima, relações sociais, redes de sociabilidade, reconhecimento social) e, ao fazê-lo, tecem a sua identidade e a sociedade ao mesmo tempo, embora a diferentes níveis. O estudo de mais de três dezenas de situações violentas fizeram o autor concluir que “as pessoas não são violentas, são as situações que são violentas”. Ao contrário do pensamento de senso comum, as pessoas fogem o mais que podem da violência, embora as situações violentas não parem de se produzir. Por exemplo, quando se é chamado para a tropa ou para profissões de exercício da violência, as pessoas profissionalizadas desejem ou não violência, são colocadas em situações violentas e terão de reagir a elas. Os dados disponíveis sobre como reagem os tropas às situações violentas revela que, mesmo treinados e com as ordens para serem violentos (isto é, matar ou fazer mal a outras pessoas – a violência em Collins tem uma definição: violência directa e física, excluindo violência simbólica) a maioria dos tropas não executa a violência e a maior parte da minoria que é violenta não é eficaz a executar a violência. Fazê-lo, ser violento, é perturbador da natureza profunda das pessoas. A repugnância das pessoas perante a violência cria uma tensão emocional sempre que se configura uma situação violenta. A tensão serve para obstaculizar o exercício da violência e os violentos terão que ultrapassar essa barreira para serem violentos. Há duas formas principais de ultrapassar essa barreira: o pânico (ou uma versão disso que é o feriado moral, como nos motins ou nos genocídios) e o distanciamento emocional, que permite a raros entre os especialistas em violência tornarem-se violentos profissionais (aprendem a entreter-se com as tecnologias de morte como se o alvo não fosse uma pessoa; brincam com a extrema violência, como se não fosse real). Uma forma recorrente de facilitar o uso da violência é “atacar os mais fracos” aqueles que não têm possibilidades de defesa e não causam risco de poderem contra atacar: como em casa, contra mulheres subjugadas ou filhos, ou na rua contra pessoas isoladas ou estigmatizadas. Como fazem os sequestradores, também. De que é feito o bullying. Há ainda as encenações de violência que a iludem. Por exemplo, há a ideia de que a violência é contagiosa, dura muito tempo e os agressores sorriem quando produzem violência. Isso é um misto de encenação (como nos duelos ou no desporto) e de entretenimento (cinema, tv). Na realidade a violência é limitada (como no caso dos grandes grupos de holligans em que apenas um ou dois são violentos, para subirem no grau de prestígio intragrupal) rápida (o que interessa é criar um incidente sobre o qual se possa dramatizar uma personagem adequada à identidade do agressor/agredido dentro do grupo) e ninguém está bem-disposto ou sob controlo quando está a executar actos violentos, falhados ou certeiros. A violência decorre da necessidade de manter laços sociais, isto é, de produzir situações a partir das quais seja possível reproduzir energias emocionais para o grupo e para os seus membros, através da confirmação prática das identidades auto e hétero atribuídas a cada um. A violência procede para o efeito de criar uma situação de dominação da atenção emocional das pessoas em volta da violência. Como o criminoso que o faz para ser protagonista, para aparecer como sujeito. Lição 5- La Violence de Wieviorka Michel Wieviorka é um sociólogo francês que era presidente da Associação Internacional de Sociologia (AIS) em 2010. Ano do Congresso Mundial em que a sociologia da violência foi declarada tema a desenvolver no futuro. Wieviorka e Randall Collins juntaram-se para fazer força nesse sentido. Cada um, com livros publicados em 2005 e 2008 respetivamente, tinha tratado do assunto de maneiras muito diferentes. Um usou a macro sociologia e outro a micro sociologia. De certa forma, pode dizer-se que se completaram, embora sem intenção. Isso, em todo caso, abriu a oportunidade para abrir esta cadeira. Nesta nova fase do percurso escolar, uma vez descrito um caso de violência a tratar por cada estudante, vão-se apresentar os livros destes dois autores e, numa terceira aula, avançar com uma crítica dessas teorias e com uma proposta de alternativa para o estudo sociológico da violência, com base numa definição de Reemtsma. La Violence é um livro de sociologia francesa, centrado na sensibilidade da vida francesa aos riscos de violência e inspirado na teoria do sujeito de Alain Touraine. Teoria que é uma evolução da teoria dos novos movimentos sociais, os movimentos de mulheres, de estudantes e ecológicos que marcaram os anos setenta e prometiam substituir o movimento dos trabalhadores no esforço de redesenho das sociedades mais evoluídas. Trata-se - do ponto de vista teórico e metodológico - para Wieviorka, de descobrir quais são os sujeitos históricos protagonistas em cada momento. E escolher acompanhar os que forem úteis à sociedade, colaborando com os pareceres sociológicos que forem pertinentes. O livro de Wieviorka divide-se em 12 capítulos e 3 partes. A primeira parte constata a existências dois diferentes paradigmas de violência sucessivos, depois de 2ª Grande Guerra. Primeiro, um paradigma do conflito - em que os parceiros sociais são organizados para se sentarem à mesa de negociações: o estado a presidir e os sindicatos e patrões frente a frente. A violência da fome ou das greves foi substituída pelo diálogo institucionalizado. Para quê usar ou organizar a violência se era possível obter o mesmo ou parecido através de negociações. Maio de 68 e a aliança dos estudantes amotinados com os trabalhadores zangados com os sindicatos marcou o fim dos conflitos e abriu espaço à violência sem mediação. Ao mesmo tempo, a globalização e a exclusão - nomeadamente a multiplicação e a chegada de imigrantes quando a economia deixou de crescer a ritmo forte - transferem os choques de interesses entre patrões e trabalhadores para campo superiores (globalização) e inferiores (exclusão social) à capacidade de intervenção do estado. Wieviorka fala de meta política (proporcionada pela globalização): os fundamentalismos e a mistura entre religião, economia neoliberal e política. Fala também de infrapolítica: a decorrente da acção dos excluídos e das vítimas. Esta pressão para baixo e para cima do estado torna mais difíceis os efeitos pacificadores da organização estatal dos conflitos laborais. Por outro lado, a liberalização dos media, até aos anos 70 dominados pelo estado, a sua privatização e a internet, tornaram a violência simbólica ainda mais expressiva na dimensão cultural da vida social. Na segunda parte do livro, Wieviorka procura saber como a violência tem sido tratada pelos autores da ciência política, da economia, de outras ciências sociais. Mas concluiu que não conseguem ultrapassar as limitações da sociologia clássica. O que não admira, dada a circunstância da violência ter sido transformada num assunto tabu nas últimas décadas. E ao fechamento das universidades à intervenção pública e cívica, como o faziam os intelectuais dos anos sessenta e setenta. Na terceira parte apresenta a sua proposta de tipologia para classificar as violências. Parte da teoria da acção e, portanto, do trabalho de atribuição de sentido por parte do sociólogo à acção observada. Ora, a violência pode ser causada por perda de sentido do agente social (desorientação que se torna descontrole, como acontece em motins urbanos) ou por este proceder a uma recarga de sentido (como o sentido religioso ou político ou económico que se tornam fundamentalistas, para se reforçarem, face à dúvidas que ameaçam a estabilidade do próprio sentido). Também ausência de qualquer sentido, como no caso de quem obedece sem critério crítico (banalidade do mal ou experiência de Milgram), pode ser pasto de violência. A crueldade é a outra fonte de violência, a fonte mais reconhecida pelo senso comum. Trata-se de usar a violência por prazer vicioso. O fundamental, porém, para Wievorka é não perder de vista o sujeito. Isto é, a entidade que em cada altura história se mostra capaz e empenhada em transformar a sociedade noutra coisa, no futuro. Ele há a violência parideira de futuros melhores, como aquele de que hoje beneficiamos. E há violência que destrói o nosso mundo de laços sociais, que não se confunde com a primeira. Portanto, o mais importante é saber reconhecer a diferença entre o hipersujeito, altamente determinado a melhorar a vida social, e o anti-sujeito, apenas desejoso de destruição. Nem todos os sujeitos sociais estão tão empenhados em transformar a sociedade como o híper sujeito ou o anti sujeito. Há também sujeitos flutuantes, que hesitam, mudam de posição, não consegue tomar um rumo: podem produzir motins urbanos para romper com a rotina diária de falta de expectativas e objectivos. Há os não sujeitos, que apenas seguem as tendências e procura passar desapercebidos. Há ainda os sujeitos sobreviventes, que usam a violência para não serem esmagados por quem nem repara que eles existem. A violência deve ser interpretada em função do seu sentido útil para a transformação da sociedade.
Lição 4 – mais estudo de casos - aprofundamento da definição de Reemtsma ver agenda As descrições de situações de violência devem ser investigadas. Por exemplo: a) Esse tipo de violência tem um nome conhecido? Há estudos e/ou estatísticas sobre esse tipo de violência? No país da ocorrência, há muitos ou poucos episódios desse tipo de violência, comparado com outros países ou regiões? b) A violência teve uma causa bem identificada, uma pessoa ou grupo que desejou, planeou e executou a violência contra outros, desprevenidos? Ou a violência surgiu espontaneamente, sem que ninguém o desejasse ou pudesse prever? Quem assistia de fora da situação à violência poderia evitá-la? Incentivou-a? c) Qual é o ponto de vista adoptado para observar a violência? As informações que temos são directas ou mediadas por outras pessoas ou instituições? Quais são os interesses dos informantes perante a violência - desejam-na? são contra? esforçam-se por saber mais como evitar a violência? sentem algum tipo de responsabilidade nesse aspecto? apontam culpados? descrevem a situação descomprometidamente? d) Anteve-se alguma possibilidade prática de abolir aquele tipo de violência? Essa violência tem uma função humana ou social que possa ser entendida? Em caso afirmativo, qual? Houve exagero no caso? Com que sentido, para que efeitos, foi exagerada, por quem? e) Há relações entre a política e esse tipo de violência? Há processos legislativos a tratar do assunto? Já houve debates públicos, nos jornais ou nas televisões, sobre isso? Há associações dedicadas a apoiar as vítimas dessa violência? O que se discute e que posições surgiram?
Notar a base de organização das relações sociais que separa naturalmente os cuidados físicos da construção de identidades, o mundo real do mundo virtual, o mundo presente do mundo recursivo (tradição e expectativas). Como o estado separa a sua mão esquerda da sua mão direita e isso se aplica diferentemente aos géneros (papéis sociais relativos ao sexo).
Exercícios de análise, com base no preceito de distanciamento da moral e de caracterização da sociedade moderna como misógina, elitista e dissimulada: a) Estudar as condições capazes de tornar a violência de um caso em violência boa ou violência má, conforme a intensidade da violência e as condições físicas e subjectivas dos actores; b) Identificar violência funcional, isto é, violência de género e violência hierárquica eventualmente em reforço mútuo; c) Identificar violência estrutural, isto é, violência organizada pelos poderes instituídos, directa e indirectamente; d) Identificar violência naturalizada, dissimulada, isto é, violência cujas causas são apresentadas às avessas, em que a culpa/causa é atribuída às vítimas ou à natureza humana (pecado original)
Lição 3 – mais estudo de casos - aplicação de diferentes definições de violência
Desta vez deveremos optar por nos concentrarmos no episódio Deveremos também discutir a análise de níveis de realidade, macro, meso, micro Deveremos avaliar a oportunidade e interesse em incluir a consideração da intencionalidade na definição de violência: violência é a redução ao corpo como consequência de uma intenção (para resolver o problema do sono e da morte natural) Tomemos por violência três tipos de concepção: a) a usada por Wieviorka, para quem a sociologia deve identificar paradigmas de violência, isto é, riscos de violência inibidora da transformação da sociedade de forma progressista historicamente situados. Por exemplo, o Guerra Fria deu lugar, nas últimas décadas, a um confronto entre um polícia global, os EUA e a sua aliada UE, de um lado, e os grupos terroristas dispersos pelo planeta com o programa de destruir a civilização ocidental. Em termos de violência não bélica, este último paradigma abriu espaço para a afirmação de estatuto das vítimas, no duplo sentido de auto-organização cívica do orgulho de ser sobrevivente, ao menos protegido/a pelas ONG especializadas, e de reclamar novas penas e nova dureza judiciais para os perpetradores de violências (muitas delas, anteriormente não reconhecidas como violência); b) a definição usada por Collins, em que violência é qualquer acção que cause violação da integridade física de alguém. Por contraste com a violência simbólica, cuja identificação causa-efeito é demasiado discutível para ajudar a clarificar de que se fala. Há muitos tipos de (causa de) violência a serem identificados. E esse deve ser o trabalho prioritário do sociólogo; c) a definição proposta por Reemtsma: qualquer acção que tenha por resultado a redução ao corpo, independentemente das causas. Essa redução ao corpo pode ser a do perpetrador ou da vítima. As causas podem ser só simbólicas, só físicas ou mistas. A conclusão foi que no caso apresentado, a violência descrita na experiência de guerra de António Lobo Antunes em O Cu de Judas, seria inviável de ser discutida a partir das duas primeiras definições.
O que é diferente na abordagem da sociologia e do senso comum à violência? a) O senso comum isola a violência do resto da existência; b) O senso comum é muito sensível ao grau de violência - acima de certo grau de violência (a intensão também conta para essa avaliação) é que é violência; abaixo é brincadeira, jogo, normal, caracter da pessoa agressora; c) O senso comum distingue a violência de cima (legítima) da violência de baixo (perigosa) e conforta-se com a primeira e protesta (eventualmente violentamente) contra a segunda. É muito mais tolerante com a violência de cima (que tende a associar ao jogo) do que com a violência de baixo (que tende a associar com intenção de tomar poder sem mérito - "vida fácil"); d) Em termos mais gerais, a violência dos mais fortes (adultos perante crianças, nacionais perante estrangeiros, homens perante mulheres, pessoas de classe alta perante pessoas de classe baixa) é compreendida e tolerada como legítima e a violência dos mais fracos, a níveis objectivos relativamente baixos, é imediatamente sentida como uma ameaça à ordem social;
Há violências que marcam a vida das pessoas, definitivamente. Tornando-as vítimas. Vitimação que pode ser calada, ignorada, sublimada, dispersa, recalcada. Mas pode despoletar sintomas de stress pós traumático. Imediatamente ou em diferido. Aumentando a instabilidade existencial que caracteriza a espécie humana. Como poderá a sociologia avaliar, através dos métodos comuns (entrevistas, inquéritos) as consequências da violência, se as vítimas procuram negar e escapar da sua condição, como forma de redução da instabilidade e protecção contra a violência e se o senso comum (incluindo o dos sociólogos) penaliza as vítimas com atitudes de revitimização, pelo simples facto de reclamar testemunho (e humilhação) retraumatizante da vítima para confirmar a existencia de violência traumatizante? Que papel terapeutico ou preventivo poderá (deverá?) ter a sociologia? Haverá modo de transformar a violência vitimizante em violência edificante? Isso faz-se em segredo (por exemplo, num gabinete de psicoterapia) ou pode fazer-se em exposição pública (por exemplo, num processo de justiça restaurativa ou numa comissão de verdade e reconciliação nacional) (cf. Thomas Sheff)?
Lição 2 – estudo de casos - a extensão da violência no espaço e no tempo Apresentado um caso de violência ele foi abordado numa discussão da turma para saber como o tratar de forma útil e de acordo com a definição de partida de violência como redução ao corpo. O caso foi relatado pelo ACNUR e passou-se no Mediterrâneo. Uma senhora que se tornou ou já era escritora descreveu um assalto do seu barco clandestino com o qual passava com duas centenas de pessoas para a margem norte do mar. Uma dezena de homens gritaram palavrões e provocaram a queda ao mar de várias pessoas, algumas das quais morreram. O que é violência? A) o ataque dos meliantes? B) as condições de vida que obrigaram os imigrantes? C) os contratos com os passadores? D) as barreiras da chamada fortaleza Europa? O relato não permite avaliar todos estes aspectos da violência. Normalmente os relatos de violência são sincrónicos – relatam um episódio – e descartam as descrições diacrónicas, que demoram muito mais tempo a contar e são menos objectivas. Isto é, as causas e efeitos estão mais confundidos entre si e as sequências de causas e efeitos tornam a descrição quase arbitrária. Por isso, as descrições da violência se reduzem elas próprias a episódios e deixam à imaginação, à ideologia de cada ouvinte ou espectador a interpretação das causas e dos efeitos da mesma. Há, pois, duas formas de tratar o caso: a) delimitar o episódio no tempo e ignorar o filme que fez chegar cada um dos personagens àquela situação; b) abrir o ângulo e, usando o episódio, descobrir toda a panóplia de violências que fazem dos fluxos migratórios percursos inseguros e atractores de violência, dada a terra de ninguém (a falta de protecção do estado) por que as pessoas têm de passar para atingirem os seus objectivos. Objectivos que não são somente pessoais (se o fossem, como se explicaria que as pessoas arriscam a vida: serão suicidas?) mas são familiares. De que os estados mais pobres beneficiam também através de fluxos financeiros que os imigrantes remetem para as suas famílias no local de origem. Nesta aula o exercício foi abrir o ângulo, até que se descobriram os limites da definição de partida. Se violência é a redução ao corpo, o que dizer do sado-masoquismo (que é uma violência consensual entre os praticantes com vista ao prazer) ou ao sono (que é uma prática quotidiana de reposição de energias em que a consciência se reduz ao mínimo, para que o corpo possa recuperar: isso também é violência?). Lição 1 – objectivos e ponto de partida Apresentado o primeiro objectivo – escolher e descrever uma situação de violência em que sejam usados palavrões, para análise durante o curso – e a estrutura do site da cadeira, de que se recomendou a visita, o professor descreveu os princípios da abordagem sociológica da violência que vai privilegiar. A saber: a) A violência não é boa nem é má, não vem só de baixo – do povo ou dos pobres – nem só de cima – da organização e das instituições: é uma experiência de que a vida está cheia. A violência, como redução ao corpo, acompanha-nos desde a concepção e nascimento, à afirmação pessoal identitária, até à construção de solidariedades capazes de reduzir a instabilidade da vida, na educação e no desporto, nos cuidados de saúde e na vida íntima. b) Esta definição, sugerida por J. P. Reemtsma (2011). Confiance et Violence - Essai sur une configuration particulière de la modernité. Paris: Gallimard:111-115, impõe o reconhecimento de movimentos de expansão da influência humana para lá do corpo, de modo a ser possível, através da violência, um movimento em sentido inverso. c) Efectivamente as pessoas nascem e crescem: a violência pode reduzir-lhes as aspirações pessoais e sociais de ascensão. O mesmo se pode dizer relativamente aos grupos sociais. A violência pode impedir o seu desenvolvimento ou potenciá-lo. Para se prepararem para o futuro, as pessoas e os grupos sociais exercitam a violência em jogos sem consequências práticas gerais – por desporto ou para acasalamento – ou em jogos para terem consequências práticas – a guerra ou a política. d) O senso comum usa a designação de violência para se referir àquela que empurra pessoas e antecipa a sua morte ou incapacitação: provoca a entrada da vida no ciclo descendente que conduz à morte. Embora também os mais jovens, mais fortes, mais poderosos estejam sujeitos à violência. E a violência, embora possa lesionar este tipo de gente mais resiliente, serve também para estimular a expansão da influência de quem com ela se treina para aumentar a potência e subir na vida. Esta concepção de violência reclama uma teoria social condizente: a sociologia da instabilidade. a) As pessoas são, ao mesmo tempo corpo e acesso ao mundo virtual (da linguagem, dos livros da internet) – assim se distinguem dos outros animais. As pessoas crescem desenvolvendo o corpo e as suas capacidades de manipulação do mundo virtual, através do qual se afirmam e identificam pessoal e socialmente em sociedade. b) A espécie humana resulta da evolução da vida na Terra. E a sua história é ela própria uma evolução. A construção de níveis hierarquizados de poder, a que alguns têm acesso e outros não. Hierarquia geralmente descrita sob a forma piramidal. Desde o tempo dos Faraós. c) Esta hierarquização organizada é um meio de reduzir a instabilidade e a vulnerabilidade de alguns, os que vivem mais próximo do topo, com o sacrifício dos outros, que vivem na base. d) Porém, a própria organização social é precária e instável. Reclama mecanismos de estabilização social. Capazes de, ao mesmo tempo, estabilizar os sacrifícios na base e os privilégios no topo. e) A observação revela como os principais fundamentos estabilizadores das sociedades modernas são a misoginia (ou a diferenciação maniqueísta das orientações sexuais, com privilégio para o masculino), o elitismo (ou a consagração com privilégios das funções de direcção) e a dissimulação (o desenvolvimento de meios sofisticados de substituição das experiências práticas por experiências discursivas, com fins de estabilização dos poderes do dia, de facto ou em devir). 2015 Violência em sociedade (2014) O tabu do sentido da violência: ver http://www.ipvr.eu/people/steps/research_projects?token=gqu2G7_rE1MKZ4J7D1b06Q) A presença teoricamente ausente da violência (2015)
They hate black people - BBC acerca de Portugal versão portuguesa (a guerra colonial já acabou faz mais de 40 anos! As suas sequelas permanecem entre nós)
A violência da teoria social APD O encobrimento da violência estruturante APD
Dimensões e identidades APD (2015) Violência como redução ao corpo (visível e invisível, cf Collins) Bode expiatório como controlo sobre a violência – pelo excesso e pela exclusão rituais + pela responsabilização individual simbólica (economia humana, Graeber) O sagrado (exclusão ilusória entre o Bem e o Mal em tempo espaço intensidade separadas) como radicalmente separado do profano (Durkheim) A impossibilidade racional de prevenção da violência (s/ transformar o mundo) (Wieviorka) A transformação pela tomada de consciência e/ou pela violência - dilema cristão (Girard) Aplicação ao Charlie Hebdo Jornalistas como bodes expiatórios para os terroristas Colocam o Ocidente na necessidade de reagir (contra os islâmicos) e reforçar a unidade de ambas as partes em guerra - escalada Reacção pela prevenção (infância dos perpetradores dos actos criminosos; recursos desiguais; exploração de recursos humanos e mineiros na Argélia) ou pela manutenção do status quo pela retaliação violenta (que se transforma no sentido xenófobo) Sumário 9. 27.04.2015- Prevenção da violência - Políticas anti-extrativistas
Alberto Acosta em conferência para Projecto Alice, Coimbra 2014. Entrevista em castelhano com Alberto Acosta (57´)
Sajida
Lillah a respeito dos imigrantes
mortos no Mediterrâneo, Abril 2015
Ciências Sociais e Bem Viver APD Um terceiro e último exemplo de movimento de prevenção de violência é a proposta de políticas anti-extrativistas, isto é, a recusa dos estados de sacrificar a vida das pessoas que vivem sobre minas (de petróleo ou outros materiais que ao serem exportados servem as indústrias mais poderosas do mundo) e o meio ambiente destruído pela mineração. A recusa da chantagem permanente que as minas implicam sobre os trabalhadores (que vivem em condições degradantes e sujeitos a doenças de trabalho graves) e sobre as autoridades locais ou nacionais que ficam dependentes (viciadas) nos rendimentos oriundos das minas e disponíveis em primeira mão para as empresas, que dão mais ou menos conforme as conjunturas e as corrupções associadas. Acosta traz-nos uma perspectiva histórica e política inovadora inspirada na tomada do poder por parte das populações primeiras da Amazónia, no Equador e na Bolívia, onde foram capaz de impor na constituição o conceito de Suma Kawsay (Bom Viver) centrado na partilha da dignidade entre humanos e não humanos, plantas e ambiente. Sem uma cultura escrita e sem escolas, esta filosofia de vida que considera o habitat com a mesma dignidade das pessoas reclama a produção de um direito da natureza que defensa aqueles povos doa ataques à Amazónia perpetrados pelos exploradores, em nome da civilização ocidental, das políticas de Terra Nula, na visão da Terra como recursos para serem usados, incluindo os recursos humanos. Esta filosofia foi capaz de manter vivo estes povos atacados pelos colonialistas, durante 400 anos. Ao fim dos quais tiveram forças para conquistar o poder do estado. Mostrando uma vitalidade aparentemente incompatível com as suas forças alvo do encobrimento e da repressão por parte dos media ao serviço dos poderes ocidentais. Essa vitalidade pode bem ser importante para dar uma oportunidade à humanidade globalizada, dominada pelo ímpeto da destruição do ambiente, raro meio onde a espécie humana pode sobreviver. Trocar a filosofia da luta de interesses pela harmonização de condições de existência (própria do bem viver desses povos) é uma forma de dar utilizada à diversidade cultural humana e de salvar a vida humana da catástrofe que para alguns é já irreversível. A prevenção da violência poderá ser feita protegendo as vítimas (como as crianças abusadas sexualmente) ou assegurando que o desespero não se apossa das pessoas (com um rendimento básico incondicional) ou através da adopção de filosofias políticas de harmonização entre a vida humana e as vida e o meio da superfície da Terra, de que somos apenas uma parte, quiçá uma praga que, como as outras, tende a auto-suicidar-se.
Sumário 8. 20.04.2015- Prevenção da violência - Rendimento Básico Incondicional
RBI e violência (2015) Prevenção (2015) Como os bandidos, Fernanda Câncio, DN, 2015 "O Rendimento Básico Incondicional é uma prestação atribuída a cada cidadão, independentemente da sua situação financeira, familiar ou profissional, e suficiente para permitir uma vida com dignidade. Um RBI é: - Universal - não discrimina ninguém, todos o recebem - Incondicional - um direito para todos, não uma esmola para os pobres - Individual - garante autonomia às pessoas em situação vulnerável - Suficiente - para viver com dignidade" in http:// www.rendimentobasico.pt É uma proposta antiga e controversa (sobretudo porque dá dinheiro a quem não trabalha, incluindo quem tem rendimentos suficientes para viver) apoiada por pessoas de todas as ideologias e igualmente descartada e atacada por gentes de todas as ideologias. O grupo que em Lisboa faz divulgação da ideia é bastante heterogéneo em termos de inclinações políticas. Existe uma organização internacional que desenvolve acções de divulgação http://www.basicincome.org. Procura combater a "indústria da pobreza", isto é, o assistencialismo e a subsidiodependência através do reconhecimento prático de um direito a viver com dignidade, incluindo as pessoas más, preguiçosas ou com outros defeitos. As experiências realizadas em várias partes do mundo, países desenvolvidos e outros, apontam para redução de problemas sociais (incluindo violência) substituídos por mais frequência escolar e mais actividade ocupacional (porque qualquer ocupação, ainda que pouco rentável mas satisfatória para quem a faz, traz acréscimos de recursos). Presume-se que o RBI será uma fonte de apoio ao desenvolvimento de tendências artísticas pelo tempo que libertam, mas também se pode esperar uma nova posição ética dos trabalhadores perante as finalidades das suas actividades profissionais, actualmente simplesmente delegadas nas administrações e no secretismo em torno das actividades imorais das empresas que os trabalhadores não podem deixar de conhecer, ao menos em parte, mas que ninguém se sente capaz de reclamar, dado o risco de despedimento e de perseguição que as denúncias implicam, incluindo a redução à extrema necessidade por desemprego. Spirit Level, livro de Wilkinson e Picket ( Espírito de Igualdade, na sua tradução portuguesa), mostra como rendimentos menos desiguais estão sistematicamente associados a menos problemas sociais, quando se comparam os países mais desenvolvidos actualmente. Alguns activistas do RBI falam de revolução social impulsionada pela medida, pois deixaria de haver a pressão social para aderir ao mercado de trabalho a menos de estarem reunidas condições práticas (proximidade ao local onde as pessoas preferem fazer a sua vida), morais (actividades que as não envergonhem perante os amigos e a família) e económicas (salário adequado promovido por lutas que se entendessem úteis, apoiadas com fundos de greve suportados no RBI). O RBI corresponderia a uma contribuição orçamental importante para o sector cooperativo e solidário, que tem sido esmagado pelos sectores estatal e privado nas últimas décadas. As tensões criadas pela escassez de postos de trabalho - cujo objectivo é baixar salários - criam um paradigma de violência (para usar a expressão de Wieviorka) que pode ser mudado com o alívio dessa tensão pelo RBI. A relação entre o RBI e a violência directa, física, considerada por Collins é apenas circunstancial (verifica-se uma associação entre a redução das diferenças de rendimento, que o RBI promove ao subir muito os rendimentos mais baixos, e os crimes e outras formas de violência). A definição de Reemptsma - violência como redução ao corpo - permite uma observação mais alargada das potencialidades do RBI. Ao assegurar uma vida digna a todos, a expansão da existência de cada um (o inverso da violência) seria melhor tratada, visto as pessoas não serem obrigadas - para sobreviver - a envolverem-se em actividades violentas. Não apenas as actividades criminais ou "paralelas" como a prostituição, por exemplo, mas também as actividades sujeitas a doenças profissionais ou mesmo a assédio moral ou outros problemas que têm gerado um aumento dos suicídios por razões laborais. E geram, em geral, má fama do trabalho, a ponto de haver quem entenda se as pessoas tivessem dinheiro suficiente para sobreviver, ninguém quereria trabalhar. Todos prefeririam o lazer.
Sumário 7. 13.04.2015 - Prevenção da violência - Justiça Transformativa
Teoria Social discriminatória (prezi)
A violência da filantropia, aspecto da modernidade, (2015) Prevenção (2015) Leandro foi preso com base numa mentira (6ª as nove, RTP 2, 2015) Lista de abusores sexual, Franco Atirador 13-4-2015
"Estamos, portanto, em presença de violências secretas, inauditas, de que nem as vítimas, seus familiares e amigos suspeitam, acreditando-se vítimas sim mas de outras causas. Como os antigos imaginavam a ira dos deuses como causas das tempestades. Violência afinal omnipresente e que pode caber à teoria social escrutinar, caso se disponha a fazê-lo daqui para a frente. Assumindo como suas as lutas contra as discriminações sociais. Lutas ideológicas, pois precisam de deixar clara as origens da perversidade. Lutas pela saúde das pessoas, a favor da sua felicidade em termos de avaliação do que sejam vidas boas." excerto de Sociologia da Violência, em fase de escrita. abuso sexual de crianças - lições do activismo A teoria social é discriminatória. Na medida em que não se demarca da sociedade misógina, elitista e dissimulada, a teoria social acaba por acompanhar a dissimulação da sociedade sobre si própria. Por exemplo, fazendo tabu das ideologias como fontes de orientação e vontade das pessoas, das relações sexuais como fonte de vida, da violência omnipresente, da nossa comum pertença a uma espécie singular mas parte da vida criada em ambiente raro e frágil, como aquele existente actualmente na superfície terrestre. A política centrípeta de isolar a sociedade ocidental e dentro dela a parte em processo de modernização, por sua vez dividida em especialidades e instituições, exclui do nosso campo de visão as violências com que se esmagam os excluídos, nas metrópoles desenvolvidas mas também fora delas. Ao ponto de se subentender por sociedade aquilo que seja o modelo de sociedade moderna só aparentemente isolada da parte não moderna das sociedades ou das partes desconsideradas - na verdade, onde vive a maioria das pessoas. Um exemplo dessa exclusão extremamente violenta é o abuso sexual de crianças, cuja descoberta foi feita recentemente. O que nos permite estar a falar de algo que uns anos atrás era completamente ignorado. E hoje em dia é apenas menos um pouco. A confusão entre pedofilia, homossexualidade, violência e abuso sexual de crianças é grande. Na verdade ela revela a nossa ignorância do que é a natureza humana, em especial a nossa natureza sexual e o modo como a sexualidade afecta a nossa existência. O modo de tratar dos abusos sexuais de crianças, por via do sistema criminal, mostra também que a sociedade não está disposta a olhar a realidade de frente e prefere deixar ao estado o trabalho sujo, para que não volte a permitir o alarme público como no caso Casa Pia. Para que se possa continuar a viver como sempre, sem ter de nos preocupar essa faceta perversa da natureza humana. A capacidade que temos de adaptação é paralela à capacidade de escamoteamento daquilo que se faz. Fala-se como se não se tivesse feito nem conhecesse quem o tenha feito. O que a mão esquerda faz a direita desconhece e encobre. Perante isto, um grupo de activistas sociais que tratam de apoiar pessoas envolvidas em casos de abusos sexuais apresentaram um relatório sobre as suas preocupações ao verificarem a ineficácia dos seus esforços de pacificação da vida das pessoas envolvidas em casos de tamanha violência. O seguimento dos casos pelas vias do estado não permitem enfrentar e transformar as condições sociais que permitem a recorrência dos casos de abuso sexual de crianças. A doutrina da justiça restaurativa, de reestabelecer as condições anteriores à ocorrência do crime, também não lhes pareceu adequada, depois de a experimentarem. Voltar ao princípio é aceitar que as condições que permitiram a ocorrência do abuso voltem a existir e os riscos inerentes também. Para se fazer um profundo e assertivo diagnóstico da situação haveria interesse e vantagens em dispensar a intervenção do estado e contar com a colaboração de abusadores que passem a estar dispostos a deixar de cometer crimes e queiram activamente encontrar as maneiras de transformar a sociedade para um dia, certamente longínquo, possa ser possível abolir este tipo de violência.
Sumário 6. 23.03.2015 - Por uma teoria social centrífuga (ver Sociologia da Instabilidade - artigo e livro) Misoginia, elitismo e dissimulação (ainda a misoginia) 1. Há razões para as pessoas modernas admitirem a misoginia e o elitismo como características dos seus sentimentos e pensamentos dissimuladas sobretudo nos discursos. Essas razões decorrem da histórica construção de um espaço-tempo-intensidade autónomo, cada vez mais autónomo, dos mundos virtuais (escrita e imagem artificiais) separados dos mundos da acção (trabalho, guerra); 2. A
teoria social não descolou dos limites do senso comum, porque dissimula
ela própria a misoginia e o elitismo da nossa actual condição, em vez de
revelar essas características do estado actual das sociedades. A teoria
social ainda não se tornou uma ciência como as outras. Mantem, como o
senso comum, uma incapacidade de ultrapassar as suas limitações.
Nomeadamente de considerar a violência em sociedade, por querer
acompanhar o tabu contra a violência ideologicamente produzido pela
burguesia hegemónica, centrada na exploração dos “mercados” – como se
estes não fossem constituídos à força e contra a natureza e populações
que possam estar no caminho da extracção e produção de riquezas;
http://www.ipvr.eu/people/ 3. Uma das consequências é a ilusão, denunciada por Collins e transmitida pela teoria do desenvolvimento, de serem os jovens machos os mais violentos dos seres humanos porque vivem uma fase de ascenção social, na verdade integração social através da construção de novas famílias. O contrário talvez seja mais verdadeiro: são estes jovens as principais vítimas da violência social dominante, a defender os seus privilégios. Sendo as jovens mulheres com os seus filhos grande parte do contingente de pobres, por incapacidade dos homens jovens (em luta contra as leis sociais que os discriminam apriori) de assegurar a segurança das respectivas novas famílias (maior precariedade do emprego, menores salários). Na prática, a maior quantidade de violência acontece contra as crianças (e suas mães) e os velhos, no seio das famílias e das instituições que as substituem. Ao contrário da tese da teoria do desenvolvimento. No dizer de Collins, as situações violentas resolvem-se sobretudo contra os mais fracos, a quem os violentos procuram para exercer a violência com o menor risco possível; 4. Romper com o senso comum e a dissimulação da violência (como a dissimulação dos corpos, das emoções, da face, etc.) no quadro das ciências sociais requer a denúncia do pensamento centrípeto (virado para dentro e híper-especializado) e a construção de um pensamento centrífugo (articulado com outros saberes, abaixo (biologia) e acima (direito) como modo de identificar o estado de cada sociedade, nomeadamente a distância entre o poder e o ser, as construções sociais elitistas e a vida quotidiana). 5. Os contributos de Wieviorka (macro paradigmas fundados nos sujeitos) e Collins (micro situações que se impõem aos indivíduos para que sejam violentos, contra natura) vão nessa direcção. Embora não rompam tão decididamente com a teoria social dominante quanto é necessário; 6. A distância e as relações entre a lógica virtual dos paradigmas de violência social vigentes em cada momento e os estados de espírito das pessoas no quotidiano (difundidos mimeticamente e alimentados pela recursividade espontânea nas pessoas) enquadra a tensão social, isto é, o estado da legitimidade política do poder, o sentido instituinte ou emancipatório das sociedades, o impacto das vozes nas vontades de acção inovadora ou subversiva. Sumário 5. 16.03.2015 - Limitações das teorias da violência de Wieviorka e Collins Inquiridos os estudantes sobre o que sentem ser limitações das duas teorias da violência para o estudo a que se dedicam, do ataque terrorista ao Charlie Hebdo, de Janeiro 2015, registou-se: a) Como tratar a comunicação da violência, através dos media mas também através das consequências da violência em pessoas longe do local da acção? Para o investigador saber o que se passou terá de recorrer às informações disponíveis, como as informações oficiais da polícia e dos inquéritos oficiais, as versões de cada jornalista e dos diferentes órgãos de comunicação social, as versões politizadas de qual seja a versão mais adequada para descrever os acontecimentos, quando a observação directa da violência é quase sempre impossível de produzir por falta de registos directos da acção e, mesmo quando há testemunhas, a perturbação dos sentidos própria de circunstâncias violentas, tornam a observação indirecta controversa. Por outro lado, ele há violências com consequências apenas locais (como o assassinato de centenas de pessoas na Nigéria no mesmo dia em que ocorreu o assassinato de quase duas dezenas de pessoas em Paris) e há violências com repercussão global, seja porque ocorre contra pessoas imaginadas livres de quadros de vitimação, seja por interesse em explorar a violência a favor de políticas particulares. b) Uma acção planeada reclama dos raros violentos uma preparação própria para exercício da violência? Ou há pessoas com desejo de serem violentas e, por isso, se treinam para o poder fazer de modo socialmente significativo, isto é, de modo a afirmar o valor dessa sua propensão, num mundo social que reprime e desvaloriza a violência? Não será a violência um fenómeno universal, próprio da sobrevivência da vida, que se alimenta em grande medida da morte? Claro, com particularidades de acordo com os resultados da evolução em cada espécie e em cada momento da história. Não há uma propensão mais geral para a violência, para além dos paradigmas e da violência efectivamente realizada? Apesar da repugnância civilizacional perante a violência e dos cuidados de não se ser violento conrra si próprio, como acontece se, por distracção ou engano, se decide enfrentar um adversário mais poderoso ou simplesmente mais resiliente do que aparenta. Como os EUA no Vietnam. c) Será a violência sempre destrutiva? Não há, como diz Wieviorka, a respeito do híper-sujeito, violência indispensável para a manutenção ou transformação do mundo? Quem e como se poderá, então, proceder à avaliação do que seja violência construtiva – por exemplo de um califado islâmico fundamentalista – e uma violência destrutiva – por exemplo, da modernidade que o mesmo projecto de califado pretende realizar? Problemas de conceptualização (o que é violência e o que é sociedade?) de percepção (centro da atenção na acção directa sem acção difusa e invisível, como a comunicação e as emoções produzidas noutras partes do mundo, motivando acções a curto ou a longo prazo, como o crescente ódio islâmico ao ocidente e a islamofobia no ocidente) de avaliação (moral e política, que também é identitária: por exemplo, os milhões de imigrantes islâmicos e seus descendentes no ocidente sentem os ataques terroristas de modo distinto dos nacionais europeus tradicionais – é aí que o terrorismo pretende intervir, para ganhar adeptos entre os ocidentais excluídos) de âmbito (a violência é apenas micro ou apenas macro ou é, ao mesmo tempo, micro e macro? Seja por via dos efeitos imediatos de difusão das notícias e reacções, seja por via da acumulação de sentimentos e disposições, como as que rebentaram recentemente nos EUA a respeito do racismo policial, afinal do racismo nacional norte-americano ideologicamente encoberto pela eleição de um presidente negro e pela criminalização em massa dos jovens negros. Seja através dos resultados práticos da islamização fundamentalista como reacção à injustiça do encarceramento de jovens descendentes de imigrantes magrebinos em França). Estas e outras limitações da melhor teoria social sobre a violência pode ser encarada como um problema dos teóricos individuais da violência ou um problema geral da teoria social que, de forma centrípeta através da hiperespecialização (Lahire), excluiu sistematicamente todas as críticas epistémicas à teoria social dominante, caracterizada por ninguém a defender ou tratar dela e todos os sociólogos se identificarem enquanto sociólogos pela respectiva especialidade e originalidade: por exemplo, Wieviorka o sociólogo da macro violência; Collins o sociólogo da micro violência. E ambos fora da contestação do que seja a teoria social (que Mouzelis nota que não está a funcionar da melhor maneira) ou da discussão sobre o que seja que a sociologia tem por objecto de estudo, a sociedade. Não será necessário, para fazer justiça à omnipresença da violência na vida das pessoas, tratar a violência embebida em todas as práticas sociais? Sobretudo porque as relações de poder, que são o centro (aqui exageradamente exclusivo) das preocupações sociológicas, por definição, incluem alguma forma de violência passada e prometida (violência simbólica) sustentada em evidentes instituições de promoção da violência, como as forças armadas e as polícias. As clássicas dimensões sociais de análise, a saber, a política, a economia, o prestígio social, a cultura, resultam da proposta de análise weberiana de poderes adoptada por Parsons e jamais negada, mesmo após a forte contestação do estrutural-funcionalismo nos anos 70 e 80. Quando Giddens apresentou uma actualização deste quadro analítico tomando como referências os polos de conflitualidade social registados na sequela da revolução cultural dos anos 60, a saber o industrialismo, o capitalismo, o belicismo e o contro social como expressões dimensionais dos movimentos ecologistas, operários, pacifistas e de direitos humanos, notou não ter tido imaginação suficiente para enquadrar o movimento das mulheres na sua proposta. A grande vantagem dessa proposta era contemplar efectivamente a omnipresença da violência. O grande problema foi o seu abandono. Em resumo: a teoria social continua a manter-se fiel à indiscutida matriz epistémica fundada no século XIX, misógina, elitista e defendida por estratégias eficazes de dissimulação (não tem lugar para a sexualidade e para as mulheres, está obcecada pelo poder e transforma-se superficialmente sem avançar para práticas científicas sem protecionismos paternalistas a que as ciências sociais está sujeitas actualmente). A sua dependência do estado social para financiamento e prestígio explica o seu conservadorismo e também o risco de, caso não se liberte dessa dependência, perecer com o seu protector. Se assim for, é mais fácil perceber porque é que Wieviorka e Collins foram incapazes de considerar a violência estatal como uma das formas mais evidentes, violentas e omnipresentes de violência em sociedade. A violência, na teoria social como ao nível do senso comum, é entendida como tendo uma causa individual no mau caracter de alguns seres humanos raros e cruéis. De baixo para cima. O que manifestamente é desconforme à ideia de a humanidade ser a espécie mais agressiva e violenta à face da Terra. Como é desconforme à própria ideia de sociedade proposta por Durkheim. Sumário 4. 02.03.2015 - Valor das teorias da violência de Wieviorka e Collins Tomando um caso concreto recente, violência policial alegadamente racista em Lisboa e respectivo protesto, discutiu-se o valor das propostas de sociologia da violência para analisar o caso. Seguindo Wieviorka, pode dizer-se haver um paradigma deste tipo de violência que se relaciona com a história, em particular a história colonial, das grandes obras públicas mais recentes, da contenção dos salários através do favorecimento do mercado de trabalho paralelo. História semi-milenar e história recente. Histórias a que será preciso resgatar as versões dos perdedores, nomeadamente dos povos colonizados, dos trabalhadores estrangeiros tratados como imigrantes clandestinos, as empresas de empreitadas parte de um tecido de corrupção cujos contornos são hoje mais claros. As explicações estritamente monodimensionais, só políticas, só económicas, só culturais, dificilmente dão conta da complexidade dos fenómenos de violência. Sobretudo não dão conta da construção das vontades que atribuem sentidos às acções violentas, nem do papel dos sistemas de segurança e de justiça no favorecimento da continuação das condições sociais que espoletam a violência, como sejam as maneira como as missões de policiamento são organizadas, o modo como os agentes de autoridade são intimidados contra certas populações cuja profecia de serem perigosas se auto-realiza, na precisa medida mimética como do lado das populações as acções policiais musculadas, desproporcionadas e arbitrárias podem ser notadas e correspondidas com hostilidade organizada e legitimada por processos de vitimação. De um lado e de outro, a desorientação dos sujeitos flutuantes, a frieza dos não sujeitos, o trauma dos sujeitos sobreviventes, são mais importantes e frequentes do que a determinação do hipersujeito ou a crueldade do anti-sujeito. Mas, na prática, tudo se confunde em versões desencontradas sobre os factos e o afastamento, por via política e judicial, de qualquer possibilidade de clarificação e aprendizagem sobre como espoletou a violência e como ela pode ser prevenida. De um lado os queixosos que dizem ser ridículo terem tentado assaltar uma esquadra sem armas e sem saberem como lutar contra os polícias. Do outro a polícia fala em modo hierárquico e, embora tenha de retificar explicações inconsistentes, é essa versão dos factos que ganha o estatuto de verdade oficial. Que podem e devem pensar polícias e população em geral que não esteve presente nos acontecimentos? Neste momento da reflexão vem a propósito passar para a análise micro social de Collins. Primeiro, diz ele, é a porca da violência. Isto é, a tendência de procurar os mais fracos para exercer violência que, desse modo, não representa risco imediato nem mediato para os agressores. Nessas circunstâncias, a barreira de tensão e medo que surge de cada vez que nos confrontamos com uma situação violenta é mais pequena e a energia necessária para a ultrapassar em menor. Pode ter acontecido que na altura da detenção como na esquadra, o nervosismo particular dos polícias (por alguma razão que se poderia investigar) levou a que imaginassem haver riscos maiores dos que existiam realmente e, por isso, escalaram o nível de violência como modo de auto-protecção. Como diz Collins: quem bate primeiro quase sempre vence a luta. O mesmo fenómeno pode ter acontecido na esquadra. Se compreenderam que quem assistiu pode ter ficado com a sensação de ter havido alguma injustiça, a presença de pessoas na esquadra a pedir explicações pode ter sido considerado uma ameaça. E, como é táctica conhecida, envolver as pessoas em situações de violência todos perdem a razão. E se fosse esse o caso, a verdade é que quem foi à esquadra acabou arguido e sujeito a medidas de coação para futuro julgamento. Pode ter havido violência simbólica por parte do jovem detido e dos jovens que foram à esquadra. Sobre isso não veio a público seja o que for. Está em segredo de justiça, como se costuma dizer. Pode haver também a hipótese de haver encenação da violência: Por exemplo, a pessoa detida pode simplesmente ter resistido à detenção e para protestar ou obter qualquer outra vantagem ter encenado uma violência que colocasse nervosos os agentes e eventualmente o deixassem ir, para evitar o aumento da tensão. É preciso saber os hábitos locais para saber se essa possibilidade é realista (como pode ser em vizinhanças onde a polícia tenha por missão proteger os moradores) ou se não passa pela cabeça provocar polícias que partem para a violência rapidamente. Esta eventual facilidade especial de partir para a violência é animada dentro da polícia através da criação de destacamentos especiais, mais prestigiados e melhor recompensados, precisamente por incluírem apenas agentes com essa capacidade rara. Locais onde este tipo de agentes trabalham terão experiências diferentes das onde este tipo de agentes não trabalham. Quem está mais facilmente disposto em ser o primeiro a ser violento está treinado para proteger os companheiros quando estão em modo túnel negro e com sentimentos de pânico. Assim como não ter remorsos ou sentir culpa por entrar em tais estados de excitação violenta. Os treinos para aumentar essas capacidades são realizados através de repetições de violências encenadas. Cujo hábito costuma dar superioridade relativamente às pessoas não treinadas. Finalmente, a política oficial de silêncio ou distorção da informação sobre estes casos vai de par com a desconsideração política dos chamados casos de polícia, recobrindo-os de um manto de obscuridade e irrelevância que recai sobre polícias e seus interlocutores, através de processos de marginalização e estigma. Sumário 3. 23.02.2015 - A violência em Collins Wieviorka e Collins observam a violência de modos distintos: o francês usa a teoria da acção para enfatizar a macro violência. Procura analisar os diferentes tipos de sentido que são associados e são causas da violência. Separa também a vontade normativa das capacidades sociais de execução da violência. Para o norte-americano decorre da situação, onde se espraiam e de onde se recuperam energias emocionais. Há uma barreira de tensão/medo que torna a prática da violência física rara (as bravatas e as ameaças são infinitamente mais frequentes). Os episódios de violência são muito rápidos na sua duração. Quem bate primeiro quase sempre ganha, sem resposta à altura. Quanto maior as diferenças de potencial de violência mais probabilidade há de a violência ocorrer, contra os mais fracos. As pessoas violentas são raras e dependem muito das circunstâncias que as tornam violentas.
Sumário 2. 09.02.2015 - A violência em Wieviorka
Apresentação das intenções de investigação de cada estudante Wieviorka, Michel (2005) La Violence, Paris, Hachette Littératures O livro tem três partes. Na primeira é apresentada a nova situação da civilização ocidental no último quartel do século XX por comparação com o quartel imediatamente anterior, no sentido de mostrar os principais elementos de uma nova configuração paradigmática, teórico-pragmática. Quer dizer, os novos sentidos da violência política no quadro histórico e social actual. Na segunda parte são revistas algumas das explicações tradicionais sobre o que seja a violência, apresentados exemplos e analisadas as suas fraquezas. A terceira parte serve para apresentar uma tipologia das violências observadas na literatura recenseada, a partir da perspectiva previamente construída em torno do conceito de sujeito social na história. Isto é, em torno dos actores sociais cujo sentido histórico da acção é compreendido como relevante e aprovado pelo sociólogo para construir o futuro. Por isso essa tipologia é do sujeito mas também do anti-sujeito, protagonizado por agentes sociais cujo sentido da acção ou é ou não é compreendido ou é ou não desaprovado pelo sociólogo. A agência modernizadora parece-lhe preferível e a agência contra-modernizadora condenável. Os terroristas islâmicos são o protótipo deste tipo de agenciamento negativo. Os protagonistas dos motins são exemplos menores desse tipo de agenciamento. Sobre a violência de Estado, o livro não fala. Notas sobre La Violence de Wierviroka (2014); os alunos podem também procurar o sumário do ano anterior AQUI
Sumário 1. 02.02.2015 Apresentação do curso O objectivo do curso será discutir o que se entenda por sociedade e por violência, noções nada consensuais entre os sociólogos e alvo até de tabus, como ocorre com o senso comum. Sociedade é muitas vezes a “minha” sociedade, a sociedade dos meus iguais. A violência é a violência considerada imoral por “nós”, a “minha” sociedade. A ciência deveria ser capaz de se distanciar deste tipo de apreciações unilaterais. Será que é capaz de o fazer? O curso terá um programa dividido em três partes: a) apresentação de uma teoria micro e uma teoria macro sobre a violência; b) uma crítica teórica à qualidade unilateral dessas teorias; c) a apresentação de estratégias práticas de prevenção da violência, distantes das teorias sociais. Parto da ideia (a testar) de a violência ser “redução ao corpo” e poder ser uma coisa boa: nos actos sexuais, no desporto, no lazer, no sono, na educação. Como pode ser má, quando o tempo, o espaço, a intensidade da violência ultrapassa certos limites ou quando a violência – mesmo a menos abrasiva – se torna perversa, isto é profunda e persistente a ponto de quebras as resistências humanas. Esta noção de violência só faz sentido com uma noção de sociedade fundada na concepção da vida como integração de níveis de realidade, desde os átomos, às células, tecidos, órgãos, organismos, homeostase mental simples, e ainda psicologia, sociedade, espiritualidade humanas. Cada individuo participa na sociedade porque cresce e ao fazê-lo ganha uma capacidade de criar sociedade, níveis de entendimento, comunicação e colaboração, que não há noutras espécies. A divisão de trabalho, entre o social e a segurança, a assistência e a polícia, os cuidados e a aplicação da violência, reforça ou impõe às teorias sociais uma unilateralidade perante a vida e a sociedade que se compagina com a desnaturalização da violência levada a cabo pelas ideologias modernas (ver Hirshman e Foucault na bibliografia). Nisso, a teoria social está ao nível do senso comum moderno: a violência torna-se para ambos um tabu. Isto é, a violência monopolizada pelo estado torna-se invisível aos sentidos e à moral pública e às ciências sociais, mesmo quando é perversa. Outras formas de violência tornam-se um escândalo, sejam ou não perversas.
Notas soltas: 11 de Setembro de 2001 nos EUA - "Torres Gémeas" Atentado na Atocha - 3 de Março de 2004 Atentado de Londres - 21 de Julho de 2005 Atentado ao Charlie Hebdo - Paris, 9 de Janeiro de 2015 Motins começados em Paris, 2005 Motins começados em Atenas, 2008 Motins começados em Tottenham, 2011 Motins começados em Ferguson, EUA, 2014
Marcha Branca contra o abuso sexual de crianças, 1996 Bélgica, 2001 Paris, 2003 Lisboa Tunísia, Revolução de Jasmin, suicídio de Bouazizi, 2010 em diante Egipto, dias da fúria contra Mubarak, Janeiro 2011 em diante África do Sul, mineiros, Agosto 2012 Turquia, Istambul, Parque Gezi, Maio 2013 em diante Brasil, Junho 2013 e Campeonato do Mundo de Futebol 2014 E na China, Rússia, Índia?
Entre professor e alunos pode expor-se algumas intimidades para fins didácticos, como uma autópsia profissional que permita expor o pano de fundo sobre o qual as lições se desenrolarão.(por ex: o modo como alguém se pode tornar um problema institucional, alvo de censura e de processo disciplinar, uma pessoa com feitio dificil, um sociólogo de fora da sua escola, uma oportunidade de inovação) A disciplina é a conformação do que se diz (enquanto profissional) no que (não) de faz e do que a pessoa assim deformada se torna. Ser-dizer-fazer é um quadro geral de desenvolvimento da história-política moderna, separado por uma divisão de trabalho que o torna irreconhecível. Incluindo a sociedade. A definição de violência, ou a sua dificuldade, decorre da definição (ou da dificuldade de definir) sociedade. Sociedade foi pensada como forma de identificação exclusiva (da nobreza, da burguesia, do operariado, das seitas e das igrejas, das profissões ou franco-maçonarias e dos clubs) e esvaiu-se em humanidade, na medida em que esta utopia se distingue da realidade sensível. Ora sociedade pode e deve ser definida com base na igualdade (e não na diferença: nação, classe, raça, género) e não nas desigualdades (de riqueza, certificação, função). E se assim for a violência pode deixar de ser um mistério para ser uma evidência.
Apresentação das actividades do curso. Apresentação do programa: Wieviorka - paradigmas de violência Collins - situações violentas Foucault - lugar da violência na história das ideias Wilkinson e Pickett - violência social e do desenvolvimento (Acosta) Bourdieu - violência simbólica (Generation Five) Greaber - economias humanas e de troca (Rendimento Básico Incondicional)
Avaliação: Caso Charlie Hebdo e discriminação https://prezi.com/u8vjjymbmkil/discrimination-and-social-theory/
2014
Avaliação dos casos de violência
A análise jornalística torna irreconhecível a densidade da vida, APD 2013
Onde está a violência? O Lado Negro do Chocolate Nov 2012 Percepção da violência estruturante: Americans are completely wrong,
O que é violência simbólica? Tome-se o caso dos constrangimentos socio-organizativos das actividades universitárias para fins de controlo social e as suas consequências práticas, no quotidiano (quando um programa oferecido passa por um processo burocrático que implica algum tempo, eventualmente o suficiente para que o docente tenha de esperar um ano lectivo para poder pô-lo em prática, os processos de inovação próprios da investigação que se querem célebres - para a sua exploração comercial - e os processos de ensino de preparação para a produção - mas alheados das dinâmicas quotidianas da actividade económica). A oposição de qualquer sector da vida a sistemas de avaliação deve-se, pois, à tentativa de escapar à violência simbólica associada, que consiste na imposição de uma escolha: a) subordinação a compromissos previamente acordados; b) enganar o sistema de avaliação, para promover a qualidade social dos trabalhos e arriscar o sentimento de incumprimento (e as penalizações discriminadas pela tutela)
Praxes e política, APD 2014 As praxes - universidade do abuso, APD 2014 Abertura da análise social, APD 2014 Estática e dinâmica sociais, democracia e liberdades, APD 2014 Violência em sociedade, APD 2013
Sumário 10. 19.05.2014 - Síntese final
Além do valor pioneiro de romper caminhos contraditórios entre si para enfrentar o desafio de integrar a violência no âmbito das preocupações dos sociólogos, as estilizações macro política ou micro relacional da violência operadas por Wieviorka e Collins, respectivamente – dois vultos da sociologia europeia e norte-americana actual, bem enquadrados em correntes com tradições da teoria social – a) não tomam em consideração as práticas militantes de prevenção da violência; b) sofrem dos mesmos problemas epistemológicos das teorias sociais apontados por Mouzelis e Lahire, a saber, reducionismo e reificação, unicidade e elitismo. As teorias disponibilizadas são lineares e racionais mas incapazes de dar conta da complexidade e da irracionalidade dos episódios violentos observáveis. São também contraditórias entre si, como se tratassem de dois mundos incomunicáveis. O estudo trouxe-nos a noção de Reempsta de que violência seria uma “redução ao corpo”. O que só faz sentido se existir outro tipo de fenómenos sociais que vão em sentido inverso: uma “expansão para lá do corpo”. Como referem neuro cientistas a respeito da consciência e da inteligência como formas de homeostasia (maneira como seres vivos simbióticos ou organizados em organismos cooperam entre si de maneira alargada, a ponto de ser possível a existência improvável – mas recorrente e reproduzida – de aglomerados auto-organizados de milhões de células) ou Corballis, quando menciona a recursividade como característica humana distintiva, o desenvolvimento dos corpos humanos em sociedade “ascendem” a posições de maior possibilidade de relação com os mundos espirituais superiores (ideologias políticas, fés religiosas, disciplinas cognitivas e profissionais, por exemplo). Esta violência é ao mesmo tempo macro e micro, física e simbólica. Pode até ser construtiva – como o treino ou a formação ou a educação – e admitir doses de violência (redução que impõe uma concentração da atenção no corpo, eventualmente extrema, como maneira de estimular uma reacção de ascenção espiritual, estatutária, militar, económica, desportiva ou outra. A avaliação moral (geralmente negativa) da violência é ideológica: os senhores da guerra observam a violência na perspectiva da honra dos beligerantes. Os burgueses preferem obter resultados económicos e manterem-se pessoalmente a salvo, acusando os seus adversários de serem eles as causas da violência (mesmo quando manifestamente é o reverso que é verdade). Os abusos sexuais, a miséria dos que estão sem recursos para manterem uma vida digna, a continuação secular de práticas coloniais de genocídio de povos primeiros nada têm a ver com a violência no sentido que lhe dá o senso comum. Este entende violência como actos de pessoas violentas por motivações psicológicas. Pode compreender que haja instituições que sejam violentas em certas alturas, para se defenderem ou para atacar. Para o senso comum é mais difícil admitir que um parto, por exemplo, ou um amor possessivo, ou um arranjo social de exclusão de certo tipo de pessoas, possam ser pensados sob a categoria de violência. Violência para o senso comum (e para a teoria social actual) é estranha a humanidade: é uma intromissão diabólica. É o mal mecânico, que por isso só pode ser pensado como exterior à vida social: como uma intromissão de algo distinto das sociabilidades que eventualmente, misteriosamente, se mistura temporariamente com as nossas vidas, de outro modo isentas de violência. Mas a violência pode ser entendida – e seria preferível se passasse a ser entendida, para efeitos científicos – como um tipo de dinâmicas sociais de redução ao corpo, que acontecem quotidiana e estruturalmente na vida das pessoas e sociedades, muitas vezes de forma estimulante. Por vezes de forma destrutiva. A maioria das vezes não se sabe à partida qual será a melhor avaliação moral final para essa violência. A maioria das vezes nenhuma apreciação moral de fará da violência – como nos casos de violência doméstica ou de guerra. Há que trabalhar em prole de uma outra teoria social capaz de fazer pontes com outros saberes e outros métodos para aprender a lidar com a complexidade em vez de uma teoria social especializada fechada sobre si própria.
Sumário 9. 12.05.2014 - O lugar exótico da violência no seio da teoria social
A violência da teoria social APD O reducionismo que simplifica a sociedade a um nível, compensado por um processo de reificação ou recriação da realidade em falta através da imaginação, é como Mouzelis caracteriza a actual situação da teoria social. Lahire refere a sua excessiva ou exclusiva atenção ao poder (ignorando os mecanismos que o promovem e justificam e os ambientes mais gerais que o permitem) e a tendência para o desenho de perfis, em vez de reconhecer a pluralidade intrínseca a cada realidade e entidade social (a que melhor chamaríamos instabilidade). Ambos os autores implicitamente falam da falta de uma abordagem mais densa da realidade social, tratada superficialmente, pelas aparências (do poder). Assediadas pelo biologismo (capaz de distanciar a teoria social do estudo da natureza da espécie humana) e pela ideologia e religião (capaz de afastar a teoria social do estudo dos ciclos mais ou menos dinâmicos de transformação social). Problemas como o desenvolvimento e a moral misturam-se com a avaliação do que é e não é violência (violência estrutural legítima por oposição violência quotidiana praticada por gente sem acesso às instâncias de poder). Falhando a descoberta da ambivalência da natureza humana no capítulo da violência: pode ser uma forma de treino para aumento do desempenho – como na tropa – e pode ser um abuso – como o assédio laboral. A avaliação moral de cada acto violento depende ainda do tempo (e da época histórica), na história da vida de um casal (ou na história da escravatura). A teoria social neutraliza o tempo ao fixar a sociedade moderna – e não a história da humanidade – como seu objecto de estudo – discriminando sobretudo as sociedades colonizadas. Esse processo separa teoria (do que deveria ser uma sociedade moderna – a vida das classes médias) e aquilo que é a realidade (onde colonizados e excluídos populam), como o mundo virtual é separado do mundo prático. Wieviorka e Collins ficam, cada um, preso no seu lado da sociedade artificialmente desenhada à revelia da experiência social da instabilidade e da luta ideológica: um refere o actual paradigma da violência (estados versus redes terroristas) em contraste como paradigmas anteriores (Guerra Fria), distante da violência quotidiana. Como fazem os políticos. Collins refere-se à violência eficaz e física – como aquela que é condenada nos tribunais. No primeiro caso, o autor francês reifica a violência para discutir a sua posição política e ideológica. No segundo caso o autor norte-americano reduz a violência de modo a ser objectivável do ponto de vista bio-jurídico. As propostas de prevenção da violência apresentadas em aulas anteriores podem servir de guia para a reorganização da teoria social densificada, organizada em níveis de realidade e em comunicação com aspectos biológicos e aspectos ideológicos, mecanismos e contextos em que se exercita a natureza humana desde sempre.
Sumário 8. 05.05.2014 - A crítica de Mouzelis
Reducionismo e reificação, segundo Mouzelis, APD Requiem pelo 25 de Abril APD - VIII Congresso Português de Sociologia Abril 2014 Se a sociedade for um nível de realidade acima do nível bio-psicológico e abaixo do nível ideológico-teológico, a teoria social actual (herdeira do estrutural-funcionalismo, segundo Mouzelis) observa os reflexos da realidade na parte côncava do nível inferior da sociedade (micro análise) e os reflexos da realidade na parte convexa do nível superior da sociedade (macro análise) fazendo abstracção do tempo e do espaço – sobretudo a nível micro, mas também a nível macro, em particular quando limita a sociedade a ser estudada à sociedade moderna. Mouzelis denuncia os defeitos epistemológicos a que dá o nome de reducionismo (sobretudo micro) e reificação (sobretudo macro). Que esvaziam a análise social por ausência de uma definição clara do que seja a sociedade de que se está a falar (manifestamente irrealista) e por isolamento dos mecanismos que a promovem (obscurecidos pelo estigma do biologismo) e dos ambientes em que evoluem (obscurecidos pelos estigmas da ideologia e da religião que fazem da sociedade uma noção alheia à presença da nossa espécie na Terra). A recusa da teoria social de aprofundar a análise de realidades que usa como espelhos é consolidada por um complexo de inferioridade que faz das Ciências Sociais, um patamar de evolução para a integração no campo das ciências, um patamar definitivo de estabilização de uma teoria que não funciona, como diz Mouzelis. É preciso sair desse impasse. É preciso reconhecer os segredos sociais reforçados pela teoria social – como os mundos do crime e das conspirações, mas também a violência, os corpos, as emoções, a transformação, as tecnologias, etc. Encontrar uma teoria sobre acção social mais consistência com as observações sociológicas. Nomeadamente através de uma análise multinível articulada entre si, como se a sociedade fosse uma cebola.
Definição sociológica de violência PP Entra-se com esta aula na terceira parte do programa, a parte dedicada à crítica da teoria social e dos seus aspectos que remetem a violência – que está por todo o lado – para um limbo da não visibilidade, distorcendo todas as discussões sociológicas. Nesta aula apresentou-se o estado da arte da pesquisa do docente sobre a definição sociológica de violência, retirada de Reempsta: violência é a redução ao corpo. O sentido desta definição requer a reorganização de toda a teoria social, de modo a integrar a ideia de expansão das pessoas e das sociedades a partir dos corpos e, em sentido inverso, a repressão dessa expansão (por boas ou más razões) remetendo-a a dimensões mais próximas do corpo. Essa reorganização pode legitimar-se e fundar-se no vazio de debates sobre aquilo que há de fundamental na sociologia: um conceito claro do que seja sociedade, o principal objecto de estudo. Sociedade não deve ser uma modernidade (as sociedades antigas porque não serão sociedades com a mesma legitimidade das sociedades modernas? As sociedades simples não são legitimamente sociedades?). Deve ser reconhecida a natureza social da espécie humana. Sem sociedade não há indivíduos humanos capazes de sobreviver, ao contrário do que acontece com algumas espécies animais. Nesse sentido há que reconhecer e entender a natureza humana (e entre as suas características a necessidade fundamental de sociabilidade). Há que reconhecer o nível biológico constitutivo das pessoas e das sociedades. E questionar a repugnância biologista que ataca nas escolas de sociologia e nos impede de nos relacionarmos com os cientistas e as ciências biológicas. Elas estudam os mecanismos sobre os quais a sociabilidade de organiza, como no caso dos neurónios espelhos. Da mesma maneira mas noutro nível, desta vez superior ao nível social, devemos considerar que as sociedades humanas e a espécie humana vivem em ambientes determinados pela existência da Terra e do nosso sistema solar na nossa galáxia, entidades com que desde sempre a humanidade se relacionou de forma espiritual, ligada geralmente aos desejos que nos podem parecer estranhos e impostos de fora (provavelmente porque são mesmo, nalguma medida). É possível conceber a sociedade não como um conjunto de pilares estruturais, como geralmente a concebemos. Mas como um certo nível de realidade, abaixo da qual e acima da qual, outras realidades e fenómenos fazem parte integrante da realidade total. Cada um de nós, do mesmo modo que tem consciência também tem sociedade. Tem mesmo níveis de consciência e sociedade diferentes conforme a idade, as capacidades, o tempo histórico em que viveu, a condição social cujo papel desempenhou. A morte é a redução final ao corpo. O nascimento é um esforço de redução ao corpo da mãe e da criança. A violência (assim definida) pode ser má e pode ser boa. A moral é uma outra discussão. Que não deve ser descurada. Pelo contrário: pode beneficiar da ruptura com o senso comum que a definição sociológica proposta oferece. A violência estrutural ou paradigma de violência social depende do ciclo social que se esteja a viver. O ciclo solidário e o ciclo emancipatório opõem-se entre si. O primeiro enfatiza o valor da evolução das construções institucionais e o segundo enfatiza a necessidade de subversão de algumas das instituições sociais. Novamente, as ideologias podem ter apriori as suas avaliações do valor de cada um desses ciclos (por exemplo, as tradições revolucionárias modernas tendem a pensar as revoluções – os ciclos emancipatórios radicalizados) como uma coisa boa. Mas nem sempre assim acontece, como temos assistido na Jugoslávia, nos anos 90, ou no Norte de África e Médio Oriente. Mais certo é pensar que a recursividade é uma característica natural, espontânea, na espécie humana e, por isso, a sociabilidade é um dos níveis de realidade possibilitada e imposta por essa natureza. Para compreender a sociedade é preciso ir acompanhando de perto as descobertas das ciências biológicas e também dos saberes normativos (que pensam as nossas relações com o cosmos e os desejos). E desenvolver a teoria social com vista a torná-la uma ciência como as outras, sem a discriminação de ser uma ciência social (espécie de purgatório do conhecimento). Sumário 6. 21.04.2014 - Justiça Transformativa e RBI (Rendimento básico incondicional) As lutas pela prevenção da violência são lutas sociais muito variadas, cujos motores funcionam em grande parte fora das atenções públicas e cujas propostas podem ser inovadoras, como os exemplos que apresentamos brevemente. Escolhemos estes três exemplos por serem também muito diferentes entre si.
Para mostrar a diferença usámos a tipologia de economias apresentada por David Greaber. Em qualquer dos três casos a lógica harmonização é preferida e contraposta à lógica de competição dominante. E a auto-administração contrapõe a administração exterior ao trabalho de prevenção. Justiça Transformativa é uma proposta de activistas norte-americanos concentrados em trabalhos de prevenção do abuso sexual de crianças. Reclamam contra a ineficácia da justiça restaurativa para identificar e transformar as condições sociais que reproduzem a possibilidade de os abusos acontecerem e continuarem (pois restaura em vez de transformar) e contra o sistema criminal legal que tem efeitos perversos, nomeadamente o de impedir a colaboração doa abusadores para a trabalho de entendimento das situações, por os tornar arguidos em processos crime. Propõe a criação de um activismo político a favor da capacitação das comunidades para responsabilizarem e mobilizarem abusadores (bem como vítimas e outras pessoas envolvidas) para o debate e intervenção políticos sobre o assunto, no sentido da prevenção. Rendimento Básico Incondicional é uma proposta de assegurar dignidade a todos e a cada um através de um processo não discriminatório de distribuição de rendimento e de empowerment individual, cujo formato pode ser variado e alterado e cujas consequências podem ser variadas, entre as quais devem recensear-se a diminuição dos problemas sociais em geral, segundo as descobertas de Wilkinson e Pickett (Espírito da Igualdade).
Sumário 5. 24.03.2014 - segredos sociais e desenvolvimento como violência
Algunas reflexiones sobre el Buén Vivir - Alberto Acosta em Lisboa Esta aula marca a passagem da primeira parte do programa – centrada na apresentação das teorias de dois autores sobre o estudo sociológico da violência – e a segunda parte do programa – dedicada a tomar conhecimento da produção cultural de ambições variadas de abolição de algumas formas específicas de violência (exploração/desenvolvimento, violação sexual/dominação, fechamento/estigmatização) a apresentar sucessivamente nas aulas. Foi apresentada a noção de segredo social. Designação avançada pelo professor para se referir ao fenómeno de produção de ignorância (propositada ou involuntária) de informação e conhecimento que, de facto, não pode deixar de estar presente ao nível dos sentidos. Foi proposta a sua utilização dos alunos, durante as próximas semanas, para reobservarem os casos de violência descritos anteriormente por cada um. Existe uma lista de segredos sociais no site da cadeira, avançada pelos alunos do ano anterior, e que pode ajudar a compreender do que se trata. Segredos sociais são maneiras de ignorar presenças incómodas na vida das pessoas e das sociedades que, pelo menos temporariamente, eventualmente para sempre. Por exemplo, a presença do pedinte na rua provoca esse segredo social: algo que todos não podemos deixar de saber que está lá, mas que é como se não estivesse, para a esmagadora maioria das pessoas. E para aqueles que decidem não ignorar, fazem-no apenas de modo extraordinário, como “ajuda”, “solidariedade”, “tolerância”, “caridade”, durante algum tempo, para depois voltarem a um mundo que ignora e estigmatiza o pedinte (que pode ser também o caso dos criminoso, drogado, imigrante, doente, louco). A violência é sujeita a estes fenómenos. Por exemplo, quando se cria um túnel de focagem da consciência e da acção perante o adversário, num confronto violento, deixamos de ter em conta o que se passa à volta. Mesmo quando somos agredidos de fora do túnel podemos não sentir o impacto. Quando os media descrevem violência, até por razões de pudor, evitam descrever a violência em si, directamente. Na verdade conta uma história frequentemente truncada de aspectos relevantes. Aliás como pode ter acontecido com as descrições dos estudantes deste curso. Quando adoptamos uma teoria científica ou uma ideologia para dar sentido a uma certa situação que estamos a analisar, temos obrigatoriamente de ignorar muito daquilo que sentimos para melhor nos focarmos no nosso trabalho. O que fica fora do túnel ou fora dos interesses previamente definidos teórica ou ideologicamente constituem um segredo social: mesmo que sintamos e vejamos o que se passa, desvalorizamos, ao ponto de podermos perder qualquer memória de que tal coisa tenha ocorrido na nossa presença. Esta noção serve também para explicar como sabemos e ignoramos – ao mesmo tempo – as práticas coloniais que fabricaram a modernidade e, sobretudo, as que a continuam a fabricar. Esse é o tema da segunda parte da lição de hoje. Os povos originais dos Andes do Equador e da Bolívia resistiram 400 anos aos genocídios praticados em toda a América pelos conquistadores. Quando os EUA se tornaram potência mundial, por a II Grande Guerra ter destruído as potenciais coloniais europeias, propuseram a ideia estratégica de desenvolvimento como padrão de igual respeitabilidade de todos os povos e territórios (desenhados como Estados-nação) do planeta, apenas diferenciados pelos níveis de desenvolvimento: à frente os EUA e atrás, conforme os indicadores económicos, os países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento ou já desenvolvidos, segundo um padrão único, representado pelas instituições dos EUA. Do ponto de vista dos povos originais dos Andes, que durante séculos protegeram a floresta amazónica da exploração ocidental (porque entre a floresta e a humanidade não imaginavam nenhuma descontinuidade – defenderam a floresta como a sua defenderam a sua tribo ou família), a ideia de desenvolvimento foi sempre, Há séculos, uma ameaça de destruição do seu meio ambiente e das suas vidas. O desenvolvimento era e é a imposição violenta e quotidiana, policial e militar, de restrições no acesso a bens de consumo essenciais, e também aos direitos de cidadania ou de acção política. Para estes povos a abolição da violência é não apenas uma esperança e uma cultura (Sumak Kawsay) mas é também uma utopia que lhes tem proporcionado energia para viver. Para eles é evidente que viver bem não é mais desenvolvimento, mas o fim das políticas de desenvolvimento. Como para nós, ocidentais, herdeiros do espírito colonizador e explorador da natureza e das pessoas, a harmonização com a natureza se revela uma necessidade. Para alguns autores, como Boaventura Sousa Santos, a biodiversidade deve incluir a diversidade epistémica (e não o epistemicídio). Para Acosta, a capacidade dos povos andinos originais para imporem nas constituições equatorianas e bolivianas o princípio do Sumak Kawsay (bem viver), apesar de ser apenas uma orientação pouco trabalhada do ponto de vista simbólico, cultural e jurídico, representa uma inspiração e uma esperança para a cultura global perante os riscos evidentes e as limitações patentes da civilização ocidental. Sumário 4. 10.03.2014 - Aplicação das teorias
A descrição de algumas situações de violência mostra alguns dos limites das teorias apresentadas nas aulas anteriores: expressamente os autores não trataram da violência do Estado (embora este em condições de modernidade seja o detentor do monopólio da violência legítima); outra limitação que não referida é não tratarem dos efeitos da produção e difusão de informação sobre a violência, tanto por via do funcionamento da comunicação social como por via das orientações estratégicas das diferentes culturas perante as civilizações (sobretudo ocidentais, muçulmanas e russas, na Europa). A interpretação da violência, em especial a determinação de quem seja agressor e de quem seja vítima, é intensamente ideológica, pois depende dos momentos e dos espaços escolhidos para representar a violência e esconder aquilo que se pretende que não é violência (por exemplo, através de valorizar mais ou menos a violência física e/ou a violência simbólica). O exercício sociológico dificilmente poderá ser neutral do ponto de vista ideológico. E para ser objectivo terá de ser crítico relativamente a cada uma destas dificuldades indicadas, ponderando sempre os limites da sua capacidade de lidar com todas elas ao mesmo tempo e de forma satisfatória.
Uma síntese breve do livro de Wieviorka poderia ser: a) cada época histórica, com as suas instituições sociais e com os seus desafios históricos, configura um quadro axiológico sobre o qual se inscreve um paradigma de violência, por exemplo, mais conflitual ou mais anti-social, mais coordenada ou mais desregrada; b) as teorias sociais são demasiado especializadas e pouco abrangentes para darem conta do fenómeno; c) é preciso ir buscar fora da teoria social – à teoria do sujeito histórico de Touraine, no caso – a capacidade de interpretação e tipificação da violência. Collins, Randall (2008) Violence: A Micro-sociological Theory, Princeton, Princeton University Press. O livro de Randall Collins pressupõe um quadro mental distinto. Trata-se não estudar entidades sociais históricas a que possamos chamar sujeitos, mas pessoas em acção. É no aprofundamento da aplicação da teoria social especializada (no caso, a micro sociologia das interacções) que será possível estabelecer teoremas explicativos da violência sobre os quais a crítica científica possa actuar. A crítica poderá propor novas teorias sociais capazes de explicar não só aquilo que a primeira teoria explica mas mais alguma coisa, de modo a justificar a sua superioridade científica. Desde logo o autor compromete-se a juntar a esta teoria micro-sociológica da violência uma teoria macro sociológica, no futuro. Para já, define violência como um acto de provocar mal físico entre pessoas, excluindo qualquer referência à violência simbólica ou outras acções de ameaça, provocação, invectiva, etc. Rompe com a polissemia da noção de violência de senso comum e estabelece um objecto sociológico inequívoco. Nessa acepção, a violência observada, em particular, nos documentos policiais filmados pelas câmaras de vigilância urbana, revela a extrema dificuldade das pessoas em se envolverem nela. É fácil discutirem entre si. É difícil realizarem actos violentos, que efectivamente se verifica serem extremamente raros de ocorrer nas interacções humanas. Para o autor, a concretização de um acto de violência implica, para o seu autor, ser capaz de ultrapassar a barreira criada pela tensão/medo que a previsibilidade de se estar numa situação violenta provoca nos seres humanos. E na maior parte dos casos em que há condições para ultrapassar essa barreira, quando o autor acumula “energia emocional” suficiente para o fazer, os actos de violência são incompetentes. Isto é, mesmo para pessoas treinadas em actos de violência (como polícias ou militares) quando chega a hora de ser violento, o “esforço” para ultrapassar a tensão/medo “cansa” a pessoa e perturba o seu desempenho. Em situações de guerra ou de holliganismo, por exemplo, a maioria dos participantes evita e consegue evitar envolver-se directamente na violência, mesmo quando apoia a acção violenta de terceiros. O livro de Collins trata de dois assuntos (Como se luta – 1ª e 2ª partes; porque é que se luta – 3ª parte). O primeiro divido em a apresentação dos segredos sujos da violência (a violência vernácula) e na apresentação da violência encenada (a violência distinta, de classes organizadas). Os segredos são, por exemplo, a incompetência no exercício da violência por parte dos militares destacados e treinados para tal. Os generais podem impor a presença no terreno de soldados. Mas dificilmente os podem fazer combater: quase todos evitam fazê-lo, o melhor que podem. Quando não o podem evitar desperdiçam muita munição e oportunidade de matar (chegam mesmo a colaborar com o inimigo, para o salvar) e são, portanto, incompetentes em cumprir a sua profissão. Os heróis e as acções decisivas em batalha são frequentemente resultado de pânico que assalta os militares (com medo do que lhes possa acontecer num ambiente belicista em que se encontram) que os faz saírem das suas posições e enfrentar o inimigo, como modo de ultrapassar a tensão da situação, levando à frente o que encontram, a menos que fiquem sem vida. Outro modo de “fazer” segredo é atacar os mais fracos, seja em casos de violência doméstica, sejam em casos de bullying ou sequestros, por exemplo. O facto de a violência requerer a ultrapassagem da tensão/medo inerente faz com que em situações em que esse “muro” seja mais frágil a violência possa ocorrer mais facilmente (contra crianças e mulheres indefesas, contra colegas fragilizados ou frágeis, contra pessoas das relações de pessoas poderosas através das quais os raptores podem chamar a atenção da pessoa com quem querem tratar, etc.). É uma vertente do processo de culpabilização das vítimas: pensa-se, com razão, que a qualquer pessoa minimamente forte não aconteceria ser alvo de violência. Há formas culturalmente elaboradas de produzir violência, como a organização de lutas “justas”, por exemplo, em duelos, ou formas de entretenimento com violências encenadas – lutas gangs ou entre holligans – ou ainda desportos. A estruturação da violência reserva lugares próprios para hierarquizar as pessoas que fazem parte de um grupo (em relação às pessoas exteriores e relativamente aos outros membros do grupo), numa perspectiva de distinção social, como o caso dos juristas alemães do princípio do século XX que se cortavam mutuamente nas faces, em duelos, antes do fim das respectivas licenciaturas. Porque é que se luta? Luta-se não porque as pessoas sejam violentas mas porque as situações são violentas. Quem seja envolvido em situações violentas, quando não consegue escapar, acaba por ter de enfrentar a situação e eventualmente exercer violência, para auto-defesa ou para satisfazer a pressão alheia de um grupo de pares ou por ordens superiores. Os violentos são poucos, pois é preciso acumular energia emocional para ser capaz de romper a barreira da tensão/medo. Os primeiros a romper essa barreira têm vantagem na luta e podem, apenas desse modo, acabar com ela, por incapacidade de reacção do oponente ou vítima. As lutas são geralmente muito breves e o sofrer violência baixa a energia emocional, tornando ainda mais difícil ultrapassar a barreira tensão/medo. Num quadro de luta urbana, por exemplo, é claro como são muito mais os que apoiam moralmente os violentos, impondo-lhes que o sejam, do que o número de pessoas que se envolve directamente em actos violentos. Outro factor para limitar a violência a poucos protagonistas é o espaço de atenção emocional limitado. As pessoas não podem dar atenção a todos os pormenores da vida. Seleccionam os que são significados e ignoram (fazem segredo) dos restantes. Em caso de violência, o fenómeno “túnel” torna ainda mais limitada a abrangência da nossa atenção. Todos se focam num espaço particular e ignoram outras incidências da vida. Quem esteja nesse espaço acaba por sofrer o apoio emocional suficiente para ser obrigado, face ao auditório, a assumir as despesas do protagonismo violento, do lado do agressor ou da vítima. A violência, diz Collins, ganha-se perturbando os ritmos vitais do inimigo, obrigando-o ao incómodo de mudar de comportamentos de forma forçada, indesejada, menorizando a sua auto-estima, superiorizando a energia emocional do vencedor perante o derrotado. O que acontece mesmo quando a desproporção de forças (materiais e/ou humanas) é grande. Wieviorka, Michel (2005) La Violence, Paris, Hachette Littératures O livro tem três partes. Na primeira é apresentada a nova situação da civilização ocidental no último quartel do século XX por comparação com o quartel imediatamente anterior, no sentido de mostrar os principais elementos de uma nova configuração paradigmática, teórico-pragmática. Quer dizer, os novos sentidos da violência política no quadro histórico e social actual. Na segunda parte são revistas algumas das explicações tradicionais sobre o que seja a violência, apresentados exemplos e analisadas as suas fraquezas. A terceira parte serve para apresentar uma tipologia das violências observadas na literatura recenseada, a partir da perspectiva previamente construída em torno do conceito de sujeito social na história. Isto é, em torno dos actores sociais cujo sentido histórico da acção é compreendido como relevante e aprovado pelo sociólogo para construir o futuro. Por isso essa tipologia é do sujeito mas também do anti-sujeito, protagonizado por agentes sociais cujo sentido da acção ou é ou não é compreendido ou é ou não desaprovado pelo sociólogo. A agência modernizadora parece-lhe preferível e a agência contra-modernizadora condenável. Os terroristas islâmicos são o protótipo deste tipo de agenciamento negativo. Os protagonistas dos motins são exemplos menores desse tipo de agenciamento. Sobre a violência de Estado, o livro não fala. A leitura da violência por Wieviorka aparece como despreocupada com a violência do Estado e do mercado contra a sociedade e interessada sociologicamente (desta vez) com a violência despolitizada a que, depois de lhe negar qualquer utilidade política, reforça a despolitização para melhor a desqualificar moralmente. A primeira parte tem quatro capítulos, sendo o primeiro para distinguir conflito (melhor) de violência (pior). O segundo capítulo é sobre a violência e o Estado. Mas, como vimos acima, o autor diz que a violência do Estado não é tratada no livro. A democracia também não é assunto tocado. Para que servirá o segundo capítulo, então? É sobretudo assinalada a violência extra-estatal, dividida em infra-estatal (causada pela privatização da economia) e meta-estatal (causada pela maior influência das ideologias, em particular religiosas), O terceiro capítulo chama a atenção para a nova importância das vítimas associadas globalmente em defesa de causas específicas, o que é um processo com virtualidades mobilizadores e moralizadoras (o que distingue o estado penal do estado providência) mas também com perigos e riscos, nomeadamente os decorrentes da incapacidade do estado de fazer face ao crime, a transferência para os media de funções judiciais, a produção de pânicos morais (op.cit.:97-98). As violências de guerra, contra as mulheres, as crianças e idosos, por exemplo, “c´est la negation du sujet” (op.cit.:101). Por fim, no quarto capítulo, fala-se dos meios de comunicação de massa e o uso e manipulação que fazem da violência, bem como o modo como são usados pelo terrorismo, por exemplo, para os seus próprios efeitos. Há uma proximidade grande entre os temas abordados nesta primeira parte e os temas jurídicos chamados para lidar com a violência nos tribunais criminais. A começar por reduzir a violência a casos circunstanciais cujo sentido é separado do acto e dos quadros políticos gerais (democracia e obrigação de combate à exclusão social, por exemplo) e a acabar por um julgamento de quem se coloca acima das circunstâncias. Na segunda parte, apresenta os casos separados em três capítulos referidos a interpretações sobretudo psico-políticas (crise e frustrações - massas) económicas (violência instrumental – sindicatos contra free riders) e sociais (cultura e personalidade – falta de civilização). E conclui esta segunda parte com um estudo sobre os limites destas interpretações, à luz da teoria do sujeito. No capítulo oitavo, o autor reconhece que “l´apport principal de la sociologie classique à l´étude de la violence se trouve du côté des raisonnements qui s´intéressent au protagoniste de l´action violente (…)” (op.cit.:203). A principal distinção clássica é a que distingue a violência instrumental da violência expressiva (exprime directamente os estados de espírito e as emoções, sem mediações, sem separação de meios e fins, um fim em si mesmo). No extremo, a uma violência normalizada, fria, por um lado, contrapõe-se uma outra naturalizada (eventualmente patologizada), quente, por outro lado. Típicas de camadas populares distintas. Não trata nem serve para certas formas de violência, como sem sentido possível, como a crueldade dos genocídios ou a violência gratuita dos nazis, que são na verdade o que há de fundamental a explicar sobre o que possa ser a violência. Na terceira parte explica ao que vem: mostrar que a violência, ou melhor os agentes sociais promotores da violência, serão melhor explicados ou pelo menos compreendidos se forem pensados como sujeitos, isto é, entidades a montante da sociedade – visto que esta última não comportaria uma dimensão volutiva – cujo sentido da acção pode ser tipificado, segundo o método ensinado por Max Weber. A perda de sentido ocorre quando o conflito, o reconhecimento dos adversários e a institucionalização da relação conflitual, se torna impossível. Só há lugar a inimigos. Falha a capacidade do sujeito de fazer sociedade. A hipótese do non-sens é protagonizada pela tese da banalidade do mal e experiência de Milgram, que registam e aceitam como natural a cultura de obediência e passividade dos actores violentos, por exemplo, enquadrados burocraticamente (op.cit.:240). A violência, porém, constitui uma ruptura para quem a exerce. Isto é, não é possível passar à violência sem se dar conta desse salto qualitativo da prática (op.cit.:242). A crueldade é o capítulo mais importante desta última parte. A crueldade é associada ao prazer, às circunstâncias, à loucura, isto é, à impossibilidade de análise (op.cit.:255) (noutras palavras eventualmente preferíveis, ao vício, ao estado de espírito, à perversidade). pulsion archaïques; barbares ; comme des non-humains; les ´coisifie´, ou les animalize; La négation de la subjectivité de l´autre. Remorso, culpabilidade, medo, cultura do ódio são susceptíveis de manipulação institucional, na tropa, na prisão, no trabalho, através dos media, da arte, da ciência. A montante há dois tipos de explicação da violência e da crueldade: um centra-se nas características das pessoas e outro tipo centra-se nas construções sociais que as favorecem. O último capítulo apresenta uma tipologia de violências “ La violence, de [nôtre] point de vue, est l´échec, l´impuissance ou la perversion du suject (…)” (op.cit.:299) Tipologia de sujeitos perante a violência
Violência: fenómeno ou conceito? A violência é um objecto de estudo novo, como subdisciplina da sociologia. Será um campo social? Será um outro olhar sobre o social? Como e porquê a tematização da violência emergiu só recentemente como um tópico relevante? Poderemos olhar a violência à luz das teorias sociais actualmente disponíveis? Ou devem os sociólogos usar os estudos da violência para actualizar a teoria social relativamente ao mundo em transformação que vivemos? Cada estudante deve preparar (máximo de cinco páginas) uma descrição de um episódio de violência. Deve ser uma descrição tão neutra quanto possível. Porém, deve ter uma apresentação, por exemplo, sobre como o estudante tropeçou na história, porque lhe chamou a atenção e porque a escolheu (pode ser uma experiência pessoal, uma história que circula, o resultado de leituras ou visionamentos na TV ou no teatro). À descrição pode seguir-se um comentário pessoal sobre como e porquê o episódio descrito representa uma oportunidade para discutir a violência. Este trabalho deve ser entregue em 15 dias. Nas praxes académicas gerou-se uma controvérsia sobre o que é ou não violência. Para os defensores da praxe, esta não é violenta. Para os detratores a praxe é violência. A população, em geral, dirá que é um hábito juvenil. Pelo menos antes da morte dos seis jovens na praia do Meco em estágio de praxe. O secretismo sobre as praxes foi rompido. Houve espaço para vítimas que já tinham tentado falar em público se voltarem a expressar, desta vez com maior atenção da audiência. As famílias das vítimas reclamam que se apure a verdade sobre a preparação do ritual e sobre a preparação dos hierarcas da praxe para responderem publicamente às perguntas dos jornalistas e do público. Queixas sobre a negligência dos serviços de investigação criminal ouvem-se desde o princípio, com violação grosseira da cena do eventual crime. De momento, não está claro qual vá ser o resultado para a consciência pública sobre o que são as praxes. Certo é que mais pessoas tomarão consciência de se estar perante violência institucionalizada. Este exemplo mostra como violência é acção e é a maneira como a acção em percebida. As acções sociais habituais estão sempre a mudar. Bem como o olhar social muda sobre as acções em processo de transformação. Para pessoas diferentes a mesma acção pode ser considerada violenta e não violenta. Para a mesma pessoa, em tempos diferentes da vida, a mesma acção pode também ser classificada como violência ou não violência. Pode mesmo depender do interlocutor ou do contexto de argumentação. Por vezes a violência parece uma brincadeira. Quando as pessoas voltam a olhar para os factos, podem mudar de ideias. As vítimas são, espontaneamente, suspeitas de ser causa da violência. E o poder é muitas vezes aceite como uma oportunidade de abuso, em nome da boa vida pessoal. A ideia sobre a legitimidade da violência é também condicionada pelos fazedores de opinião e pelo ambiente social geral. O género posiciona-se de maneira muito diferente perante a violência. Os homens que a enfrentam e são potencialmente violentos representam poder; o poder das mulheres não é assim representado. As vítimas são sobretudo mulheres, pessoas pobres, imigrantes. Há uma distinção social a respeito da violência aceitável para cada um dos grupos sociais. Tradicionalmente as mulheres não disputam o poder e subordinam-se ao poder dos homens. A lógica patriarcal está a perder peso social, mas ainda é dominante, mesmo na Europa. Como se pode ver pelos registos das desigualdades sociais. A violência estrutural é desenvolvida sob o manto do segredo social e com a cumplicidade dos sistemas de poder, evitando responsabilizações, o que é feito através do sistema de justiça criminal. Este ajuda a reforçar a dominação e a estigmatização das vítimas. Nos nossos dias, há sociedades que condenam mulheres quando são abusadas sexualmente, acusando as vítimas pela violência. As sociedades ocidentais estão a mudar a sua herança, similar. Nesse sentido, a violação e a desigualdade de género tornaram-se condenáveis, pelas sociedades como pelos Estados. Mesmo assim, as violações e os abusos sexuais são assuntos privados, a maioria dos casos. O número de pessoas que experimenta situações de violência sexual é enorme, em todas as classes sociais, quase sempre vividas com fortes sentimentos de empatia entre os abusadores e as vítimas, assim como laços económicos e sociais. Por exemplo, familiares. Não há nenhuma política pública para enfrentar a epidemia da violência de género, no sentido de um recurso fundacional de uma civilização com respeito pelos direitos humanos. Cada caso, caso a caso, terá de ser levado a tribunal, esperar pela decisão judicial e misturar-se com práticas oportunistas e vingativas de quem usa as leis para sacar dinheiro dos ex-cônjuges ou para meter na prisão ex-amantes. Para compreender a violência, o professor pediu a cada estudante que tomasse um dos lados da relação violenta que vier a descrever. Faz diferença colocar-se do lado do abusador ou da vítima, das testemunhas ou de um agente da autoridade, assumir algum tipo de activismo ou não, para definir melhor o seu próprio ponto de vista. Para ajudar a clarificar o debate, para ajudar o leitor e a discussão científica, mesmo que todos nós sejamos capazes de ir mudando de posição ao longo de uma discussão ou de uma descrição, devemos fixar-nos numa única posição e procurar defende-la. Cada estudante é convidado a assumir apenas uma das partes da violência para apresentar o seu caso, de modo a favorecer a produtividade da discussão. Devemos considerar, também, a multidão e o ambiente social mais geral como actor em episódios de violência, por razões históricas e rituais. Quando as pessoas vivem a espectativa de uma mudança social em curso ou eminente, como é o caso actualmente, ou quando as pessoas se habituam a práticas violentas, como em situações de guerra ou no desporto, a violência tornar-se diferente, bem assim como os olhares sobre a violência. Com consequências na apreciação que se faça sobre se a violência é perigosa ou não, se deve ser evitada ou de nos devemos envolver nela. A violência é uma palavra polissémica. Para a tornar científica precisamos de meios metodológicos para a fixar num sentido singular. Problema ainda não resolvido pelas ciências sociais. 2013
Apresentaram-se casos concretos de estudos sobre violência variados, como o PCC de S.Paulo, que organiza presos e populares desde há várias décadas envolvendo 90% da prisões do Estado e acções de grande envergadura, dentro e fora das prisões; violência de género no trabalho e em casa; a reacção judicial a violência de género; a violência nos grupos etários mais novos, como o bullying e os maus tratos, violência contra as pessoas com menor mobilidades, como idosos e deficientes mais profundos. Intervêm na definição daquilo que pode ser considerado violência a Organização Mundial da Saúde e as leis e o Direito - o que é assédio ou bullying ou violação? É preciso, pois, estabelecer relações de intercâmbio cognitivo entre a sociologia e essas outras duas áreas de saber com experiências particulares com a violência e os casos de violência. Os actores típicos nos casos de violência são os agressores, as vítimas e os observadores, em que cada pessoa pode cumprir um ou todos esses papéis sucessivamente ou ao mesmo tempo. Os estudos procuram criar instrumentos capazes de avaliarem o risco de violência, utilizando tipologias de violência e perfis sociais onde as diferentes tipologias ocorram mais. Surgem noções inovadoras na literatura, como "desânimo aprendido" para descrever a culpa incorporada pelas vítimas, "open secrets" para referir os casos de violência social ou institucionalmente abafada. Com a violência emergem sobretudo como concretização de fenómenos de afirmação do poder (patriarcal, grupos organizados de marginais, superior hierárquicos ou clientes nas relações laborais, entre pares de crianças e jovens). Fenómenos de poder cuja descrição e compreensão pode estar enviesada pelos estigmas correntes, na verdade modos de reforço das desigualdades de poder socialmente prevalecentes, a que as investigações podem não resistir. Como diz Collins, há uma tendência de orientar as acções violentas para os grupos sociais mais vulneráveis a ela. Essa orientação é ao mesmo tempo para a acção directa e para a violência simbólica, incluindo o seu reforço ao nível do trabalho científico.
5 lições do curso 1. Violência não é conflito. Embora um conflito implique maior tensão e, por essa via, mais oportunidades de violência, a maioria dos conflitos ocorre e justifica-se para acabar com violências quotidianas, entretanto sentidas como insuportáveis. 2. A violência é ubiqua na existência, inorgânica e orgânica. Os átomos são feitos da confluência de elementos ligados entre si, que por sua vez se ligam através das características assim adequiridas a outros átomos e por aí adiante até aos corpos celestes mais grandiosos, em espasmos de concentração e expansão simultâneas. Também na vida em geral e na vida dos animais em particular a violência é uma certeza omnipresente - quanto mais não seja para fins de alimentação e reprodução. 2a. A vida, por razões de evolução, evita a violência e procura a harmonização, cf. Collins, mas não escapa nem à violência nem à entropia. 3. Os seres humanos são particularmente volúveis à violência devido à sua especial capacidade de adaptação - mimetismo, transformismo por via espiritual, complexidade e indispensabilidade dos regimes sociais. 4. A violência é ubiqua. A tensão social aumenta a probabilidade da sua emergência sob forma de acções violentas, de uma forma transversal relativamente à sexualidade - abusos sexuais - de forma discriminada em situações de desigualdade de acesso a recursos sociais, exercícios autoritários do poder, estados de guerra. 4a. O acréscimo de violência é correlativo às desigualdades sociais (económicas e de poder em geral). O que não quer dizer que a violência seja causada pelos mais necessitados. Ao invés, a maior violência é causada pelos mais poderosos. Porque têm mais responsabilidade sociais auto-atribuídas e socialmente reconhecidas e porque têm mais poder para exercer a violência. 5. Muitos dos estudos sociais não estudam e não consideram sequer teoricamente a existência de abusadores ou corpos sociais ou do Estado encarregues de organizar a violência (militares, polícias, provocadores), cf. Giddens chamou a atenção nos anos 80, sem sucesso.
Apresentações orais sobre idosos, rebelião em cadeias brasileiras e violência em bairros problemáticos levantaram algumas questões discutidas com a turma. Das quais se destacam três: a) Porque é que os abusadores de pessoas idosas não foram trazidos à liça? Mesmo que se revelasse impraticável obter a colaboração de abusadores para as entrevistas ou focus group utilizados, a existência de vítimas requer a sua contra parte, os abusadores, sem os quais há um desequilíbrio nas fontes de informação. Não basta considerar as vítimas e pessoas que não sejam vítimas. É preciso saber como e onde encaixar os abusadores nas reflexões sociológicas. b) A polissemia da expressão violência reclama muita atenção do investigador para fixar um tipo de entendimento seu sobre de que está a falar e o que está a pesquisar. Será algo mais físico? Mais sexual? Mais psicológico? Mais sobrenatural? Mais subjectivo? Mais moral, como a falta de respeito? Quem determina o que seja violência? Os próprios inquiridos? Não serão eles (bem como a interpretação de do que eles dizem) influenciados pelos preconceitos não explicitados do sociólogo? c) O par abusador-vítima mantém entre si relações sociais intensas. As instituições alegam frequentemente serem protectoras das vítimas (como as instituições criminais alegam ser protectoras dos abusadores) de uma forma tal que o poder que se acumula nessas instituições se torna frequentemente perigoso tanto para as vítimas (muitas vezes vitimizadas sucessivamente pelo seu abusador e pelas instituições que alegam querer protege-las) como para os abusadores. O conhecimento desse facto explica porque, nos inquéritos e nos focus group, as vítimas possam desvalorizar o impacto dos abusos de que são vítimas, temendo entrar em processos institucionais kafkianos e punições que não pretendem impor aos abusadores (por exemplo, quando uma mãe explica que o seu filho está doente para fazer aquilo que faz com ela). A sociologia da violência surge como subdisciplina na sequência da especialização da sociologia do conflito. A constatação, dos anos sessenta, do facto de haver uma tendência da teoria social para a análise sincrónica tem inspirado vários autores a procurar formas de atender à necessidade de ter em conta dinâmicas sociais necessariamente conflituais, isto é, sem ser possível antecipar os desfechos nem as posições de cada agente social, independentemente das práticas de planeamento racional e do conhecimento que se possa ter das competências de cada actor social. Uma dessas tradições segue de Alain Touraine e a sua sociologia da produção social e dos movimentos sociais, continuada por Michel Wiewiorka. Outra é conduzida por Randall Collins que passa da proposta da teoria do conflito, em contraste com o estudo das regularidades tradicionalmente mais usada, e desenvolve-a no estudo micro das disposições humanas para encetar a violência. Como quem procura na natureza humana a força motora dos conflitos. Outra contribuição para estes estudos surge com a necessidade de fazer acompanhar a globalização com uma teoria social capaz de considerar de uma vez toda a humanidade, em vez de tratar país por país, cidadãos nacionais isolados dos outros cidadãos nacionais, sob a forma de sociologias nacionais, tantas vezes auto-referenciadas. É o surgimento da sociologia dos direitos humanos e a tematização do desrespeito proposta por Honneth, da ética nas relações internacionais. Palestra de autor José Preto sobre o lugar do direito e das perspectivas jus-filosóficas na organização social, em particular pelo controlo da liberdade de uso da palavra. De forma sucinta, o autor referiu-se à influência não assumida de Hauriou no pensamento jurídico actual em Portugal, expresso nomeadamente em citações, por tribunais superiores, de autores associados a regimes fascistas e autoritários que germinaram na Europa entre guerras mas sobretudo pelas práticas reificantes das instituições imaginadas como essências de origem metafísica encarnadas nas figuras autoritárias de funcionários arbitrados em cada momento pela avaliação dos juristas que usam estas concepções para resistirem ao direito liberal no que toca à diluição dos privilégios pessoais, típicos do Antigo Regime. Na segunda parte da aula foi retomado o tema da sociologia da violência, em particular utilizando o recente artigo de Randall Collins publicado na revista Sociologia Problemas e Práticas. Violência nas prisões: resquício ou característica social? A estanquicidade da violência nas sociedades modernas é, neste artigo, ao mesmo tempo posta em causa - na medida em que há "princípios gerais" das práticas violentas que são naturezas sociais próprias da condição humana - e reforçada - quando se remete a violência para o nível micro social e para os interstícios das instituições, quais espaços de liberdade onde resquícios "tribalistas" e "ritualistas" poderiam ocorrer, delimitados pela "gaiola de ferro" registada por Max Weber. As restrições administrativas e burocráticas às liberdades seriam, se bem se entende o sentido do texto, formas de controlo das tendências não modernas das pessoas. O que permitiria aos sociólogos desenharem uma estratégia de intervenção anti-violência a aplicar dentro desses espaços micro-sociais confinados pelas estruturas administrativas. Sumário 6. 15.04.2013 12 alunos Apresentação e discussão do texto "Violência e Subjectividade revolucionária" de Christopher Finlay por Gilson Lázaro. Falou-se da prevalência da violência em certas épocas históricas, certas sociedades, certas camadas da população. Falou-se das justificações da violência e da sua necessidade para certos actores sociais, seja para defesa da identidade seja para alcançar certas finalidades. Falou-se da emergência do totalitarismo na Europa durante o século XX, do valor das greves operárias, da noção de proletariado em Marx e da esperança a ela associada. Falou-se da violência subjectiva referida por Zizec nos países do Leste da Europa. Da diferença e coexistência da violência social e da violência institucional. Falou-se da sociologia do conflito como especialidade que manifesta e contesta a relativa ausência do conflito nas teorias sociais dominantes, isto é, os temas sociológicos tratados nas escolas de sociologia, independentemente de haver especialistas que desenvolvem perspectivas de exploração do estudo dos conflitos. De como a sociologia dos conflitos é um dos ancestrais da sociologia da violência através da obra de Randal Collins. Sumário 5. 08.04.2013 12 alunos Repressão política no Estado Novo Guya Accornero, colega de ciência política, foi convidada a apresentar algumas perspectivas sobre o seu trabalho. O que fez durante uma hora, a que se seguiu um debate. E deixou-nos uma pequena bibliografia. A legitimidade da violência institucional classicamente reconhecida nas ciências sociais é, afinal, um jogo arriscado. O seu uso tanto pode obter o resultado esperado de conter a vontade de contestação – como tantas vezes conseguiu – como pode espoletar precisamente o inverso, isto é, a difusão do espírito contestatário a sectores sociais até aí separados do activismo social e político. Noutra perspectiva, os regimes democráticos também usam a repressão como forma de acção política e de controlo dos adversários políticos. Todavia admite-se haver qualidades distintas na repressão autoritária e na repressão democrática, apesar de alguns dos instrumentos repressivos serem precisamente os mesmos (como a polícia secreta, o corpo de intervenção da polícia, as prisões). Essa distinção decorre da necessidade de reconhecer as diferentes circunstâncias de luta política e social no tempo dos regimes fascistas no sul da Europa e as circunstâncias actuais. Embora, na verdade, ainda que actualmente não seja possível falar da existência de presos político e de tortura sistemática contra os presos, o número de reclusos é significativa e evidentemente maior hoje em dia que no tempo do fascismo (por exemplo, compara 3 400 em 1972 a 12 700 em 2011, cf. Pordata).[1] A violência institucional gera, portanto, a submissão dos activistas, pressionando-os para que se deixem assimilar, eventualmente oferecendo-lhes formas de integração social, de um lado, e estigmatização criminal, de outro lado – como também acontece com as populações proletarizadas e excluídas. Em contrapartida, os “movimentos sociais”, isto é, as dissidências e oposições ao regime político vigente, alimentam a marginalização dos activistas e até de populações face ao regime de torniquete violência-legítima através de práticas culturais identitárias, modos de justiça e de difusão de valores distintos dos oficiais e estatais, promovendo culturas de exclusão, etc. A ponderação entre os valores da segurança (do Estado) e da liberdade (dos cidadãos) depende das intuições (ou será melhor dizer emoções?) dos que tenham capacidade de decisão na linha de comando e dos resultados práticos – de submissão ou marginalização dissidente – e do perfil do regime político em nome do qual se tomam essas decisões (num regime democrático, a defesa das liberdades é uma preocupação declarativa, por pouco que isso corresponda a actos concretos; num regime autoritário o exercício da violência institucional arbitrária confunde-se com a autoridade). Os tribunais penais são a sede de avaliação da legitimidade da acção dos sistemas repressivos, seja quando apreciam os casos de activistas arguidos, seja quando apreciam casos de agentes de autoridade acusados de maus-tratos ou más condutas. Das suas apreciações e decisões operam-se formas de dissuasão, a que os juristas chamam prevenção geral. Trata-se de efeitos de difusão dos valores inscritos em cada decisão judicial cuja autoridade pode condicionar as acções sociais de muitas outras pessoas, literalmente um país inteiro. Embora se desconheça o modo de operação dessa função dos tribunais através da sociedade que não assistiu ao julgamento dos casos, que talvez possamos chamar mimetismo. Actualmente há autores, como o Derrida ou o Zizek, a falar de democracia e legalidade suspensas ou diferidas, isto é, alegadamente a esperar melhor oportunidade, um dia que termine a crise financeira e económica, numa óptica muito próxima da dos critical legal studies, em que por exemplo o Boaventura de Sousa Santos teve grande importância, e do de-costrucionismo (o direito e a sua aplicação seriam sempre o resultado de uma relação de forças e, quase sempre, espelho das classes mais fortes, como escreveu Nietzshe. Toda esta reflexão está directamente ligada ao famoso ensaio "Para Uma Crítica da Violência", Zur Kritik der Gewalt de Walter Benjamin, aparecido em Angelus Novus, escrito durante a fuga dele da Alemanha nazi em direcção de Portugal, com a Hannah Arendt. Fuga que acabou com o suicídio dele. Em alemão, a mesma palavra gewalt significa tanto violência quanto autoridade, direito e poder constituído. Ensaio que vale a pena ler). Entretanto emerge a dificuldade de como tomar tipologias clássicas que servem a história da segunda guerra mundial, da derrota do totalitarismo pela democracia, para compreender a situação actual, cuja história está por fazer e é nitidamente indeterminada. Como pensar a suspensão da democracia por democracias suspensas? E como conceber a reanimação da democracia pelos mesmos actores que a suspenderam? Ou os riscos inerentes à suspensão da democracia pela própria democracia? Pode haver com as classificações ideal-típicas este efeito de pensar o futuro refletido no passado, oferecendo-lhe uma consistência emocional capaz de aliviar a ansiedade pelo desconhecido e, ao mesmo tempo, inibir o vislumbre de um futuro em construção. Se podermos imaginar as sociedades como reprodução de mecanismos que fazem emergir padrões regulares, pequenas mudanças nos mecanismos – como pequenas mudanças no material genético – podem alterar profundamente os padrões emergentes e substituir definitivamente os velhos padrões, entretanto abolidos. Se for esse o caso, de pouco vale pensar em função das aparências do passado se não tivermos presente os mecanismos que as produziram. A democracia e o Estado Social serviram para combater a luta de classes e a guerra. Se forem suspensos os modos de inibir as tendências belicistas na Europa, as tensões identitárias sobretudo importantes para quem pouco mais referências tenha podem gerar fenómenos violentos, certamente sob formas novas. O estudo das carreiras e das trajectórias militantes e o modo como a repressão policial (contra as organizações) e dos tribunais (geralmente julgando indivíduos) desmobilizam ou mobilizam os activistas podem ajudar a compreender ao mesmo tempo a semelhança e a diferença entre momentos de transformação social actual e anteriores. Sumário 4. 11.03.2013 16 alunos A violência fora do âmbito da teoria social Foi chamada a atenção dos estudantes para a vantagem de terem os seus grupos a trabalhar desde já no caso escolhido – que deveria ser indicado ao professor – de modo a que as aulas fossem aproveitadas para olhar para esses casos concretos e para que haja tempo de reflexão antes de escrever o trabalho final. Foram tiradas dúvidas sobre o funcionamento dos trabalhos individuais e pedido que se fizessem as inscrições para a apresentação oral tão breve quanto possível, para evitar acumulação de trabalho no final do semestre. Apresentaram-se os trabalhos de Norbert Elias (O Processo Civilizacional) e de Anthony Giddens (Violence and State) que foram objecto de comentários do docente. Notou-se a relação edipiana entre o segundo e o primeiro, seu professor. E o contraste entre o processo de aumento incorporado da repugnância perante a violência claramente visível no longo prazo, contrastando um período de 400 anos, antes e depois, e a violência do Estado (externa e internamente) que acompanha a construção do capitalismo (centrado nas relações de exploração das sociedades) e do industrialismo (centrado nas relações de exploração da natureza). O primeiro autor, que escreveu a sua obra-prima nas vésperas da segunda grande guerra, na Alemanha que haveria de abandonar para escapar à violência nazi, só viu reconhecido o valor extraordinário do seu trabalho praticamente 40 anos após a sua publicação, num período em que os traumas da guerra na Europa foram substituídos – na boca de cena pública – pela certeza da paz reclamada contra os revolucionários dos anos sessenta. Contra isso se terá manifestado Giddens. Propôs, sem consequências – apesar do grande prestígio de que já gozava quando escreveu o livro citado – a substituição do velho paradigma das dimensões estrutural-funcionalistas (economia, política, cultura e social) por outro centrado nas actuais contradições das sociedades do capitalismo avançado, com as respectivas dimensões analíticas deduzidas dos principais movimentos sociais da época (com excepção dos movimentos feministas). Dessas novas quatro dimensões, a saber: decorrentes dos movimentos de trabalhadores (contra o capitalismo), ecologistas (contra o industrialismo), pelos direitos humanos (contra o controlo social), pelo pacifismo (contra a guerra), duas dessas dimensões dizem respeito directamente à violência directa entre as pessoas. E facilmente se descobrirá nas outras duas fortes componentes de violência institucional e simbólica, de desqualificação da natureza, dos povos colonizados e das classes inferiores, e de uma moral legitimadora da organização pelo Estado de formas de repressão francamente brutais, incluindo o obscurecimento das perversidades que as acompanham, como a desqualificação de zonas da cidade onde se acumulam habitantes desqualificados no trabalho, nas origens sociais, pelo rendimento e pela nacionalidade estrangeira. Ou as violações dos direitos das populações civis que vivem nos palcos de guerra, nomeadamente as violações de mulheres e crianças e a corrupção organizada pela tropa a partir do saque dos recursos locais. Desse debate surdo é evidente a sobrevivência das referências de Norbert Elias e o carácter datado desta referência de Giddens, eventualmente abandonada pelo próprio autor. Sumário 3. 04.03.2013 17 alunos Biologismo e espiritualismo Os alunos foram relembrados do programa de avaliação e da necessidade de organizarem os grupos e decidirem rapidamente o caso empírico que pretendem tratar. Sob pena de a Páscoa estar a chegar e o tempo escassear. A aula tratou de completar o primeiro tópico do programa. Começando pela positiva, de chamar a atenção para as virtualidades do estudo da solidariedade e da possibilidade de a poder entender associada ao mimetismo. Pela negativa, notando o uso de estigmas no condicionamento dos pensamentos dos sociólogos, como sejam as referências ao positivismo, ao biologismo ou ao espiritualismo. A solidariedade foi tratada por Durkheim como uma característica das sociedades, a que os indivíduos poderiam resistir, sob a forma de anomia, mas com fortes probabilidades de saírem eles próprios mal tratados pela vida, pelas sansões e pela infelicidade. A solidariedade mecânica referia-se à autossuficiência das famílias alargadas a trabalhar a terra, reclamando a todos um comportamento estandardizado sob pena de exclusão. A solidariedade orgânica passou a ser mais alargadamente social, na medida em que exigia e permitia sociedades mais densamente povoadas, e mais liberal nas sansões, já que a diferenciação social e a vida urbana reclamavam tolerância perante comportamentos específicos de cada grupo social. A solidariedade mecânica era vivida através da dominação organizada entre senhores da guerra, que guardavam os territórios a troco da submissão dos camponeses. A solidariedade orgânica vive-se construindo mercados pela violência (como nos tempos das Descobertas e da colonização, mas também da industrialização dos países europeus) e expulsando a violência dos mercados entretanto constituídos. Essa expulsão da violência será feita pelo acantonamento dos guerreiros, pelo policiamento das cidades, pela economia política, isto é pelo controlo ideológico das sociedades para o que Durkheim propunha as corporações – formas de articulação entre interesses dos patrões e dos trabalhadores por ramos de actividade. O mimetismo de Tarde, de acordo com o autor, era parte da sociologia durkheimiana. Fundava-se na ideia de que os factos sociais, a regularidade dos comportamentos das pessoas que era a factualidade social, segundo Durkheim, decorriam da forte tendência mimética dos seres humanos. Os factos sociais realizavam-se através do esforço das pessoas em copiarem os comportamentos alheios e da satisfação e segurança que conseguirem-no dava – desde a infância, mas também na idade adulta, através necessidade de identificação pessoal com traços dos diferentes protótipos sociais existentes em cada época histórica e do mal-estar provocado por ser-se diferente. Solidariedade e mimetismo explicam como as sociedades de reúnem – através de um espírito social associado a uma tendência biológica inata – mas não explicam como as sociedades se transformam. Como a solidariedade que se impunha uns séculos ou apenas há dezenas de anos atrás se torna vetusta e impraticável e se transforma repentinamente noutro tipo de solidariedade. Será essa razão suficiente para se abandonar todas as contribuições desta corrente de pensamento? Será essa razão suficiente para justificar os tabus criados contra o uso das metáforas biológicas e dos saberes biológicos para compreender os comportamentos sociais dos humanos? Haverá espaço para a discussão? Na verdade a característica multiparadigmática da sociologia – considerada nos anos setenta como um sinal de imaturidade como ciência – organiza-se em forma de flor estilizada, em que um centro de sociologia dominante está cercado de muitas sociologias especializadas. Entre as quais a sociologia das emoções e a sociologia do corpo – mais recentemente as sociologias dos direitos humanos e da violência – a que podem sempre acrescentar-se mais. Todas a reclamar limitações das sociologias dominantes, elas próprias variáveis consoante as escolas – no ISCTE dominam as teorias de classificação de classes, em Coimbra domina a teoria do sistema-mundo, etc. – sendo ora dominantes ou subdisciplinas conforme a situação. Estando nós a viver uma situação de transformação social profunda e prolongada, é de esperar que também a teoria social possa transformar-se e, esperamos nós, valorizar-se dentro e fora do campo científico. Nomeadamente retomando e integrando velhas formas de fazer sociologia entretanto abandonadas e actualizando-as em função das suas potencialidades para fazer crescer a implantação da sociologia, em particular nos campos da saúde e da justiça, capitalizando e potenciando os novos conhecimentos sobre o impacto na saúde das relações sociais e a procura de bens jurídicos por parte da sociedade. A este respeito cf. Richard Wilkinson e Kate Pickett (2009) The Spirit Level – why more equal societies almost always do better, Penguin, com uma tradução em português disponível.
Sumário 2. 25.02.2013 17 alunos Spencer e Durkheim, autores conhecidos da generalidade dos alunos, apesar das grandes diferenças entre si, partilharam ideias como o evolucionismo que culmina na complexidade maior e a similitude entre as lógicas de desenvolvimento imaterial, orgânico e super-orgânico ou mental, num quadro de desintegração cada vez mais acentuada entre a vida natural e a vida humana e social (no sentido específico discutido por Spencer para o distinguir da sociabilidade entre diferentes espécies de formigas e abelhas, biologicamente funcionais para o respectivo lugar na sociedade, e entre humanos, todos biologicamente potencialmente iguais entre si; e no sentido da solidariedade orgânica de Durkheim, mais corporativa e intensa que a solidariedade mecânica. Spencer distingue a sociedade militar, dominada por aristocratas, e a sociedade industrial, exploradora da natureza pela coligação social (divisão de trabalho) entre empresários e seus trabalhadores. Pensamento que co-ocorre num período em que as guerras de conquista de mercados organizadas pelos interesses burgueses dominantes passam a ser alvo de segredos de estado e segredos militares (até hoje), cf. Hirschman (1997) - ver bibliografia. Esse é um segredo social estrutural das sociedade modernas. Durkheim, ao tratar do processo de transformação social, da procura natural, determinada pela evolução, da coesão social que fará o super corpo social humano mais resiliente e saudável, concebe a anomia. Sintoma mensurável inversamente proporcional à coesão social, cf. ele demonstra no seu estudo sobre o suicídio. Acontece, porém, ser vulgar na sociologia a transformação teoricamente ilícita da anomia social em desvio individual, cf. Dores (2004) Proibicionismo e Anomia, provas de agregação, http://iscte.pt/~apad/novosite2007/provas.html. Analogamente se confunde as respostas individualmente recolhidas em inquérito e as intenções sociais que o agregado dessas respostas podem indiciar e, mutatis mutandis, a acção social que essas intenções provocarão, na prática. Ou também se baralham noções como a objectividade científica e a proibição de discutir posições ideológicas dos autores (a célebre neutralidade axiológica weberiana). Ou ainda se tomam por criminosos todos os presos e por não criminosos todos os que vivem, de momento, fora das prisões, cf. Dores (2012). Isto é, a separação entre as discussões normativas - sobre a formação de intenções, a sua problemática correspondência com as acções, a moral condenatória - abandonadas ao direito e à teologia pelas ciências sociais, e as discussões científicas, sobre os objectos de estudo e os métodos, cria um remoinho vicioso em torno das teorias da conspiração (objecto de estudo tornado repugnante e, por isso, intratável) cujo resultado prático é o encobrimento dos segredos sociais. Por exemplo, os segredos judiciais, de estado, a guerra, as práticas repressivas, mas também a violência doméstica, os abusos sexuais e outros. O biologismo, a repugnância da teoria social inculcada nos estudantes de sociologia (ao inverso dos de psicologia) pela biologia e pelo evolucionismo é um fenómeno recente. Que prejudicou o conhecimento de autores tão importantes como Gabriel Tarde, durkheimiano, no seu tempo mais conhecido que o próprio Durkheim. Ele tratou de se centrar na noção de mimetismo, característica que destacou como especialmente humana (o que a ciência actual confirma, ao descobrir a muito grande quantidade de células fusionais de que dispõem os corpos humanos, comparada com as dos símios, ditos macacos de imitação). Explicações sobre a regularidade dos comportamentos sociais, as ondas culturais e a moda, as épocas políticas diferenciadas, mas também a emergência da violência e a sua regulação social, podem ser discutidas a partir deste conceito. Assim como a própria definição do que seja a sociedade (campo de acção de uma intervenção mimética, cujas fronteiras podem ser políticas - como com os estados - ou comunitárias - como nas relações vicinais - ou institucionais - para os empregados das empresas). Bem como a diferença entre estados de guerra, quando a violência é mimada de uma forma banal - e os estados de paz - em que qualquer violência pública é reprimida de forma eficaz.
Sumário 1. 18.02.2013 8 alunos A UC de sociologia da violência trata de uma especialidade recente, de que são expoentes máximos o francês Michel Wiviorka e o inglês Randal Collins. Embora se devam procurar referências esquecidas nos clássicos e nos autores maiores da actualidade que não se especializaram neste campo, como Norbert Elias, Bourdieu ou Giddens. A compreensão da actual emergência do tema – inspirada sobretudo pelo terrorismo e pela violência urbana, no caso dos expoentes da disciplina acima citados – deve passar também pela descoberta de autores menos conhecidos que terão trazido ao de cima o tema da violência, sem impacto evidente no desenvolvimento da sociologia, como Réne Girard, Zimbardo, Hirschman, Gaston Bouthoul, por exemplo. Destacando-se em cada um os temas da fundação das sociedades, as prisões, a ideologia burguesa, a guerra. As tensões políticas que extravasam para o plano social, representam uma boa razão para a maior atenção das pessoas e dos sociólogos para o tema da violência. Violência latente e explícita. Violência quotidiana e institucional. Violência directa e física. Violência encapotada ou psicológica. Violência racional e organizada. Violência instintiva ou natural. Bem assim como as diferentes maneiras de resistir à violência, como sejam as formas de impedir a sua escalada, a sua generalização, e as formas de a moderar ou reprimir. A violência é, por vezes, apresentada como um fenómeno anti-social, anómico. Como se existissem sociedades em que a violência tenha sido abolida ou esteja em vias de o ser. Como se toda a violência fosse negativa ou má (e todas as sociabilidades e todas as formas de solidariedade fossem boas). Dificilmente, portanto, a análise da violência poderá escapar à questão moral e ao confronto entre as convicções e hábitos de cada um e a consciência colectiva ou a opinião pública. A violência é singular no discurso mas plural na prática. Prática que separa a violência doméstica da violência bélica, a violência institucional da violência íntima, a violência do corpo e a violência da mente. Durante o curso, pois, interessa que cada estudante (ou grupo) escolha um episódio concreto sobre o qual irá trabalhar, sabendo que tal material empírico será singular: há-de conter uma violência particular, diferente das outras, e, ao mesmo tempo, será um exemplo de violência a generalizar, da maneira que se vir ser mais adequada. A avaliação da UC tem a forma de participação (20%), de trabalho individual (40%) e trabalho de grupo (40%). Por participação entenda-se a participação nas discussões em aula das apresentações dos outros colegas, a apresentação e classificação de uma obra literária ou filosófica, os dois exemplos de segredos sociais pedidos. O trabalho é constituído pelas fichas de leitura dos dois textos requeridas, a apresentação em aula de uma delas. O trabalho de grupo é entregue no final das aulas, focados num dos três temas indicados (informação, emoção, violência) e num conceito (para o que recomendamos mimetismo, lookingglass, recursividade, disciplina, modos de pensar, violência simbólica) e numa análise de caso concreto a mobilizar.
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